Há pouco mais de 15 anos, Gossip Girl ia ao ar pela primeira vez. A série, que tinha como meta colocar os luxos da elite de Manhattan em foco e explorar todos os pecados de um grupo de adolescentes levando a vida como adultos, comemora sua década e meia de existência mantendo uma consolidada base de fãs nostálgicos e o gosto de ter influenciado uma geração e muitas produções posteriores. Claro que nem tudo envelheceu como vinho: apesar de diversas pautas importantes serem tratadas ao longo das seis temporadas, é possível perceber que nem todos os temas foram abordados com a sensibilidade necessária, reflexo da mentalidade da época.
“Você me disse que o medo sempre foi uma das minhas distrações favoritas. Essas loucuras minhas são das que você mais gosta, porque demonstram que ainda resta em mim algum resquício de infância. Não sou corajosa, mas em minha inconsciência jamais recuso o perigo, eu o busco para brincar com ele.”
– Silvina Ocampo
O final do ano se aproxima e o Clube do Livro não deixou a peteca cair. Se as relações humanas já permearam mais debates do que conseguimos contar em uma mão, a escolha do mês remexeu a abordagem do tema e desafiou os leitores do Persona. As convidadas, leitura selecionada para Outubro, tem as relações amorosas como ponto central da maioria de seus 44 contos de duração. O livro de Silvina Ocampo, porém, leva o absurdo a sério e o extrapola para explorar os tais relacionamentos.
Publicado no Brasil em 2022 pela Companhia das Letras, a coletânea de curtas histórias é tão surpreendente quanto é chocante. Ora sombria, ora cômica, Ocampo invade o costumeiro com o extraordinário e o inesperado. Na subjetividade de deixar seus pontos emaranhados em situações peculiares, escondidos sob o véu da interpretação de cada leitor, a escritora argentina rende material para teorias e debates através da lente do realismo mágico e da literatura fantástica, levando sua testemunha a apenas um passo de descobrir o que não pretende desvendar.
Assim como na obra, selecionada graças a parceria do Persona com a Companhia das Letras, Outubro talvez tenha sido o mês da antecipação no campo literário. Anunciada como convidada da Festa Literária Internacional de Paraty – tema garantido no próximo Estante -, a francesa Annie Ernaux recebeu o Nobel de Literatura pela “coragem e acuidade clínica com que descobre as raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Uma das favoritas ao prêmio, Ernaux se tornou apenas a 17ª mulher a vencer a honraria, de 119 ganhadores desde 1901. Após a vitória, ela destacou que deve poder testemunhar “uma forma de equidade, justiça, em relação ao mundo”.
A mente por trás de Les Armoires Vides (1974), Os Anos (2008) e O Acontecimento (2000) – esse último, experienciado pelo Clube do Livro em Julho -, foi honrada pela forma com que mescla suas experiências de vida a temas de interesse coletivo, cunhado como “autosociobiografia”. Na primeira obra, por exemplo, a escritora reflete sobre classes sociais em uma inconstante França ao passo que narra seu próprio cotidiano no empreendimento da família no interior do país. A linguagem simples e direta, “cristalina”, de Ernaux também pode ser mencionada com um dos motivos do envolvimento arrebatador de seus textos.
Do âmbito global ao nacional, a antecipação se estendeu ao Prêmio Jabuti: um dos maiores reconhecimentos da Literatura e do mercado editorial brasileiro revelou seus finalistas na última semana do mês. Dentre os 10 concorrentes em cada categoria, divididas nos eixos de Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação, a de Romance Literário se destacou. Com 8 dos 10 nomes que chegaram ao corte final sendo autoras mulheres, a lista dos 5 indicados ao troféu foi ainda mais positivo. Mas isso é tema para o próximo mês. Dentre as menções, Natalia Borges Polesso concorreu pela terceira vez (a segunda na categoria), agora com A extinção das abelhas. Andréa del Fuego, por A pediatra, e Aline Bei, por Pequena coreografia do adeus, ambas conhecidas do Persona,também integraram a lista.
Já na língua portuguesa como um todo, o Prêmio Camões 2022 laureou o ensaísta e poeta Silviano Santiago. Autor dos ensaios O entre-lugar do discurso latino-americano, O cosmopolitismo do pobre e As raízes e o labirinto da América Latina, o escritor mineiro levou seis vezes o Prêmio Jabuti e o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Agora, soma o Camões a sua estante, pelo conjunto de sua obra. Dentre os cotados do Brasil, Portugal e países africanos de língua portuguesa, Santiago é o 14º brasileiro a fazer parte da curta lista de vencedores; em 2021, quem recebeu a honraria foi Paulina Chiziane, de Moçambique.
Entre reconhecimentos e antecipações, o Clube do Livro segue atento aos próximos destaques vindos do Jabuti e aos debates fundamentais suscitados na Flip 2022, que pautarão a Literatura pelos próximos meses. Enquanto isso, é a Editoria do Persona quem indica as leituras do final do ano.
Se não a Arte, quem é que vai ter coragem de refletir sobre o que é ser mulher em 2021? Essa foi a conclusão da nova experiência do Persona, que se dedicou a acompanhar a 6ª Mostra de Cinema Feminista. Do dia 14 de agosto ao dia 3 de setembro, a internet nos permitiu fazer parte de mais um encontro para pensar e apreciar o Cinema de forma totalmente online e gratuita. Depois de flutuar pelo que existe de mais diverso, fantástico, inventivo e maravilhoso na Sétima Arte, encaramos uma perspectiva específica e nada leviana: a da mulher.
Como sempre, o Persona se manifesta como uma iniciativa jornalística expressamente contrária a toda e qualquer forma de preconceito e discriminação. A premissa de falar sobre feminismo em 2021 é apenas uma: que este termo compreenda a mulher em sua totalidade. Assim, as colaboradoras, redatoras e editoras do Persona mergulharam na seleção vasta da 6ª Mostra de Cinema Feminista, composta por 126 filmes nacionais e internacionais, e acompanhada por 5 debates que refletiram sobre a produção cinematográfica contemporânea.
A Mostra de Cinema Feminista é realizada pela Coletiva Malva desde 2015, sob o objetivo de construir um espaço de fruição e fomento ao audiovisual realizado por mulheres cis e trans, pautando debates raciais, de gênero, histórias sobre amores e paixões, relações familiares, sociais, econômicas, históricas e culturais. E no ano de 2021, em sua sexta edição, a realização não fugiu à premissa central de sua concepção: explorar os muitos temas que nascem da combinação do Cinema com os Feminismos.
De crianças à jovens, de adultas à idosas; entre personalidades históricas e existências ordinárias; diante de mulheres reais ou inventadas; doces ou salgadas, azedas ou amargas; seja para rir ou para chorar, para sonhar ou para realizar, vivendo suas liberdades ou estudando suas prisões, Ana Júlia Trevisan, Ayra Mori, Gabriela Reimberg, Gabrielli Natividade, Júlia Paes de Arruda, Ma Ferreira, Mariana Chagas, Raquel Dutra e Vitória Lopes Gomez assistiram 34 filmes da seleção da 6ª Mostra de Cinema Feminista, para agora estudar muitos aspectos da imensidão do ser mulher.