A Baleia é um retrato sobre tudo o que nos faz humanos

Cena do filme The Whale. Na imagem, o personagem do ator Brendan Fraser está dentro de uma casa. Ele está sentado em um sofá, usa uma camiseta cinza e sorri. Ao seu lado direito, há um abajur de luz amarela. A iluminação é baixa e os tons são frios.
Além de indicações no Oscar, The Whale recebeu indicações em premiações como Critics Choice Award, Cannes, Globo de Ouro e SAG Awards (Foto: A24)

Clara Sganzerla 

Moby-Dick, ou The Whale, é um famoso romance publicado em 1851 pelo escritor estadunidense Herman Melville, que conta a famosa saga do capitão Ahab atrás da baleia que arrancou sua perna. A semelhança com A Baleia, um dos filmes mais comentados do Oscar 2023, não é apenas no nome. A nova obra do diretor Darren Aronofsky nos leva em uma triste trajetória de um outro protagonista atrás de algo que vai além da forma física: uma redenção para si mesmo.

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Envolta por traumas, a cura pede Passagem

Cena do filme Causeway, da A24. Imagem retangular e colorida. Nela, a personagem Lynsey, interpretada por Jennifer Lawrence, está sentada no banco de um ônibus e olha contemplativa pela janela, com a luz do sol batendo contra seu rosto. Ela é uma mulher branca de cabelos loiros e olhos claros, que veste uma camiseta azul-escura.
A principal aposta da Apple TV+ no Oscar de 2023, Causeway teve uma passagem tímida na premiação e garantiu somente uma indicação (Foto: A24)

Enrico Souto

Causeway, longa da A24 indicada ao Oscar de 2023, traduz-se como ‘ponte’ para o português. Essa ponte, tanto em significado material quanto metafórico, representa uma contradição que assombra perpetuamente seus personagens: símbolo do elo entre pessoas, fonte de experiências ternas carregadas por toda a vida, ao passo que subordinado ao inevitável erro, catalisador de traumas inomináveis e fardos que, da mesma forma, serão lembrados para sempre. Ao mergulhar sob a relação desengonçada de dois indivíduos que, embora quebrados, acham conforto na companhia um do outro, Passagem, como foi nomeado no Brasil, imerge no micro para resgatar a raíz e o valor inerente ao afeto humano.

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Close nos aproxima da dor das rupturas

Cena do filme Close. Rémi e Léo estão olhando um para o outro. Léo é um garoto branco loiro de olhos azuis, ele está vestindo uma camiseta branca e tem uma mochila azul marinho nas costas. Rémi é um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele veste uma camiseta bordô e usa uma mochila verde musgo. Ambos têm feições sérias
Close é uma coprodução belga, holandesa e francesa, e concorre na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023 (Foto: A24)

Jamily Rigonatto 

Ceder a pressão social é fácil, quase um instinto do ser humano em busca de aceitação e, por vezes, sobrevivência. O ponto é que tudo pode ser desfigurado para que possamos caber nas caixas ditas como certas: roupas, cabelos e até mesmo os amores. Em Close, filme lançado em 2022 sob a direção de Lukas Dhont, os protagonistas figuram o ato de cortar os laços mais profundos como se fossem uma linha fina – rompem-se com facilidade, mas ficam as pontas esfarrapadas. 

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Marcel the Shell with Shoes On: Nos menores frascos, estão os maiores corações

Cena do filme Marcel the Shell With Shoes On. Nela, vemos um personagem Marcel, uma concha do tamanho de uma polegada em cor nude com um olho onde era para ser sua abertura, uma boca e sapatos com a ponta vermelha. Ele está sobre um computador, olhando para a tela e boquiaberto.
Marcel the Shell with Shoes On é o resultado de mais de 10 anos de amor pelo personagem mais amoroso do audiovisual recente (Foto: A24)

Guilherme Veiga

Desde que o gênero mockumentary caiu nas graças do público, a vertente buscou explorar os contextos mais improváveis, indo de uma empresa de papel da Filadélfia, passando por um grupo de vampiros em Staten Island e chegando na vida de um excêntrico repórter cazaque aterrissando nos Estados Unidos. Naturalmente vinculado à comédia, é de praxe que falsos-documentários abracem o nonsense e joguem fora toda a busca por credibilidade. Porém, é da premissa mais absurda que o produto é tratado de forma mais séria.

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Animação não é coisa de criança, mas para a Academia…

Homenagem tendenciosa? Woody e Buzz apresentam o Oscar de Melhor Animação em 2016 para Divertida Mente, do mesmo estúdio que lhes deu vida (Capa: Ana Clara Abatte)

Nathan Nunes

Na manhã do dia 15 de Janeiro de 2015, Hollywood ficou em polvorosa com a falta do então favorito Uma Aventura Lego entre os indicados ao Oscar de Melhor Animação. Lembrado, ainda assim, na disputa de Canção Original com Everything is Awesome, o longa de Phil Lord e Christopher Miller (que seriam premiados anos depois por Homem-Aranha no Aranhaverso) foi preterido em razão de dois candidatos menos conhecidos: O Conto da Princesa Kaguya, do cultuado Studio Ghibli, e A Canção do Oceano, da pequena produtora irlandesa Cartoon Saloon. Completavam a lista Como Treinar o Seu Dragão 2, da DreamWorks, Os Boxtrolls, da LAIKA Studios, e o eventual vencedor Operação Big Hero da Disney. Apesar do esnobe, é notável que havia um equilíbrio na disposição dos estúdios por trás dos concorrentes naquele ano, abraçando tanto os gigantes quanto os independentes e estrangeiros

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Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo realmente é o que diz ser

Cena de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Nela, vemos Evelyn, interpretada por Michelle Yeoh. Ela é uma mulher asiática de meia idade e de cabelos pretos. Evelyn veste uma camisa florida e um colete vermelho. A câmera dá um close em seu rosto, onde há um sangramento no nariz e um corte do lado esquerdo de seu rosto, que também sangra. Há um googly eye, um olho típico de bonecos de pelúcia colado em sua testa. Ao fundo e desfocado, há uma repartição pública
Sendo a maior bilheteria do estúdio, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo foi o responsável por fazer a produtora furar a bolha de vez (Foto: A24)

Guilherme Veiga

Quanto vale entrar para a História? Quanto vale não ser esquecido jamais? Indo além, na questão cinematográfica, quanto vale fazer parte da História, seja como idealizador ou como mero telespectador? Não faltam exemplos em que essa visão não foi estimulada, como em Blade Runner (1982), The Rocky Horror Picture Show (1975) ou, até mesmo, The Room (2003) – obras injustiçadas ou que deram a volta em sua própria ruindade, mas, a princípio, foram incompreendidas. Essa poderia ser a sina de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, longa lançado em Março mas que só chegou ao Brasil em Junho. Porém, tivemos a sorte de ver a História sendo (re)escrita no Cinema.

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Do vexame à morte, Bodies Bodies Bodies não tem pudor de si mesmo

Imagem do filme Bodies Bodies Bodies. A foto é retangular e bastante escura. Ela mostra, no centro, quatro das cinco protagonistas do filme. As quatro estão mexendo em uma mala sobre uma cama, o ângulo da câmera as captura da cintura para cima. Da esquerda para a direita: A primeira é Bee, personagem de Maria Bakalova. Maria é uma mulher branca, cabelos loiros que estão presos em um rabo de cavalo. Ela é a que menos aparece na imagem, parcialmente escondida pelos corpos das demais, e segura uma lanterna que é uma das poucas fontes de luz da cena. Ao seu lado está Sophie, interpretada por Amandla Stenberg. Ela é uma mulher negra, com cabelos longos em tranças e luzes loiras. A próxima, ao lado, é Jordan, papel de Myha'la Herrold. Ela é uma mulher negra, usa os cabelos escuros presos no alto da cabeça e segura outra lanterna sob um dos braços. A última, no canto direito, é Alice, personagem de Rachel Sennott. Rachel é uma mulher branca, de cabelos castanhos cacheados. Ela segura um copo com uma das mãos e tem vários colares neon, de festa, no pescoço.
Registrando 86% de aprovação no Rotten Tomatoes, o longa é uma das produções de Terror mais bem avaliadas de 2022 (Foto: A24)

Mariana Nicastro e Vitória Vulcano

Morte. Morte. Morte.” É o que você deve gritar se achar um corpo. O slasher do estúdio A24 aborda o reencontro de antigos amigos que decidem confraternizar em uma noite tempestuosa. Porém, o choque do presente estremece o grupo, que sempre se escondeu sob um véu de mistérios e mentiras. Então, o que seria melhor do que juntar álcool e drogas a um intenso jogo de Bodies Bodies Bodies – uma mistura de Cidade Dorme com Among Us da vida real – na companhia de um verdadeiro homicida?

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Em Ruído Branco, o mundo real é uma simulação

Em parceria com a A24, Ruído Branco estreou no Festival de Veneza e chegou à Netflix no penúltimo dia de 2022 (Foto: Netflix)

Bruno Andrade

“Consumista” já foi a palavra de ordem de uma geração que, em um passo ousado, julgava os relativos perigos de uma sociedade descontrolada – talvez como consequência direta da mudança social dos anos 1960, cuja virada cultural permanente se estabeleceu e desembocou no mal-estar das décadas seguintes. Mas o fato é que o julgamento parecia resfriar-se em um sólido cenário teórico, e ironicamente se perpetuava, muitas vezes, por aqueles que o apontavam. O consumo estava em toda parte. Em Ruído Branco, adaptação dirigida por Noah Baumbach do clássico homônimo de Don DeLillo publicado em 1985, outras facetas do consumo – para além da alienação – ganham espaço: o entretenimento vulgar, o delírio e a paranoia.

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Cuidado: Aftersun causa enjoo emocional

Cena do filme Aftersun, mostra pai e filha dançando abraçados. Ao fundo, vemos pessoas desfocadas.
Irlandesa radicada em Nova Iorque, Charlotte Wells impressionou Cannes e Toronto antes de trazer Aftersun para vencer a Competição Novos Diretores da 46ª Mostra de SP (Foto: MUBI)

Vitor Evangelista

Trabalhar o conceito da memória na Arte é uma artimanha e tanto. Para evocar o sentimento que viveu há cerca de duas décadas, é atrás das lembranças que vai a cineasta Charlotte Wells na confecção de Aftersun. A trama reflete um episódio experienciado pela irlandesa no fim dos anos noventa: uma viagem de férias à Turquia ao lado do pai, e seu apreço pela imagem como instrumento de ternura e captura do tempo.

A pequena Sophie (Frankie Corio) é a bússola do longa de estreia de Wells, parte da Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e eleito o Melhor Filme pelo Júri com o Troféu Bandeira Paulista. Ao lado do pai Calum (Paul Mescal), ela comemora o aniversário de 11 anos entre o quarto de hotel, a piscina, o oceano e as muitas caminhadas pelo ensolarado país euro-asiático, gravando as aventuras por meio de uma filmadora miniDV.

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X: a primeira vez é inesquecível

Cena do filme X. Na cena, os personagens estão no interior do que aparenta ser uma van, e vemos eles da frente do carro para trás. No banco do motorista, dirigindo, vemos um homem branco, aparentando cerca de 40 anos, vestindo uma camisa branca, calça marrom, chapéu de cowboy branco e óculos de sol. No banco do passageiro, vemos uma mulher branca, aparentando cerca de 25 anos, vestindo shorts e camiseta. Na parte de trás da van, vemos quatro pessoas sentadas junto a malas.
Lançado em março nos Estados Unidos, X só chega ao Brasil em 11 de agosto (Foto: A24)

Vitória Lopes Gomez

De um lado, um subgênero cinematográfico que floresce da repressão sexual. De outro, uma obra cujo título se inspira na indicação etária de filmes adultos. Com o nome adaptado da classificação XXX, a destinada aos conteúdos para maiores de idade, X – A Marca da Morte quebra as regras do slasher e, ao invés de tratar o tesão como o perigo a ser temido, coloca o sexo como ponto de partida. Sem vangloriar a pornografia, a produção dirigida e roteirizada por Ti West inverte a ordem do subgênero do Horror e se revela digna de ser chamada de subversiva.

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