O amor líquido cabe dentro de um Copo Vazio

Imagem capa do livro Copo Vazio. Composta totalmente por uma pintura. Em primeiro plano temos uma mesa cor de rosa e em cima um copo de vidro vazio. Ao fundo temos um cenário todo pintado de azul. No canto inferior direito pode-se ler “Copo Vazio e logo abaixo “Natalia Timerman”
Lançado em 2021 pela editora Todavia, Copo Vazio estabelece uma conversa sincera, e talvez até difícil, com todos aqueles que já foram abandonados (Foto: Todavia)

Isabella Lima 

Em 2004, o filósofo Zygmunt Bauman utilizou o termo “Amor líquido” para se referir aos relacionamentos constituídos na pós-modernidade, um período caracterizado pelo rápido padrão de mudança e adaptação. Coube a ele se questionar: como se dá o amor e as conexões afetivas dentro desse mundo fluido? Para essa pergunta, Bauman comenta que a necessidade de praticidade na vida fez o amor se tornar descartável e as relações, superficiais. Queremos estar com alguém, mas, ao mesmo tempo, também não queremos o compromisso de um relacionamento profundo. Na prática, esse conceito é notório quando observamos temas sobre responsabilidade afetiva ganhando cada vez mais visibilidade nas redes sociais. Entre eles, encontramos a narrativa de Copo Vazio, livro ficcional de Natalia Timerman, escritora e psiquiatra responsável por colocar em foco uma das consequências desse amor líquido, o ghosting

Quantas histórias de mulheres abandonadas já escutamos? Desde as mais antigas, como Marianne Dashwood, ignorada por Willoughby em Razão e Sensibilidade (1813), até às mais atuais, como Lua Nova (2006) quando Bella Swan sofreu por meses seguidos com a partida repentina de Edward Cullen. Em Copo Vazio, conhecemos mais uma dessas personagens. Mirela é uma mulher dedicada e com perspectivas prósperas de carreira em um escritório de arquitetura em São Paulo. Um dia, por insistência de Marieta, sua irmã mais nova, a protagonista dá uma chance para os aplicativos de paquera, mesmo achando todo esse conceito errado. Ali, conhece Pedro, com quem começa a conversar e, posteriormente, engata em um relacionamento. Mirela só não contava com uma possibilidade: após alguns meses, esse homem sumiria da sua vida sem deixar explicações.

Fotografia retrato da autora Natalia Timerman. Imagem no formato retangular e em preto e branco. Ao fundo, uma parede coberta por plantas. No primeiro plano está Natalia. Uma mulher branca, de cabelos curtos nas altura das orelhas, Ela veste uma blusa preta com decote no formato de um V
Ghosting é uma palavra em Inglês derivada de ghost (fantasma); o termo é utilizado em relacionamentos em que a pessoa some de propósito para evitar a discussão do término (Foto: Renato Parada)

Pedro não atende mais o celular, para de responder as mensagens, apenas visualiza, e, em poucos dias, começa a bloquear Mirela em todas as redes sociais. A dor da protagonista é semelhante à de diversas pessoas que já se colocaram à disposição para sentir, se envolver, imaginar um possível futuro, mas depois perceberam que a paixão estava muito mais relacionada à ideia do amor do que ao sentimentor em si. O livro é composto por uma cronologia fragmentada, alternando entre o passado, presente e um possível futuro, colocando o leitor não só como receptor da história, mas também participante de todas as emoções da mulher. Nesse sentido, a escrita de Natalia é muito bem utilizada para mostrar como as consequências do ghosting vão muito além de ‘levar um fora’. Esses comportamentos também resultam em problemas psicológicos como baixa autoestima e dificuldade em achar fechamento para aquele relacionamento.

“Tinha uma pessoa na minha frente e agora não tem mais”, é um dos muitos trechos em que sentimos a angústia instalada na vida de Mirela. Com isso, entendemos o porquê uma das palavras-chaves para o sucesso desse romance seja a ‘identificação’, pois entramos em contato com uma personagem repleta das reações mais humanas possíveis diante do ocorrido. Entre elas, a sensação de não ser o suficiente está muito presente na narrativa, como se algo convencesse, erroneamente, que a pessoa abandonada não é merecedora de amor. A exemplo disso, há uma passagem em que a protagonista questiona: “se sou alguém a quem se pode amar por que Pedro não está aqui?”. Ou seja, apesar de ser uma mulher inteligente, interessante, bonita e dedicada, o abandono grita mais alto do que todas as suas qualidades, e ela não consegue entender, e até se sente violada, quando outra pessoa além de Pedro demonstra interesse por ela. 

Em sua participação no podcast Bom Dia, Obvious, Natalia Timerman comentou sobre como Copo Vazio vai além de um livro sobre abandono, mas também trata-se de uma história sobre a elaboração do luto. O vazio após um término é sempre acompanhado do luto pelo futuro que se perdeu, diz a escritora, e esse vácuo acaba sendo preenchido por fantasias ou pelo questionamento “e se?”. Essa reflexão é latente na obra, uma vez que a personagem encontra dificuldade em viver no agora e, consequentemente, mergulha em fantasias pensando como seria se as coisas fossem diferentes. Uma das formas mais poéticas que Timerman encontrou para retratar isso está em um capítulo escrito utilizando somente verbos no futuro do pretérito indicativo, mostrando algo que poderia ter acontecido, mas não aconteceu.

Mas e o Pedro nessa história? Assim como para Mirela, ele é uma incógnita para o leitor. É importante ressaltar: aqui temos acesso somente à visão da protagonista, ou seja, a parte mais envolvida no relacionamento. Dessa forma, observamos ele em cima do pedestal no qual foi colocado. Algumas vezes ele parece estar presente, em outras, distante. As vezes parece ser esquisito, em outras, pode até ser considerado bonito. Mesmo quando ainda estava dentro do relacionamento, Pedro era semelhante a uma fumaça, nunca constante. Após algum tempo, a própria Mirela constata que talvez estivesse se relacionando mais com a imagem perfeita de Pedro construída por ela, do que com ele propriamente dito.

Em conjuntura, Copo Vazio consegue colocar em palavras sentimentos que muitos de nós procuramos transmitir, mas não sabemos exatamente como. O livro de Natalia Timerman escancara a volatilidade dos relacionamentos em um contexto pós-moderno, cercado pelas redes sociais e pela ansiedade coletiva na qual estamos imersos. A dor de um coração partido é inevitável; No entanto, refletir e entender a situação é o primeiro passo para procurar ajuda, pois, assim como a personagem Mirela disse: “Há tanto que poderia ter sido de outro jeito, e, no entanto, o caminho é só um, e sempre leva ao dia de hoje.

 

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