Desire: a paixão segundo Caroline Polachek

Caroline Polachek é uma mulher branca, de olhos verdes e cabelos lisos escuros; possui uma característica verruga no centro de sua clavícula. Na foto, tem suas mãos na frente ao lado de seu rosto abertas e envolvidas por linhas vermelhas que formam uma espécie de tela fronte a sua face. As linhas queimam em chamas pontuais, enquanto a artista olha fixamente para a câmera, vestindo um espartilho preto de couro e uma manga preta que cobre parcialmente os seus braços, além de um lenço preto em sua cabeça.
Polachek representa visualmente cada elemento de seu projeto: o fio de Ariadne, o fogo, os anjos e os labirintos até a presença do produtor Danny L Harle e sua filha no ensaio do álbum (Foto: Aidan Zamiri)

Enzo Caramori

Em todas mitologias, existem rotas desconhecidas que até mesmo os mais vividos viajantes e argonautas nunca se atreveram a traçar em seus mapas envelhecidos, especulando apenas o que seriam esses tão grandiosos perigos. Pode-se logo pensar que o medo esteja nas ondas de um mar revoltoso, mas a verdadeira violência é a de se prender em órbitas obsessivas do mais temido feitiço: o desejo. Vários são os poetas – talvez os maiores excursionistas desse percurso – que, esquecendo-se do poder de reconfiguração da paixão, perdem-se, tentando capturá-la com objetividade, em suas profundezas.

A artista estadunidense Caroline Polachek é uma das viajantes que também não encontrou o seu destino, até mesmo porque seu maior objetivo está no próprio ato da busca. Em seu novo e triunfal álbum, Desire, I Want To Turn Into You, Polachek constitui uma cartografia do desejo na forma da música pop. Nela, diferentemente de outras narrativas em que o ser apaixonado quer tomar controle e dar nome ao que sente, a cantora prefere ser transportada pelo êxtase do sentimento. As excursões feitas nas doze faixas do esperado sucessor de Pang são ruminações, balbucios e expressões fundadas pela letargia, que mais criam imagens do que a paixão pode ser do que realmente um dizer concreto. 

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Quem sintoniza na rádio 103.5 Dawn FM aproveita a passagem pelo purgatório ao lado do vovô The Weeknd

Capa do álbum Dawn FM de The Weeknd. O cantor de pele negra e olhos escuros aparece envelhecido enquanto olha profundamente para a lente da câmera. O seu cabelo e barba grisalhos se destacam no fundo preto, em que uma luz fraca parece o iluminar por trás.
Viciado em surpreender o público com as artes de seus álbuns, a versão envelhecida de The Weeknd estampa a capa do Dawn FM (Foto: Matilda Finn)

Nathalia Tetzner

Depois de uma noite muito louca em Las Vegas, onde arrebentou o rosto e apareceu enfaixado após cirurgias plásticas que o desfiguraram, The Weeknd está de volta com uma nova face. De narrativas fictícias elaboradas para os seus projetos, ele já mostrou que entende. Mais uma vez, não foi só a sua caracterização que sofreu uma grande mudança, mas a sua sonoridade também. O seu quinto álbum de estúdio, Dawn FM (2022), transmite uma estação de rádio EDM no purgatório.

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Nota Musical – Maio de 2021

Destaques do mês de maio: Olivia Rodrigo, Karol Conká, MC Kevin e Twenty One Pilots (Foto: Reprodução/Arte: Larissa Vieira/Texto de Abertura: Raquel Dutra)

O ano se aproxima da metade e já podemos dizer que ele tem seus nomes. Ninguém vai conseguir lembrar de 2021 sem cantarolar a melodia de drivers license e imaginar o lilás da capa do primeiro disco de Olivia Rodrigo. O primeiro hit do ano colocou a adolescente sob os holofotes de todo o mundo, assinalando o seu nome em diversos recordes nas plataformas de streaming e criando uma expectativa gigantesca em cima de seu álbum de estreia.

Experiências adolescentes universais, muito estilo, atitude, talento, hype e aquela pontinha de nostalgia combinada com o jeitinho único da geração Z foram os artifícios de Rodrigo para construir em SOUR a melhor estreia que poderia ter feito. O recado é simples: com sua carteira de motorista em mãos e desabafos juvenis devidamente finalizados, todos os caminhos estão livres para o futuro da estrela Olivia.

Ao lado da princesa do Detran no hall de condecorados de 2021, possivelmente estará Lil Nas X. O primeiro álbum do nosso pequeno já tem nome, data de nascimento e muita identidade, conforme aponta o novo single. Se antes ele causou o terror de fundamentalistas religiosos ao descer até o Inferno numa barra de pole dance e sensualizar com o diabo, agora ele chega até o Céu através de uma canção íntima e sincera sobre suas vivências enquanto jovem gay negro.

E se o assunto é gente promissora, os trabalhos de chloe moriondo, ELIO, Alfie Templeman, girlhouse, Ashe e dodie também encontram um bom lugar em 2021 e nesta edição do Nota Musical. No núcleo teen, também está a chegada estrondosa do verão amanteigado do BTS, sinais da nova era de Conan Gray, novidade dos Jonas Brothers e de Niall Horan.

As amadas gravidinhas do Little Mix juntaram fôlego para acompanhar David Guetta em Heartbreak Anthem e fazer história no prêmio mais importante da música britânica. Na cerimônia do BRIT Awards 2021, o trio foi a primeira girlband a vencer a estatueta de Melhor Grupo, e não deixou o momento passar em branco no palco da premiação: “Vimos homens dominando, misoginia, sexismo e pouca diversidade. Estamos orgulhosas por termos permanecido juntas, nos cercado de mulheres fortes e agora usando mais do que nunca as nossas vozes”. 

Lá, Olivia Rodrigo também dominou o momento em sua primeira performance em uma premiação e Dua Lipa seguiu acalmada. Elton John aproveitou para mais uma vez demonstrar seu apoio à nova geração da Música, agora ao lado de Olly Alexander com a política It’s a Sin, na véspera do mês reservado para a celebração do Orgulho LGBTQIA+.

Os contemporâneos favoritos da Terra da Rainha, no entanto, não cumpriram as promessas de 2019. Coldplay chegou no BRIT Awards 2021 com um terrível novo single, que definha as tantas possibilidades para o futuro da banda construídas com o último disco no pop enjoativo que o quinteto britânico insiste em praticar. 

Erro esse que não foi cometido por Twenty One Pilots. A migração de sua mistura única e obscura de rock alternativo/hip-hop para os tons doces de um pop/rock vintage foi de início duvidosa, mas muito bem assimilada quando finalmente chegou aos nossos ouvidos. Fato é que os ouvintes mais apegados podem estranhar a sonoridade de Scaled and Icy, mas a nova era de Josh Dun e Tyler Joseph é rica em significados como sempre.

E o rock por si mesmo segue em boas mãos. Maio nos presenteou com o encontro épico de Sharon Van Etten e Angel Olsen e o retorno tão esperado de St. Vincent, que chegou em 2021 através de narrativas autobiográficas profundas e com a estética da década de 70. Mas o destaque do gênero vai mesmo é para o novo trabalho da banda dinamarquesa Iceage e o EP de PRETTY., paradas obrigatórias dentre a vastidão de obras pontuadas aí abaixo.

No folk, fomos embalados pelo novo CD do grupo Lord Huron e pelo quinto e belíssimo disco de Jon Allen. O blues também foi perfeitamente celebrado junto aos 20 anos de The Black Keys no décimo álbum do duo, e os amantes de country devem dar uma chance para a delicada influência do gênero na música de Aly & AJ. Já no R&B, Maio trouxe as preciosidades dos trabalhos de Sinead Harnett, Erika de Casier e Jorja Smith.

O saldo do mês no rap também foi o melhor possível. O retorno de Nicki Minaj com o lançamento de sua mixtape reformulada nas plataformas digitais é um aquecimento para o futuro da rapper, enquanto J. Cole segue um sucesso nas paradas mesmo quando respira entre suas safras. Aqui no Brasil, BK’ estreia o selo de sua produtora e Tasha e Tracie flertam com o funk em seu primeiro single do ano.

Na poética que só a rima permite, o rap do novo álbum de McKinley Dixon flutua em seus pensamentos sobre a vida numa das obras mais lindas de Maio e talvez de 2021, destinado à sua mãe, e a todos que se parecem com ela. As reflexões do jovem estadunidense acontecem de uma forma parecida com o trabalho de Jup do Bairro, que segue em Sinfonia do Corpo como uma das vozes mais relevantes na música nacional. 

Chegando em sons brasileiros, é impossível não gostar de pelo menos uma coisa que nosso pop vem produzindo. Depois de soltar a voz com Emicida na maravilhosa e icônica AmarElo, Majur inaugura sua carreira com louvor com Ojunifé. A promessa de Urias também é grande e a expectativa só cresce com o que ela libera para degustação de seu disco, que ganhou nome este mês. 

O novo trabalho da Tuyo, por sua vez, desenha para quem tinha dúvidas o porquê a beleza do som da banda chamou a atenção do The New York Times. Essa serenidade que permeia nossos artistas desaguou em Karol Conká, que retorna decidida a superar a sua curta porém intensa passagem pelo Big Brother Brasil.

Pabllo Vittar, de fato, não para. O lançamento da vez é uma volta às suas raízes, num forró com o drama de uma novela mexicana, que serve muito, como sempre, em marketing e complementos visuais. Próximo e longe da drag, está Gabeu, que como uma exímia cria do sertanejo e um legítimo orgulhoso de si mesmo, agrega mais um single em sua carreira, fortalecendo sua posição de precursor do queernejo no Brasil. 

Maio também nos permitiu apreciar Tim Maia em espanhol e Nando Reis em família, além de reforçar uma mensagem muito importante através de Martinho da Vila. O assassinato de George Floyd completa um ano, e a Arte não deixa de exercer sua função social e defender que Vidas Negras Importam.

Um mês de ganhos preciosos também foi um mês de perdas irreparáveis. Nelson Sargento, mestre do samba e parceiro de Cartola, MC Kevin, uma das vozes mais bonitas do funk, e Cassiano, rei do soul brasileiro e letrista de Tim Maia, foram alguns dos nomes que deixaram a vida nos últimos trinta dias. O Persona reúne a Editoria e os colaboradores no Nota Musical de Maio, em memória à importância de cada um deles para a música brasileira.

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