Close nos aproxima da dor das rupturas

Cena do filme Close. Rémi e Léo estão olhando um para o outro. Léo é um garoto branco loiro de olhos azuis, ele está vestindo uma camiseta branca e tem uma mochila azul marinho nas costas. Rémi é um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele veste uma camiseta bordô e usa uma mochila verde musgo. Ambos têm feições sérias
Close é uma coprodução belga, holandesa e francesa, e concorre na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023 (Foto: A24)

Jamily Rigonatto 

Ceder a pressão social é fácil, quase um instinto do ser humano em busca de aceitação e, por vezes, sobrevivência. O ponto é que tudo pode ser desfigurado para que possamos caber nas caixas ditas como certas: roupas, cabelos e até mesmo os amores. Em Close, filme lançado em 2022 sob a direção de Lukas Dhont, os protagonistas figuram o ato de cortar os laços mais profundos como se fossem uma linha fina – rompem-se com facilidade, mas ficam as pontas esfarrapadas. 

Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) estão no início da adolescência e têm uma intimidade apaixonante construída, mas os olhos de terceiros tendem a ver as coisas sob lentes escuras, nubladas por estigmas. Os garotos se amam, sem rótulos definidos – não nos cabe força-los a mais enquadramentos –, é uma pena que em um mundo em que a masculinidade tóxica reina demonstrar ternura seja um sinal franco de vulnerabilidade. Assim, os toques, o cuidado e até o carinho se dissipam em tons cinzentos, movidos pelo desejo de se encaixar.  

 Cena do filme Close. Na imagem estão Léo, Rémi e sua mãe, Sophie. Sophie é uma mulher branca de cabelos e olhos castanhos, ela está vestindo uma camiseta regata rosa pálido e olha para Léo. Léo é um menino branco de cabelos loiros e olhos azuis, ele veste uma camiseta amarelo bebê e retribui o olhar de Sophie. Rémi é um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele está vestindo uma camiseta verde escura e está deitado com a cabeça dos outros dois sobre sua barriga. Os três estão sorrindo
Close chega aos cinemas brasileiros no dia 02 de Março e marca presença na MUBI a partir de 21 de Abril (Foto: A24)

Os primeiros takes são ingênuos, leves e ensolarados. A câmera caminha em direção aos rostos dos meninos e podemos sentir o quanto aquela relação é especial. Eles têm 13 anos e estão começando um novo ano letivo na escola, ambiente em que as coisas começam a mudar. A aproximação dos meninos é julgada pelos colegas, termos homofóbicos são ditos e isso basta para que a distância ganhe casa e, cada vez mais, seja possível entender como nada continua igual. 

O trabalho de fotografia comandado por Frank van den Eeden é primoroso, desde as luzes até a forma como os personagens e cenários são captados. Tudo é morfológico: habita a forma que a narrativa precisa. O enquadramento caminha com o afastamento dos protagonistas e, em certo momento, o foco deixa de repousar sobre suas faces para abrigar os elementos ao redor, conforme Léo e Rémi permitem a expansão desse mundo. 

Apesar de não fazer afirmações, um dos cernes do enredo – escrito por Dhont em parceria com Angelo Tijssens – é a homofobia, a forma como a exclusão de pessoas que sequer lembrem o universo LGBTQIA+ é naturalizada e capaz de gerar desgastes e mudanças. O protagonista não precisa de muito para passar a se policiar sobre a forma com a qual trata o amigo, o medo é um soldado cruel e invade sem bater na porta.

Cena do filme Close.Na imagem, Rémi e Léo olham para uma colega de classe. Léo é um menino branco de cabelos loiros e olhos azuis, ele veste uma camiseta de manga longa na cor branca. Ao seu lado está Rémi, um menino branco de cabelos e olhos castanhos, ele veste uma blusa vermelha de mangas. Os dois encaram a colega que não aparece na foto.
Close fez parte da 24ª edição do Festival do Rio de 2022 (Foto: A24)

Continuar a ver o filme é doloroso, uma experiência absolutamente devastadora com passe livre para fazer todos os sentimentos de alguém se desdobrarem. Nada precisa ser explícito ou violento para causar angústia, aqui os rumos da vida se mostram imprevisíveis e nada simplistas. Neste cenário sombrio e regado a lágrimas, a passagem dos dias ganha menos luz, paz e amor

Acima de qualquer coisa, Close é sobre consequências e quebras. A narrativa explora em Léo e nos pais de Rémi, Sophie (Émilie Dequenne) e Peter (Kevin Janssens), o quanto os pedaços quebrados machucam. É possível ver no garoto a quebra da inocência e nos adultos os rumos perdidos a partir de uma ótica intimista e silenciosa. Afinal, os olhos são a janela para a alma e sobram para as palavras o plano secundário. 

A dor transpassa os limites da imagem e ver isso é desesperador, caso houvesse a possibilidade de adentrar a tela e acolher aqueles sentimentos qualquer pessoa o faria. Charlie (Igor Van Diesel) acaba sendo o personagem que mais gera essa identificação no público e seu cuidado com o irmão é afetuoso na medida exata. É com ele que vemos Léo ter as únicas reações positivas verdadeiramente sinceras depois do episódio do melhor amigo, as risadas e corridas no campo aquecem um pouco dos tons frios assumidos pela produção. 

Cena do filme Close. Na imagem estão Léo, Charlie e o pai, Yves. Charlie tem cabelos loiros escuros e olhos azuis, ele veste uma blusa cinza de mangas sobreposta por um colete preto. Léo é um garoto loiro de olhos azuis, ele veste uma blusa preta de mangas sob um colete azul claro. Yves é um homem branco, careca de olhos azuis, ele veste uma blusa preta com um colete verde. Os três estão fazendo a colheita em um campo verde, vermelho e amarelo.
Close é o segundo filme da carreira de Lukas Dhont, que já havia sido vencedor da principal premiação de Cannes em 2018 com Girl (Foto: A24)

O desenvolvimento emocionante não passou despercebido pelo Oscar 2023 e o filme concorre na categoria de Melhor Filme Internacional. A disputa conta com os títulos Nada de Novo no Front, Argentina, 1985, EO e A Menina Silenciosa. Além de estar cotado a estatueta da Academia, Close competiu ao Critics Choice Awards na mesma modalidade e apareceu como indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. 

Exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Cannes em Maio de 2022, o longa-metragem agradou os críticos e arrebatou o Grand Prix. Na ocasião, os direitos de distribuição da obra para o Reino Unido, Irlanda, América Latina, Turquia e Índia foram adquiridos pelo serviço de streaming da MUBI. A narrativa também mexeu com os membros National Board of Review, que ofereceram à produção o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. 

Cena do filme Close. Na imagem está Léo olhando para baixo. Ele é um menino branco de cabelos loiros e olhos azuis, e veste uma camiseta amarela. Léo está no quarto de Rémi e está triste.
Close apareceu no European Film Awards 2022, com indicações a Melhor Filme, Direção, Roteiro e Ator (Foto: A24)

Close é um retrato delicado e dilacerante de como as mudanças se instauram com uma força avassaladora. Sem precisar de apelo, a narrativa sangra em sua própria magnitude. Não é a intenção estabelecer culpados, mas mostrar os pequenos efeitos promovidos por atitudes aparentemente banais. Resta nas mãos de todos um cheque a assinar, mesmo quando isso é cruel e, sinceramente, injusto. 

Talvez não tenhamos como mudar a estrutura, mas falar das dores proporcionadas por ela é um grande passo e a obra faz isso com excelência. O filme pode não ter um final feliz de conto de fadas, mas, ao contrário do que sua sinopse diz, é, sim, uma história de amor – já que esse sentimento faz parte de todo o enredo, seja na forma pura ou na que coleciona cicatrizes. Nem toda história de amor é feliz, mas só o fato de estar presente faz dele um dos grandes protagonistas. Assim, pode ser que amar nos deixe tão perto de sofrer quanto Close nos deixa próximos das quebras. 

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