Os Melhores Livros de 2021

Entre o melhor da Literatura em 2021, tivemos o best-seller nacional Enquanto eu não te encontro, a tradução da obra que impulsionou o Nobel de Literatura de Olga Tokarczuk e a estreia estrondosa de Raven Leilani em Luxúria (GIF: Reprodução/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de Abertura: Bruno Andrade e Vitor Evangelista)

A editoria de Literatura foi uma das áreas que mais cresceu no Persona em 2021. Grande parte dessa experiência foi graças à parceria com a editora Companhia das Letras, que nos permitiu o acesso a diversos lançamentos e oportunidades. A melhor parte disso foi para o nosso próprio conteúdo: participamos de um evento exclusivo com o escritor Mia Couto, antes mesmo de O Mapeador de Ausências ser lançado oficialmente, e ouvimos sobre suas obras e influências. Nós também ficamos de olho em eventos literários, como o Prêmio Jabuti e o Nobel de Literatura, e demos início ao nosso Clube de Leitura e ao Estante do Persona, trazendo, além da leitura do mês, indicações literárias das mais variadas para compor nossas recomendações mensais. Agora, fazendo um balanço do que foi o ano passado para o Persona – e para a Literatura de vários cantos do mundo  –, chegamos com Os Melhores Livros de 2021.

Logo em janeiro, após um prazo que durou 53 anos desde seu lançamento até a chegada nas estantes brasileiras, o clássico Rastejando até Belém foi oficialmente editado e impresso no país pela editora Todavia. Olhando em retrospecto, parecia um presságio: em dezembro, a autora Joan Didion faleceu, vítima de complicações da doença de Parkinson. Na mesma casa editorial, Olga Tokarczuk teve seu livro Correntes lançado, obra importante e que a impulsionou para vencer o Nobel de Literatura em 2018. Também nos despedimos da gigante bell hooks, que nos deixou de herança os ensinamentos de Tudo sobre o amor.

Após 20 anos da morte de W.G. Sebald, a editora Companhia das Letras decidiu lançar Campo Santo, obra póstuma que reúne trechos de um livro que nunca ganhou vida, que mistura-se a uma coleção de ensaios. Também como homenagem a um escritor genial que partiu jovem demais, Vida Desinteressante chegou, trazendo os textos publicados por Victor Heringer na revista Pessoa, de 2014 a 2017. Como se não bastasse, no final de agosto, tivemos um pouco de luz: a obra Luz em Agosto, de William Faulkner, ganhou nova edição, com tradução revisada.

O mestre do Horror, Stephen King, marcou presença com Billy Summers e Depois, e o Persona também entrevistou a escritora Aline Bei, em decorrência da excelente Pequena coreografia do adeus. Na mesma linha, em uma espécie de mistura de Fleabag com I May Destroy You, Raven Leilani estreou com a obra Luxúria, refletindo sobre gênero, raça e classe. A jornalista Jessica Bruder chegou ao Brasil com o estardalhaço Nomadland, obra que esmagou o sonho americano, jogando luz a situação de subemprego nos Estados Unidos, cuja adaptação magistral para os cinemas ficou a cargo da vencedora do Oscar Chloé Zhao.

Sally Rooney, nome que ganhou peso depois do fabuloso Pessoas normais, lançou Belo mundo, onde você está, seu terceiro romance, que navega por entre o amor descuidado. No mundo de estrelas do Cinema e astros do rock, Taylor Jenkins Reid visita a renascença de Malibu, enquanto Matt Haig transforma uma simples biblioteca num labirinto melancólico. No Brasil, foi a vez de Juliana Reis admirar borboletas, Maria Freitas desvendar clichês e Danielly Martins explorar as intimidades do avesso.

Pedro Rhuas transformou boates com nomes de navios naufragados em receptáculos de amor; Yas Kettermann uniu a mitologia de Taylor Swift e da banda HAIM em um conto envolvente e inventivo. A ganesa Ayesha Harruna Attah conta em O imenso azul entre nós um drama familiar com representatividade e emoção. De fato, a lista do Persona envolve bem essas duas esferas, indo das publicações independentes às grandes companhias, passando por objetos históricos de extrema importância documental até crônicas refrescantes escritas por e para jovens, adereçando temas como identidade, aceitação e um novo status quo

Afinal, o que é a Literatura senão o espaço para lutar contra os grandes monstros do mundo real. Seja uma escapada por meio de e-mails escritos por uma irlandesa, seja os ensinamentos eternos de uma autora que partiu cedo demais, seja uma quase biografia do maior escritor de Moçambique, todos os caminhos e estilos e decisões desembocam na libertação, na emancipação, na imbatível e irreverente arte dos livros. Boa leitura! 

Capa do livro A biblioteca da meia-noite. A imagem representa uma estante cheia de livros, a cor deles varia em tons de verde e branco, no canto inferior direito um dos livros se destaca e tem as cores azul, lilás, e laranja em degradê. O título da obra e o nome do autor estão centralizados e escritos com o mesmo degradê de cores, dispostas pela capa estão presentes informações como número de exemplares vendidos e prêmios em letras brancas.
“A única maneira de aprender é vivendo” (Foto: Editora Bertrand Brasil)

Matt Haig  – A Biblioteca da Meia-Noite

A Biblioteca da Meia-Noite – ou, como foi intitulado no país de origem, The Midnight Library – é um livro de Matt Haig que conta a história de Nora Seed, uma mulher de 35 anos que coleciona arrependimentos e insatisfações. Motivada pelas inúmeras decepções que a vida a proporcionou, ela decreta seu próprio ponto final, e por isso, recebe uma oportunidade de entrar em uma biblioteca localizada nas fronteiras entre a vida e a morte, a Biblioteca da Meia-Noite. Dispostos pelas prateleiras, estão livros que permitem que ela vivencie as milhares de alternativas que poderiam ser suas caso tivesse feito escolhas diferentes, assim, ela pode ultrapassar a linearidade da existência e se inserir em todos os seus desejos que se trajaram de frustração. 

Enquanto experimenta as possibilidades, a personagem nota que nenhum dos fios cumpre suas expectativas e que sempre falta alguma coisa. Dessa forma, o livro, traduzido por Adriana Fidalgo, retrata com brandura a ineficácia que reside na busca por uma trajetória perfeita em que todos os sonhos se realizam e os caminhos nunca tem pedra alguma. Entre suas reflexões, a obra contempla as aflições que residem nas inseguranças e dores que levam as pessoas a cometerem suicídio e as coloca de forma sensível e não arbitrária. Ao fim, resta um montante de considerações emocionantes sobre uma que vida nunca segue rotas sem desvios, entre erros e lamentos vale a pena se ancorar em seus aprendizados e belezas. – Jamily Rigonatto 

Momentos Favoritos: a cena em que Nora se mostra concluindo que quer continuar a viver; e o momento em que Nora percebe que o homem que ela pensava ser o amor da vida dela era uma mentira decepcionante.


Capa do livro Belo Mundo, Onde Você Está. Na imagem, há uma capa azul, com o logo da editora Companhia das Letras na parte inferior esquerda da foto. O nome da autora, Sally Rooney, está escrito em letras maiúsculas pretas na parte central superior da página. Embaixo do nome da autora, está localizado o título da obra também em letras pretas e maiúsculas. Na foto, estão localizados quatro personagens cortados ao meio por faixas amarelas.
Apenas em seu terceiro romance, Sally Rooney encapsula as dores de uma geração em uma das obras imediatas de 2021 (Foto: Companhia das Letras)

Sally Rooney – Belo mundo, onde você está

Definida como o “fenômeno literário da década” pelo jornal The Guardian, a escritora irlandesa Sally Rooney está cada vez mais mesclada à cultura pop. Agora, depois de desvendar as amizades da juventude, investigar a normalidade das pessoas e virar roteirista de TV, ela decide sair em busca de um lugar melhor para viver. Em Belo mundo, onde você está, acompanhamos Alice e Eileen, duas mulheres na casa dos 30 anos, que se conheceram na faculdade e, anos depois, trocam e-mails confidenciando suas rotinas e amores.

Lançado em 2021, o terceiro romance de Rooney é seu trabalho menos constante. Ao passo que já concentrou esforços em dissecar relações próximas (tanto física quanto emocionalmente), na hora de escrever suas novas protagonistas, a autora não busca certezas. Dessa vez, o argumento de Beautiful World, Where Are You, traduzido para a Companhia das Letras por Débora Landsberg, navega pela tempestade do desamor, do amor descuidado e da cumplicidade. Pode não parecer, mas o mundo belo está em todo lugar, basta aceitar. – Vitor Evangelista 

Momentos Favoritos: a briga na cozinha, quando a situação esquenta e o livro mostra suas garras; e o e-mail de encerramento, momento em que Rooney sorri junto do destino e da vida.


Capa do livro Billy Summers. Por toda a extensão da capa, vemos, de uma ângulo de cima, uma floresta com árvores vermelhas. Na parte superior, vemos as palavras “STEPHEN KING” em caixa alta, em uma fonte sem serifa em amarelo. No centro da capa, vemos o desenho de um rasgo, em que, entre a floresta, vemos uma página de um livro. No centro da capa, vemos a palavra “BILLY”, de um lado do rasgo, e “SUMMERS” de outro. Entre as duas palavras, vemos um carro vermelho.
Billy Summers, que foi traduzido para o português por Regiane Winarski, ganhará uma minissérie pela A Bad Robot, produtora de J. J. Abrams (Foto: Editora Suma)

Stephen King – Billy Summers

Billy Summers quer se aposentar. Mas, antes, ele aceita um último alvo.” Stephen King dispensa apresentações e qualquer livro ou produção atrelada a seu nome ganha um status especial. A maestria do Rei do Horror em criar histórias envolventes se estendem além do terror e do suspense psicológico para, entre outros gêneros literários, o drama. Após Depois, que também se afasta do nicho preferido de King, Billy Summers adentra o íntimo de seu personagem-título e explora os tormentos da mente do protagonista. No enredo, ele é um matador de aluguel em seu último trabalho. Em seu disfarce, descobre uma predileção pela escrita e passa a compartilhar seus dias e seu passado.

Desde o começo do livro, mergulhamos nos dilemas de Billy e é quase inevitável não se apegar e torcer por ele. Quando o acompanhamos planejar um assassinato e, logo depois, cuidar tão carinhosamente das crianças da vizinhança, a obra levanta contradições para construir o personagem complexo. Assim como em outras narrativas de terror, aqui, King também mescla recortes temporais para explorar cada vez mais seu protagonista, deixando o livro ainda mais envolvente e fluído. Cenas emocionantes, de ação e de tensão também não faltam. Quando o assassino de aluguel está em fuga e perto de ser capturado, ou quando coloca em prática sua vingança junto de Alice, percebemos o quão profundo, complexo e completo Billy é. E o quanto torcemos por Billy Summers. – Vitória Lopes Gomez

Momentos Favoritos: Billy jogando Monopoly com as crianças da vizinhança; Billy e Alice indo atrás do acerto de contas para ele; e o momento em que Alice lê a suposta carta de despedida de Billy.


Capa do livro Borboletas pra lá e pra cá. Na imagem é ilustrada uma borboleta grande em tons de amarelo e vermelho, ao redor aparecem mais oito pequenas borboletas amarelas e alguns ramos verdes com folhas. Tudo está grafado em um fundo preto com o título do livro escrito em letra cursiva branca e centralizado na parte superior da capa, já na parte inferior, aparece o logo da editora e o nome da autora.
Borboletas pra lá e pra cá é a primeira obra publicada por Juliana Reis e foi lançada em março de 2021 pela Editora Caligari (Foto: Editora Caligari)

Juliana Reis – Borboletas prá lá e prá cá

Escrito por Juliana Reis, Borboletas pra lá e pra cá é um romance lésbico protagonizado pelas jovens Laís Ribeiro e Thaila Fontana, onde a primeira é cheia de certezas e uma independência sem igual, já a segunda, é dona de uma personalidade confiante e uma aparência impecável. Laís teve que amadurecer antes do tempo por conta da ausência dos pais e dos problemas conturbados que rodearam sua vida, ela não é o tipo de adolescente que se apaixona e sente borboletas no estômago – ou pelo menos, não era – até Thaila e seu perfume de baunilha cruzarem seu caminho. A autora explora um cenário que transborda um clichê adorável sem perder profundidade, um bom desenvolvimento de personagens e muita representatividade.

O livro nacional se assemelha a textos como Enquanto eu não te encontro, quando escolhe não trazer os questionamentos comuns na maioria dos romances LGBTQIA+ e a famosa crise de identidade que assombra os personagens, e deixa tudo às claras sem colocar a sexualidade das duas como um conflito interno. Assim, o livro estende as camadas existentes em Thaila e Laís e as coloca como pessoas reais que expõe suas fragilidades, inseguranças e erros de uma forma bastante natural. Como é esperado em romances feitos para aconchegar, a narrativa abraça uma reviravolta bem construída e um final muito feliz. Abandonando estereótipos, Borboletas pra lá e pra cá é um retrato do amor entre duas garotas carregado de emoções, empatia, identificação e, é claro, borboletas. – Jamily Rigonatto 

Momentos Favoritos: momento em que Laís e Thaila se conhecem desastrosamente no cinema; a cena do beijo no meio da rua depois da festa; e a dança ao som de Tulipa Ruiz no restaurante de batatas. 


Capa do livro Campo Santo, de WG Sebald. Na imagem, vemos alguns recortes de desenhos. Da esquerda para a direita, há o desenho de um edifício em ruínas, em cor preta, seguido de uma lagartixa de cor marrom. Abaixo, há um coelho desenhado em cor preta, seguido por uma estátua, de cor branca, com a mão esquerda segurando o rosto. Acima da estátua está escrito Campo Santo em fonte de cor azul, e abaixo escrito W.G. Sebald em fonte de cor branca. Na parte inferior esquerda está o logo da editora Companhia das Letras.
Com tradução de Kristina Michahelles, Campo Santo traz W.G. Sebald refletindo sobre temas que lhe foram importantes ao longo da vida, e ainda mostra sua força como crítico literário (Foto: Companhia das Letras)

W.G. Sebald – Campo Santo

Quando o alemão W.G. Sebald faleceu em 2001, após um acidente de carro, era visto como um dos favoritos a receber o Prêmio Nobel de Literatura; feito um tanto quanto curioso, considerando que sua produção começou tardiamente – publicou seu primeiro livro aos 44 anos –, quando era um professor acadêmico, e teve, ao todo, apenas 11 livros publicados. No entanto, não soa nem um pouco exagerado acreditar que ele levaria o prêmio. Campo Santo é uma coletânea póstuma, organizada pelo crítico Sven Meyer e lançada em 2003, que reúne trechos de um romance que nunca ganhou vida, e ainda traz alguns ensaios do escritor. No Brasil, a obra só chegou em 2021, e não poderia ficar de fora dessa lista.

Campo Santo foi dividido em duas partes: “Prosa” e “Ensaios”. Tendo em vista a habilidade do autor em misturar ficção com não-ficção, o livro serve como um registro íntimo de suas opiniões sobre o que considerava legítimo. Além de trazer sua visão sobre Kafka e Nabokov – seus heróis literários –, sentimos a potência de seus escritos, acompanhando esse processo de composição bastante peculiar. Nesse projeto inacabado, Sebald analisa o efeito solitário da ilha de Córsega, através de sua habilidade ímpar em descrever a melancolia. Somos guiados pela essência das presenças fantasmagóricas que acompanham nossas vidas, e Campo Santo transforma-se num extenso panorama de um autor que foi gigantesco. – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: o texto que dá título à coletânea; e os ensaios Via Suíça até o bordel, Kafka vai ao cinema e Texturas oníricas.


Capa do livro Clichês em rosa, roxo e azul edição completa. A capa é composta pela bandeira bissexual com as cores rosa, roxo e azul dispostas em ordem de cima para baixo. Na parte superior está grafado o nome da autora e logo abaixo o título em letras brancas, ainda no canto esquerdo inferior está a frase “Coleção de contos com protagonismo bissexual”
Em Clichês em rosa, roxo e azul o amor é contado com leveza e cores vibrantes (Foto: Editora Se liga)

Maria Freitas – Clichês em rosa, roxo e azul

Recheado de diversidade, Clichês em rosa, roxo e azul é um conjunto de contos protagonizados por personagens bissexuais de todos os tipos, sejam pessoas trans ou cis, racializadas ou brancas, dessa ou até de outra dimensão. Escrita por Maria Freitas, a ganhadora do Prêmio Mix Literário de 2020 com Cartas para Luisa, a publicação traz histórias cheias de representatividade que são capazes de descrever o amor de um jeito que faria as comédias românticas clássicas sentirem inveja. Entre uma página e outra, são expostas descobertas, medos, amores e desejos por trás da vivência bissexual, a partir de pontos de vista múltiplos descritos com muita sensibilidade.  

Ambientados no interior de Minas Gerais, os textos trazem uma conexão entre si, e muitas figuras que já foram apresentadas em seu próprio conto aparecem de relance nos outros, fazendo com que o leitor possa relacionar e entender as extensões das quebras no espaço-tempo enquanto é fascinado pelos detalhes de um multiverso todo brasileiro. Além disso, algumas das histórias se passam durante a pandemia de covid-19 e traduzem bastante dos sentimentos de medo e insegurança gerados pela situação, assim como são trabalhadas em cima das relações atrapalhadas e fisicamente distantes desse período. Desse modo, a autora narra o afeto em aspectos reconfortantes e cheios de personalidade, em que o amor cabe em todos os corpos de maneiras únicas e lindas. – Jamily Rigonatto

Momentos Favoritos: a carta deixada por Henrique em As razões de Henrique; o momento em que Estrela entende o motivo de sua avó alertar para que nunca se apaixone por uma flor em Estrela e a Flor; e a cena de Erick e Camila com os cartazes na sacada em Amor de janela


Capa do livro Correntes, de Olga Tokarczuk. Na imagem, vemos a ilustração de um cérebro de cor rosa dentro de um pote transparente, ao lado de dois pés sem pele, apenas com os músculos internos em evidência, de cor rosa, e, ao lado dos pés, um coração humano, de cor laranja, roxa e rosa. Esses elementos estão em cima de um bloco de areia de cor branca, em meio a um rio de cor azul. Na parte superior esquerda, está escrito Olga Tokarczuk em fonte de cor branca, e abaixo escrito Correntes, também em fonte de cor branca. Na parte inferior esquerda está o logo da editora Todavia.
Correntes foi o livro de Olga Tokarczuk que levou o Man Booker Prize, e é considerado a obra principal que a fez ganhar o Nobel de Literatura em 2018 (Foto: Todavia)

Olga Tokarczuk – Correntes

A polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de 2018, é uma das autoras contemporâneas que melhor exploram a autoficção. Em Correntes, livro que recebeu o Man Booker Prize e é considerado a obra principal de Tokarczuk, diversos formatos narrativos se misturam em seus 116 capítulos. Como um livro de fragmentos, a obra explora a existência e também a inexistência, e não é exagero afirmar que Correntes tem como ponto de partida a transposição, nas páginas, do primeiro contato com o desconhecido. Por essa razão, criam-se pequenos contos, ensaios, fragmentos de diários e excertos de histórias familiares. 

A obra também traz a corporalidade como algo importante, e alguns capítulos compõem pequenos itinerários sobre órgãos humanos. Essa abordagem esbarra no fato do próprio corpo humano ser um mapa a ser desvendado. Não é por acaso que, após tecer alguns comentários sobre os órgãos humanos, encontramos guias e itinerários de viagem. Os temas do livro se interligam de forma magistral, e estão muito bem divididos pelos capítulos – por esse motivo, o livro transforma-se num romance, mesmo que misture gêneros literários. Correntes não poderia ficar fora dos Melhores Livros do Ano, pois joga luz como poucas obras sobre a condição humana pós-moderna. “Num instante descubro a verdade: nada mais pode ser feito. Existo.” – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: os capítulos Viagens para o Polo, no qual a autora cita Jorge Luis Borges, O original e a cópia e A sua cabeça no mundo.


Capa do livro Depois. A capa é vermelha e possui DEPOIS escrito em amarelo e STEPHEN KING em branco. No canto direito, há a ilustração de uma mulher e um garoto. A mulher está encostada em um carro.
Depois foi publicado no Brasil sob o selo da Editora Suma (Foto: Companhia das Letras)

Stephen King – Depois 

Depois foi um dos livros lançados em 2021 que o Persona teve a honra de receber em sua parceria com a Companhia das Letras. Não é preciso muito para convencer do porquê a obra está nessa lista, basta dar nome aos bois. Com apenas 192 páginas, o livro foi o primeiro lançamento de 2021 do Mestre do Terror, Stephen King. A premissa tem um gosto conhecido: acompanhamos o dia a dia de um garoto que vê gente morta. Trabalhando numa temática já imortalizada com O Sexto Sentido, King refresca a narrativa usando da simplicidade. Aqui, o renomado escritor deixa o papel e a caneta a cargo e seu próprio personagem, que não usa de seres e situações mirabolantes para construir sua história. O fio único que conduz o livro é suficiente para prender o leitor do começo ao fim.

Jamie Conklin, Tia Conklin e Liz Dutton são os personagens principais, e seus diálogos e suas relações formam o ponto alto dessa obra. O enredo bem ambientado, unido às descrições meticulosa, também colaboram para a história se tornar tão instigante a ponto do livro ser devorado. Suas passagens mais sombrias não decepcionam, assim como toda obra de Stephen King. Mantendo o equilíbrio entre o inofensivo e o assustador, Depois é uma ótima opção para quem quer mergulhar no universo do autor mas não se sente pronto para encarar as mais de mil páginas de It. – Ana Júlia Trevisan

Momentos Favoritos: o capítulo 68 e a conversa entre Jamie Conklin e Regis Thomas.


Capa do livro Enquanto eu não te encontro. O título e o nome do autor estão no centro, em letras cursivas. Ao redor do título, estão desenhos de nuvens. Na parte inferior, há um desenho da proa de um navio com dois garotos, um atrás do outro, com os braços abertos, com o navio adentrando a cortina de nuvens.
“Seja bem-vinde ao Titanic, onde fantasias e sonhos tingem-se de realidade, e os amantes naufragam em deleite! Entre, enrede-se e perca-se! Que comece a melhor noite da sua vida!” (Foto: Editora Seguinte)

Pedro Rhuas – Enquanto eu não te encontro

Romance de estreia do querido Pedro Rhuas, Enquanto eu não te encontro não poderia deixar de ser notado dentre os Melhores Livros de 2021. O autor não somente quer narrar uma história, mas também que o leitor esteja presente, se envolvendo com o enredo como um observador dos acontecimentos da narrativa. Com uma linguagem menos objetiva e mais espontânea, difíceis de serem traduzidos para uma norma culta, temos as mesmas reações que seu protagonista, Lucas – um garoto gay e nordestino que se muda do interior para a capital do Rio Grande do Norte para ingressar na universidade. 

Abusando das descrições de roupas, ambientes e até mesmo da música que engloba a cena, somos instintivamente mergulhados pela vida de Lucas, imersos em um turbilhão de sentimentos e de cenários onipresentes. Pedro Rhuas é um profissional completo, nos presenteando também com uma trilha sonora de músicas autorais para combinar na leitura. Não é à toa que sua obra acabou se tornando o livro LGBTQIA+ mais vendido para adolescentes no ranking da Amazon. – Júlia Paes de Arruda

Momentos Favoritos: o diálogo de Pierre e Lucas no capítulo Todas as coisas que ele gosta.


Capa do livro Luxúria, de Raven Leilani. A imagem mostra, ao centro, uma fotografia em close da parte de baixo do rosto de uma mulher negra, com foco para os seus lábios, que estão entreabertos e pintados com batom vermelho alaranjado. Ao redor da foto, existe uma moldura branca. Na linha inferior da capa, está escrito o nome do livro em fonte de caixa alta e branco. Embaixo, está o nome da autora, na mesma estilização, porém em vermelho alaranjado. Depois, existe o selo da editora Companhia das Letras, na mesma cor. Na linha superior da capa, em cima da fotografia, existe uma citação atribuída a Zadie Smith, que diz “Um livro tenso, afiado e engraçado sobre ser jovem, brutal e brilhante.”
O livro esteve nas listas de Melhores do Ano do The New York Times, The Guardian e Los Angeles Times (Foto: Companhia das Letras)

Raven Leilani – Luxúria

A melhor forma de definir o clamor pela obra de estreia de Raven Leilani é buscar suas influências: em seu primeiro livro, a jovem escritora nova-iorquina parece realizar um encontro de Fleabag e I May Destroy You. Nada é comparável e muito menos a tentativa é encaixar um trabalho magistral em outro. O que Raven Leilani faz em Luxúria é aproveitar referências de duas das obras mais disruptivas dos últimos anos. Assim, não é difícil entender a seleção do romance para boa parte das listas de melhores do ano pelas críticas mais importantes pelo mundo, e aqui no Persona, onde o livro chegou através da parceria com a Companhia das Letras, não poderia ser diferente.

Luxúria se dedica à história de Edie, que em seus vinte e poucos anos, tenta viver em uma Nova Iorque inóspita aos jovens de classe baixa e especialmente hostil às mulheres negras. Entre os altos e baixos de sua vida perfeitamente comum à juventude do século 21, ela cai nas teias de um relacionamento aberto com um casal branco e, ao mesmo tempo, parte de sua vida começa (mais uma vez) a desmoronar. A partir daí, Raven Leilani cria uma comédia dramática sagaz e ácida, que reflete sobre as expressões de poder das relações de gênero, classe e raça. Viu só? Não é sonhar demais com uma adaptação audiovisual escrita e dirigida por Michaela Coel com a produção de Phoebe Waller-Bridge, porque ainda vamos ouvir falar muito sobre as histórias de Raven Leilani. – Raquel Dutra

Momentos Favoritos: o encontro de Edie e Akila; e o momento em que Edie se lembra da morte da mãe.


Capa do livro Luz em Agosto, de William Faulkner. Na imagem, há um fundo composto por diversas cores, jogadas de forma disforme, como se alguém tivesse jogado baldes de tinta em uma parede. As cores são laranja, branco, amarelo, roxo, vermelho e rosa. Na parte superior, de forma centralizada, está escrito William Faulkner em fonte de cor roxa. Abaixo, está escrito Luz em Agosto seguido do logo da editora Companhia das Letras, ambos também em cor roxa.
Luz em Agosto, clássico absoluto de William Faulkner e há anos fora de catálogo, foi relançado em 2021 pela editora Companhia das Letras (Foto: Companhia das Letras)

William Faulkner – Luz em Agosto

Para um autor conhecido por suas invenções literárias, Luz em Agosto soa como um romance mais tradicional e mais linear, mas nem por isso menos inventivo ou menos genial. Na obra, William Faulkner, vencedor do Nobel de Literatura em 1949, conta duas histórias paralelas que se colidem, numa trama marcada pela brutalidade e racismo no Sul dos Estados Unidos. Lançado originalmente em 1932, a obra retornou sob tradução de Celso Mauro Paciornik – tradução revisada da antiga versão na editora Cosac & Naify –, e ganha notoriedade por ser uma espécie de romance da decadência, além de um trabalho pungente sobre a violência que se instaurou no país pós-Guerra Civil. 

A radicalidade de Luz em Agosto reside na mescla de abordagens mais realistas de Faulkner com o cenário inventivo que se consolidou no modernismo, cujo maior horizonte estabelecia-se na obra de James Joyce. Contando paralelamente o drama de Lena, uma mulher grávida que busca pelo marido que a abandonou, junto a história de Joe Christmas, um andarilho em crise de identidade, a obra “refaz toda a cadeia de maldições que pairam sobre a raça humana”, parafraseando Jacques Rancière. Por essa razão, o relançamento de Luz em Agosto colocou novamente em catálogo um livro que mescla como poucos o bíblico e o mundano, o sagrado e o profano, e insere, em meio a todo o horror, um pouco de esperança. – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: o final do capítulo 1, na página 33, quando a personagem Lena vê uma casa pegando fogo, e esse cenário irá desencadear a perseguição a Joe Christmas; e o capítulo 20.


Capa do livro Malibu renasce. Na imagem está ilustrada uma praia de Malibu com uma formação rochosa em primeiro plano e a sombra de palmeiras em tons de marrom e azul escuro. O fundo é rosado e se assemelha ao pôr do sol, a palavra "Malibu" aparece em letras brancas e "renasce" em marrom escuro na parte superior da capa. Logo abaixo está o nome da autora na mesma cor e a frase "autora do best seller Os sete maridos de Evelyn Hugo".
“Malibu pega fogo. É simplesmente o que Malibu faz de tempos em tempos” (Foto: Editora Paralela)

Taylor Jenkins Reid – Malibu renasce

Em Malibu rising, traduzido para o português como Malibu renasce, é explorada a vida da família de Mick Riva – personagem apresentado por Taylor Jenkins Reid em seu best-seller Os sete maridos de Evelyn Hugo e em Daisy Jones and The Six –, a estrela do rock que junto de seus filhos protagoniza, em Malibu, uma trama que pega fogo. Os Riva tem quatro filhos, Nina, Hud, Jay e Kit, jovens que têm uma vida rodeada por segredos, boatos e escândalos tão quentes quanto o sol da cidade praiana. Os irmãos partilham de uma relação muito profunda e laços que, ao serem intensificados, emocionam pelas facetas que os constrói e pela maneira detalhada com a qual são descritos.

A narrativa é desenvolvida em cima da festa anual que a família dá em sua mansão durante o verão, e por isso não precisa de mais que um dia para resgatar memórias e desfazer todo um emaranhado de nós e mágoas bem guardadas. Em uma representação que tem mais a ver com as ruínas que escondem-se dentro dos personagens do que com as que restam da casa de Nina, o livro mostra uma Malibu que renasce como a fênix depois das cinzas. A obra tem tradução de Alexandre Boide e aborda celebridades inventadas de uma maneira tão realista que deixa no ar a vontade de encontrar seus trabalhos em uma pesquisa do Google. Por fim, Malibu renasce é uma reflexão bem montada sobre decisões que, em fagulhas, tem como consequência grandes incêndios. – Jamily Rigonatto 

Momentos Favoritos: a conversa de Kit Riva com Ricky; a cena em que Nina Riva confronta Brandon; e as lembranças de June sobre seu casamento.


Capa do livro Mestres Antigos, de Thomas Bernhard. Na imagem, há um fundo em cor azul, e na parte superior está transcrito integralmente um trecho do livro, em fonte de cor preta. Ao final do trecho, está escrito Mestres antigos, em fonte de cor amarela, seguido de Thomas Bernhard, em fonte de cor branca. Na parte inferior esquerda, está o logo da editora Companhia das Letras, em cor preta.
Traduzida por Sergio Tellaroli, Mestres Antigos destaca-se como a obra mais obsessiva de Thomas Bernhard, e portanto, a mais cômica (Foto: Companhia das Letras)

Thomas Bernhard – Mestres Antigos

Thomas Bernhard nasceu em 1931, na Áustria, e dois anos depois o Estado totalitário nazista se estabeleceu na Alemanha. Ainda na infância, sua mãe o colocou num colégio nazista, e depois o inseriu num colégio católico. Essas são experiências traumáticas que serão, anos mais tarde, desenvolvidas em Mestres Antigos, obra na qual expõe seu anti-nazismo e seu ateísmo. Lançado originalmente em 1985 – dois anos antes de Bernhard morrer –, a obra reveste-se do personagem Reger, um rabugento crítico musical, e tece os comentários mais agressivos contra toda a escória nazista que passou pela vida do autor. Composto por um único parágrafo, o romance não perdoa ninguém que simpatizou com o movimento. 

Em forma de diálogo, mantido por Reger e Atzbacher, um filósofo bem mais jovem, Thomas Bernhard vai dos compatriotas austríacos que apoiaram o movimento – e, segundo o autor, não foram punidos –, até o apoio de Heidegger ao nazismo, constituindo um dos momentos mais hilários do livro, no qual se segue por páginas várias ofensas ao filósofo. Como o subtítulo de Mestres Antigos diz, essa é uma comédia, mas que transparece a indignação séria que Bernhard manteve ao longo de toda sua vida, travando uma guerra pessoal e sendo, ele mesmo, conhecido como rabugento. Por essas e outras, considerando o Brasil contemporâneo, Mestres Antigos chegou como um dos melhores e mais aguardados lançamentos de 2021. – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: o trecho em que Bernhard descreve as características físicas e intelectuais de Martin Heidegger. 


Capa do livro Meu avesso em verso em rosa. Centralizada, há o desenho de uma silhueta de uma mulher com os braços sobre o peito e a cabeça para trás. Na parte superior, há o nome da autora em letras maiúsculas. Na parte inferior, alinhado à esquerda, está escrito o título do livro e, logo abaixo, está escrito poesia.
“Sinta falta, mas não se prenda a coisas que já ficaram para trás” (Foto: Danielly Martins)

Danielly Martins – Meu avesso em verso

Existem grandes nomes de poetas contemporâneas que traduzem com muito louvor sentimentos de teor feminista e de amor próprio, como Rupi Kaur e Amanda Lovelace. Na obra independente Meu avesso em verso, a brasileira Danielly Martins administra as emoções de forma singular por meio de poemas pílulas fascinantes. É inevitável não fazer várias marcações durante a leitura das 151 páginas. 

A autora constrói, ao mesmo tempo, versos de forma direta e poética, fazendo o leitor mergulhar na imensidão de suas palavras e se encantar com a profundidade de seus sentimentos – especialmente para aqueles que passaram ou passam pela sensação. É uma leitura rápida, descrevendo o amor e a saudade de maneira intensa. O livro, de certa forma, possibilita encarar o novo com um olhar de renovação, abrindo novos horizontes na companhia de si mesma. – Júlia Paes de Arruda

Momentos Favoritos: o verso da página 54 – “Eu errei no momento em que já não era amor e apenas me acostumei com a tua presença e continuei ali”.


Capa do Livro No Body No Crime: Um Conto Evermore, de Yas Ketterman. A imagem mostra uma ilustração de uma mulher branca e loira, de cabelos longos, de batom vermelho segurando entre os lábios um coração com os escritos I did it em letras maiúsculas. Ela usa um óculos preto espelhado em que na lente direita é possível ver uma mão segurando uma arma e na outra um corpo de um homem com uma poça de sangue. Em baixo, está escrito o título do livro e o nome da autora, em letras maiúsculas.
O conto baseado na música de Taylor Swift foi lançado de forma independente pela própria autora (Foto: Yasmin Coutinho)

Yas Kettermann – No Body No Crime: Um Conto Evermore

Tendo como base a música no body, no crime, Yas Kettermann dá vida a Este, ao seu marido traidor e a amiga vingativa. Apesar de suas curtas páginas, No Body No Crime: Um Conto Evermore consegue saciar de forma palpável os leitores fãs de Taylor Swift. A ambientação, as falas e a relação da mulher traída e sua confidente só fortalece a sensação enraivecida proclamada nos versos swiftianos

O conto nacional é leve e instigante, ideal para começar depois de uma ressaca literária. Existem muitas referências a uma das melhores músicas de evermore, desde trechos nos títulos do capítulo, bem como imersos nos diálogos dos personagens. A escrita de Yas é bem dinâmica, garantindo uma interpretação apaixonante para o enredo de no body, no crime. – Júlia Paes de Arruda

Momentos favoritos: a epígrafe, que traz um prólogo do álbum folklore; o prólogo, que apresenta um encontro de Este e a amiga recitando trechos da música; e o capítulo cinco, no diálogo da viúva e da amiga sobre a morte do marido.


Capa do livro Nomadland. A capa é azul e tem alguns escritos em branco. No topo da capa, lemos “Livro que baseou o vencedor do Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz de 2021”. Abaixo, lemos “Jessica Bruder” e “Nomadland”. Abaixo disso: “Sobrevivendo na América no século XXI”. No meio, vemos a foto de um trailer, estacionado em uma estrada de terra e mato, com o azul da capa se mesclando ao azul do céu. Na parte de baixo da capa, também em branco, está o nome da Editora Rocco.
Unindo Jornalismo, Literatura e resiliência, Jessica Bruder encontra poesia nos vazios do mundo (Foto: Rocco)

Jessica Bruder – Nomadland: Sobrevivendo na América no século XXI

Quando começou a trabalhar no que viria a ser Nomadland, a jornalista Jessica Bruder provavelmente não imaginava as proporções tomadas por seu objeto de escrita. Tudo começa com a ideia de investigar a situação do subemprego nos Estados Unidos, mais especificamente a maneira que pessoas idosas lidaram com a crise de 2008 e a quebra da economia. Para tal, Bruder embarca nas vans e se incorpora no meio nômade, sempre com a cautela de uma convidada ao terreno, documentando de maneira rica e enriquecedora as mazelas da exaustiva rotina braçal.

Originalmente publicado em 2017, o livro só chegou ao Brasil quatro anos depois, sob tradução de Ryta Vinagre e pela editora Rocco. O motivo foi sua adaptação cinematográfica homônima ter arrebatado o mundo do Cinema, em um momento brutal da pandemia e na temporada de premiações mais atípica da modernidade. Quando Chloé Zhao e Frances McDormand fizeram Arte em tela com o vencedor de 3 Oscars Nomadland, é de suma importância que todos saibam que foi Bruder quem encontrou as pepitas de ouro quando tudo ainda era mato. – Vitor Evangelista

Momentos Favoritos: a sequência onde Bruder dorme em uma van nas ruas de uma metrópole, sem a proteção de uma casa e sente na pele a vida que documenta; o desfecho, quando Linda May abraça o futuro.


Capa do Livro O Baú do Zumbi Gelado. Na parte superior, está escrito Do Mesmo Autor de As 220 Mortes de Laura Lins. Na parte inferior, há um baú azul marinho aberto. Dele, sai uma luz amarela, como uma explosão. Na parte amarela, um garoto e uma garota em azul marinho caindo no baú, ícones de redes sociais como curtir, amei e emojis, uma silhueta de um monstro de videogame e o título do conto em branco e letras maiúsculas.
O autor de O Baú do Zumbi Gelado é médico por formação e decidiu publicar suas próprias histórias de maneira independente (Foto: Rafael Weschenfelder)

Rafael Weschenfelder – O Baú do Zumbi Gelado

Depois do sucesso do conto As 220 mortes de Laura Lins, Rafael Weschenfelder se arriscou em uma narrativa diferente no que diz respeito a O Baú do Zumbi Gelado. Com uma linguagem divertida, recheada de termos relacionados ao mundo do videogame, somos introduzidos ao mundo de Zumbizeira, o jogo favorito do seu protagonista Hugo. 

Em suas 67 páginas, o autor constrói dois enredos simultâneos, transitando entre a realidade e as fases do game. A imersão é profunda, como se vivêssemos na pele do garoto. Contudo, vale lembrar que a história possui gatilho para pedofilia (mesmo não sendo o assunto principal). Ainda que seu tamanho seja curto, Rafael cria um plot twist surpreendente, daqueles é necessário um tempo para digerir o que está acontecendo. O defeito de O Baú do Zumbi Gelado é não ter uma continuação para o desfecho de Hugo, Estela e Lucas. – Júlia Paes de Arruda

Momentos favoritos: a citação da página 47 – “por que alguém se daria ao trabalho de criar perguntas sem resposta, labirintos sem saída? Mas minha namorada prodígio trazia a réplica na ponta da língua: ‘às vezes é o universo que cria, e ele não está nem aí para a gente.'”


Descrição de imagem: Capa do livro O Imenso Azul entre nós. A capa tem um fundo azul e bordas ilustradas por algas verdes, amarelas e roxas junto a folhas verdes e laranjas, também aparecem conchas brancas e flores brancas com miolos alaranjados. Na porção superior está grafado o nome da autora em letras amarelas, mais abaixo o título do livro em letras brancas.
“Estávamos erradas. Desta vez, parece o fim. Ela escapa de mim.” (Foto: Editora Alt)

Ayesha Harruna Attah – O imenso azul entre nós

Em O imenso azul entre nós, a vida das gêmeas Hassana e Husseina é contada pela autora Ayesha Harruna Attah. As personagens são vítimas de um contexto escravagista, em que foram separadas e vendidas durante um ataque à aldeia em que viviam quando meninas. Mais do que o local de origem, elas compartilham uma ligação absolutamente intensa, mas que no plano físico, é bloqueada pela imensidão do oceano. Divididas por continentes, países e culturas diferentes, elas mantêm sua conexão por sonhos. Entre um capítulo e outro, as vozes de Hassana na Costa de Ouro africana e de Husseina na Bahia brasileira se alternam para expor seu desenvolvimento pessoal e histórico, trazendo à tona aspectos que são tão distintos quanto instigantes. 

O livro, de nome original The Deep Blue Between, conta com a tradução de Valéria Almeida e apresenta um enredo rico em detalhes e descrições muito precisas. Mais que o amadurecimento das irmãs, a obra explora o amadurecimento dos lugares em que estão e como a colonização e a escravidão afetaram a percepção da cultura africana. O desejo de descobrir se as irmãs conseguirão se reencontrar ou não prende e cria expectativas incertas ao longo das páginas. Dessa forma, ao conhecer Hassana e Husseina, o leitor agrega conhecimento e desfruta de uma sutileza repleta de desdobramentos movidos pelo imenso azul das águas. – Jamily Rigonatto

Momentos Favoritos: A introdução do candomblé e da cultura afro-brasileira nos relatos de Husseina; e a conquista da liberdade de Hassana. 


Capa do livro O Mapeador de Ausências. Na imagem, há o desenho de uma mulher negra com diversos tecidos coloridos. Esses tecidos são de cor vermelha, azul, amarela, branca, rosa e verde. Ao centro, está escrito Mia Couto em fonte de cor branca, com a grafia do próprio autor, e abaixo escrito O Mapeador de ausências, também em fonte de cor branca. Acima do seu nome está o logo da editora Companhia das Letras.
Trazendo paradoxos que mostram as armadilhas da memória, O Mapeador de Ausências já figura entre os melhores livros de Mia Couto (Foto: Companhia das Letras)

Mia Couto – O Mapeador de Ausências

Diferente de outras obras de Mia Couto, O Mapeador de Ausências apresenta-se como um livro metalinguístico, de forma que o narrador Diogo Santiago poderia ser perfeitamente a personificação literária do autor. Evidentemente, obras literárias quase sempre partem de pontos biográficos, levando em consideração que são textos oriundos de um ponto de vista pessoal, e, por essa razão, não deixam de ser uma afirmação de sua própria consciência diante do mundo. Mas somente as semelhanças intelectuais com o protagonista não seriam o suficiente, e a história que Santiago está mapeando – a trajetória da sua ausência – mistura-se com a história de Mia e seu próprio pai, Fernando Couto.

O escritor moçambicano tem domínio pleno na construção de diálogos, visto que as conversações são ao mesmo tempo poéticas e ainda assim verdadeiras. Esse costuma ser um ponto falho em livros ficcionais, pois acabam construídos com base em clichês ou de forma entreguista, sem a devida caoticidade que a realidade impõe – pessoas se atravessam ao conversar, gaguejam, esquecem o que vão dizer, e mudam de assunto na mesma conversa. São vários os méritos de O Mapeador de Ausências, mas, para encerrar, podemos ficar com mais um: sendo esse o 11º romance do autor, não deixa de ser resultado de seu amadurecimento, e, para alguém que estreou com Terra Sonâmbula (1992), só poderia ser excelente. – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: O momento em que Adriano Santiago (o pai de Diogo) encontra novamente Sandro, um primo criado como filho; e o capítulo final.


Capa do livro Pequena coreografia do adeus. A imagem é composta por uma ilustração abstrata, que mostra duas figuras. A primeira está segurando a segunda, que cai para trás, mas é segurada pelos braços da primeira. As cores são em tons de rosa e laranja e os rostos das figuras são desenhados abstratamente com cinza. Ao redor da segunda figura, está o nome do livro, em caixa alta e preto, do lado direito da capa. Na linha inferior e ao centro, está o nome da autora, na mesma estilização do título do livro. Embaixo, em tamanho menor, está escrito “Autora de O peso do pássaro morto”. No canto inferior direito, está o selo da editora Companhia das Letras.
Em mais uma oportunidade concedida pela parceria do Persona com o grupo editorial, Aline Bei foi também uma das nossas melhores entrevistas de 2021 (Foto: Companhia das Letras)

Aline Bei – Pequena coreografia do adeus

O nome de Aline Bei é promissor desde a primeira vez que estampou uma capa de livro. Em 2018, quando jovem escritora foi agraciada pelo Prêmio São Paulo de Literatura com O peso do pássaro morto, um lugar especial sob os holofotes da Literatura Brasileira Contemporânea lhe foi concedido. Agora, Pequena coreografia do adeus consolida o impecável início de carreira da paulistana, mais uma vez dedicando suas palavras às suas personagens femininas, e mais uma vez empregando sua delicadeza brutal em suas histórias.

O romance nos coloca diante de Júlia Manjuba Terra e sua profundidade impossível de definir em uma sinopse – assim como toda a narrativa de Aline Bei. A partir das expressões da personagem, filha de um relacionamento traumatizado, Pequena coreografia do adeus tece reflexões sobre família, amor e abandono enquanto sua personagem (que sonha em ser escritora) tenta encontrar sentido em horizontes quebrados. A autora parece querer nos lembrar do quanto as nossas relações definem quem somos, e os resultados de suas intenções tão certeiras quanto gentis têm tudo para sempre a colocar dentre as melhores. – Raquel Dutra

Momentos Favoritos: a auto-apresentação de Júlia; e o momento em que Júlia adquire sua independência.


Capa do livro Rastejando até Belém, de Joan Didion. Na imagem, há um fundo de cor branca. Na parte superior, de forma centralizada, está escrito Joan Didion em fonte de cor preta. Abaixo, está escrito Rastejando até Belém também em fonte de cor preta. Rastejando possui uma sombra de cor rosa, Até possui uma sombra de cor laranja, e Belém possui uma sombra de cor amarela. Na parte inferior, de forma centralizada, está o logo da editora Todavia.
Um dos grandes clássicos do ensaísmo, Rastejando até Belém demonstra a potência que Joan Didion atingiu em seus textos de não-ficção (Foto: Todavia)

Joan Didion – Rastejando até Belém

Joan Didion é sempre lembrada como um dos grandes nomes do movimento conhecido como new journalism (no Brasil, além de ‘novo jornalismo’, é também chamado de ‘jornalismo literário’). Em Rastejando até Belém, vemos uma obra que vai muito além dos textos jornalísticos – todos eles excelentes –, e enxergamos Didion em uma de suas melhores formas literárias, revestida de empatia e autoconsciência. A coletânea de ensaios foi publicada originalmente em 1968, e demorou módicos 53 anos para que chegasse ao Brasil. No entanto, quando Rastejando até Belém finalmente chegou, em pouco mais de 10 meses Joan Didion faleceu, devido a complicações da doença de Parkinson.

Com tradução de Maria Cecilia Brandi, a obra reúne textos selecionados pela própria escritora, cuja característica principal é seu minimalismo, quase sempre evocando sentimentos profundos através de poucas palavras, além de misturar política com cultura. Rastejando até Belém é também um mapa dos Estados Unidos dos anos 1960, tendo a Califórnia, dominada pela contracultura e o movimento hippie, como ponto de partida. Mas o verdadeiro motivo da obra ser uma das melhores do ano passado é o fato de Joan Didion ter sido uma observadora sagaz, silenciosa e devastadora, que guiou nossos olhos e mentes em viagens íntimas de autoconhecimento. Simplesmente fabuloso.  – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: O texto que dá título à obra, no qual Joan Didion fala sobre o movimento hippie nos anos 1960; e os ensaios Sobre ter um caderno, Sobre o amor-próprio e California dreaming.


Capa do livro Tudo sobre o amor, de bell hooks. A imagem tem fundo laranja-avermelhado vibrante e o nome da autora aparece em letras garrafais grandes e roxas, preenchendo os primeiros dois terços da capa, de um extremo ao outro, levemente inclinado na diagonal. Na linha inferior, está o nome do livro, na mesma estilização anterior, mas com a fonte um pouco menor e colorido em amarelo claro. Embaixo do título do livro, na mesma estilização porém em tamanho ainda menor, está escrito “novas perspectivas”, em branco.
“No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover em direção à liberdade, a agir de formas que libertam a nós e aos outros.” (Foto: Editora Elefante)

bell hooks – Tudo sobre o amor

Ao fim de 2021, bell hooks descansou de sua vasta e revolucionária colaboração para este mundo. E no início do ano, a autora inaugurou as estreias literárias brasileiras com seu último lançamento em vida no nosso país. Como a primeira parte de uma trilogia que talvez trate sobre um dos maiores temas sobre os quais a mente brilhante da estudiosa já se debruçou, Tudo sobre o amor analisa cada aspecto de seu assunto através do olhar crítico e sábio da pessoa mais qualificada para o fazê-lo. E se ela entende o amor como o elemento mais transformador que somos capazes de acessar, não há quem ouse discordar.  

Recortes românticos, idealizados ou meramente sentimentais não apreendem a análise disruptiva de bell hooks sobre a ideia mais subjetivamente presente na experiência humana. Ao longo de 13 capítulos, a estudiosa transcende qualquer leitura já realizada sobre o amor, respeitando a sua complexidade mas tratando-o de forma prática – que em momento algum deixa de ser profunda. Formação obrigatória para todo e qualquer ser humano que se relaciona com outros seres humanos, Tudo sobre o amor é uma das maiores joias que bell hooks nos deixou. E assim como ela defende o entendimento do amor como ação, o livro é mais uma de suas formas de transformar o mundo em que vivemos. – Raquel Dutra

Momentos Favoritos: os capítulos Honestidade, Espiritualidade, Ganância, Perda e Cura.


Capa do livro Última Parada. Na imagem estão ilustradas August, à direita, segurando um café. A garota é branca, tem cabelos compridos que ficam entre o loiro e o ruivo, ela usa uma blusa branca sobreposta por um vestido preto e óculos de grau. À esquerda está Jane, ela tem pele escura e cabelos castanhos e curtos, veste uma camiseta branca sobreposta por uma jaqueta preta. As duas estão viradas uma para a outra dentro do vagão de metrô de tons arroxeados, na porção superior está grafado em letras brancas o nome do livro e na inferior o nome da autora.
Da mesma autora do aclamado Vermelho, branco e sangue azul, Última parada retrata o amor entre pessoas do mesmo gênero em um cenário impossível e cheio de expectativa (Foto: Editora Seguinte)

Casey McQuiston – Última parada

Entre as impossibilidades das viagens no tempo e um vagão de metrô, One last stop – traduzido no Brasil por Guilherme Miranda como Última parada – é um romance sáfico que, assim como o outro grande sucesso de Casey McQuiston, Vermelho, branco e sangue azul, cativa com paixões escoradas em cenários ficcionais totalmente improváveis. August é o tipo de pessoa cética que não acredita em destino, clarividência ou romances de cinema, o que ela não esperava é que encontrar a encantadora Jane fosse mostrar que às vezes a vida anda por trilhos em que acreditar é a única opção. August havia acabado de se mudar para Nova York, e ao conhecer Jane dentro do metrô, sentiu aquele tipo de identificação tão certa que parece mentira. O problema é que a garota é de 1970 e está perdida no tempo. 

Assim, os leitores são levados pela narrativa em terceira pessoa que apresenta os pontos de vista de August e todos os conflitos que a personagem carrega para ajudar Jane a voltar para casa enquanto tenta – e, é claro, falha – não se apaixonar. Sendo um livro young adult (destinado ao público jovem adulto), o texto não deixa de explorar cenas de sexo que ficam longe de fetichizar ou sexualizar as personagens, e que se encaixam de forma bastante natural no enredo. Temas como racismo e as vertentes da LGBTQIA+fobia em dois momentos temporais diferentes, também são abordados pela autora com muita sensibilidade. Assim, Última parada deixa a leveza conduzir e cultiva uma linda viagem sobre amor e diversidade. – Jamily Rigonatto    

Momentos Favoritos: a primeira interação entre August e Niko no primeiro capítulo; o primeiro encontro de August e Jane depois do incidente com café, em que as duas passam a se chamar de “garota do café” e “garota do metrô”; e a visita de Suzette no capítulo dezesseis.


Capa do livro Vida desinteressante, de Victor Heringer. Na imagem, há um quadrado preto na parte superior direita, um quadrado preto na parte central à esquerda e um terceiro quadrado preto na parte inferior direita. Nas partes que não compõem os quadrados, está um fundo de cor verde com diversos rádios antigos iguais ilustrados, em cor cinza. No quadrado superior direito, está escrito vida desinteressante em fonte de cor branca. No quadrado central, está escrito victor heringer em fonte de cor branca. No terceiro, na parte inferior direita, está escrito fragmentos de memórias, em fonte de cor branca, e ainda no mesmo quadrado está escrito Companhia das Letras, também em fonte de cor branca.
Quase como um poeta anti-cronista, Victor Heringer expõe pequenas epifanias em Vida Desinteressante (Foto: Companhia das Letras)

Victor Heringer – Vida Desinteressante

Victor Heringer foi tudo, ou quase tudo. Foi acadêmico, poeta, desenhista, ensaísta e romancista. Essa multiplicidade é deixada em evidência em Vida Desinteressante, obra póstuma que reúne seus textos – mistura de ensaios, entrevistas e crônicas – publicados no site da revista Pessoa, entre fevereiro de 2014 e março de 2017; ele faleceu um ano depois, em 2018, aos 29 anos. Na coluna intitulada Milímetros, Heringer registrou um pouco de tudo, desde suas referências literárias às críticas a um Brasil que estava à beira do colapso. 

A persona que mais transparece em sua prosa é a do poeta marginal, de forma que seus textos com temas que seriam mais banais – como Os sapatos do meu pai – ganham tratamento poético, e transformam-se em espécies de crônicas anti-crônicas. Um dos motivos de Vida Desinteressante ser celebrado – para além de colocar novamente em evidência esse escritor que nos deixou cedo demais – é a forma como seus textos, com o passar dos anos, foram caindo em uma profunda desilusão, capturando, assim, o espírito do tempo sobre ser brasileiro. Como Victor Heringer escreveu, “a gente nasce com um tempo curtíssimo para tentar compreender um universo que tem tempo de sobra.” – Bruno Andrade

Momentos Favoritos: os textos Brasileiro, anti-irônico, Esse tempo, ainda sem nome, que começa agora e O paulistano não existe.

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