Muito é o que parece em O Caminho para Moscou

Exibido na seção Perspectiva Internacional da Mostra de SP, o filme trata com leveza a polarização da Guerra Fria (Foto: Divulgação Imprensa)

João Batista Signorelli

Oriunda de um país com histórico político pouco convencional, a comédia suíça O Caminho para Moscou, exibida na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, não se isenta ao relembrar o vazamento de documentos da polícia que revelavam a invasão à privacidade de 900 mil pessoas. Ainda assim, a História é apenas pano de fundo para a narrativa que se destaca frente a esse cenário. 

Em O Caminho para Moscou, acompanhamos Viktor Schuler (Philippe Graber), um pacato policial suíço que em 1989, em pleno ensaio da queda do muro de Berlim, sai de sua zona de conforto ao se infiltrar em um grupo de teatro que potencialmente tem espiões soviéticos entre seus integrantes. À medida que convive com as peculiaridades daquele grupo de artistas, suas descobertas não apenas o fazem perceber que nem tudo é o que parece, como também o fazem reavaliar a sua própria identidade.

O diretor Micha Lewinsky faz um ótimo trabalho ao contrastar dois ambientes que não poderiam ser mais distintos: o monótono, frio e burocrático mundo dos escritórios da polícia, com suas infinitas prateleiras e fichas, contra os acalorados corredores dos bastidores de teatro, invadidos pelas cores da iluminação de palco. Tal contraponto não se revela apenas estético, mas também ideológico, buscando inicialmente o caminho da sátira para retratar tanto as paranoias anticomunistas de terno e gravata, quanto os exageros políticos e performáticos da classe teatral. 

Viktor Schuler (Phillipe Graber) busca um escape de um universo frio e burocrático (Foto: Divulgação Imprensa)

Atravessando os paralelos temáticos, o humor de Moskau Einfach!, no título original, se concentra na personalidade tímida porém desastrada de Viktor, que se destaca ao parecer versão pacata de Eric Forman de That ‘70s Show. Atuando como policial figurante na peça organizada pelo grupo que investiga, ele subsequentemente é promovido ao papel de Antonio, um espião infiltrado que tem sua identidade descoberta. Se aqui os paralelos entre a peça encenada e os conflitos do personagens não poderiam ser mais óbvios, o arco onde o protagonista, na tentativa de desmascarar infiltrados se descobre ele mesmo como impostor é eficiente, servindo a várias situações hilárias que percorrem a trama. 

Mas, apesar de seus acertos, O Caminho para Moscou falha ao trazer um roteiro que, se de início é atraente como sátira de um conturbado momento político, revela progressivamente sua previsibilidade. Até o final do terceiro ato isso não parece um problema notável, mas o desfecho decepciona com direito a um discurso piegas e pausa dramática antes dos aplausos de uma plateia de figurantes comovidos. E mesmo a grande revelação que justifica a trama do filme, um evento significativo da história suíça antecipado desde o primeiro plano da obra, parece não ter o seu merecido espaço depois do encerramento decepcionante da narrativa. 

O Caminho para Moscou é um crowd-pleaser, que ao não medir esforços em seu desfecho para ser o menos incômodo possível, pode acabar desagradando. Ainda que se mostre como uma obra pouco disposta a tomar grandes riscos, ao longo de sua reprodução (pois infelizmente neste momento não se pode dizer projeção) oferece o suficiente para que a jornada seja satisfatória. Diverte ao caracterizar um mundo cuja polarização estava prestes a ruir, e rende ótimas risadas, o que em certos momentos, é tudo o que uma pessoa precisa. 

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