Coisas Verdadeiras é lotado de vazios

Cena do filme Coisas Verdadeiras, mostra uma mulher adulta branca de vestido vermelho em pé de dia. Ao seu redor, vemos moitas e um muro de pedra cinza.
Com produção de Jude Law e Ruth Wilson e parte da primorosa Competição Novos Diretores da Mostra de SP, Coisas Verdadeiras oferece um prato para os fãs de um drama indie (Foto: BBC Films)

Vitor Evangelista

Uma silenciosa Ruth Wilson em total estado de êxtase abre Coisas Verdadeiras, filme que dá à 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo um viés mais poético. Não à toa, o ato sexual que ela recebe deixa de ser o foco da rápida sequência, que logo nos situa no presente. A personagem Kate, sonhando com um passado que nem mesmo sabemos ser real, deseja mesmo é o afeto, o conforto e o toque, e não importa se é íntimo ou superficial, ela só precisa de certezas.

Na jornada, conduzida pela direção da inglesa Harry Wootliff, Kate vive uma vida enojada como atendente em uma espécie de agência de reclamações públicas. O furacão nasce quando ela chama o nome de Blond, um recém-libertado ex-presidiário que fisga sua atenção. Tom Burke passa de Orson Wells a delinquente quarentão com a suavidade de uma pena caindo no rio, e encarna os trejeitos de boy problema tão vorazmente quanto a intensidade do descolorante e da água oxigenada que dão cor de gema de ovo ao cabelo ressecado. 

Cena do filme Coisas Verdadeiras, mostra um homem loiro encurralando uma mulher morena em uma parede.
A montagem se aproveita dos lapsos de memória da protagonista para manufaturar construções visuais poéticas, dando liga a todo o drama psicológico que compõe o filme (Foto: BBC Films)

Conversa vai, conversa vem, uma calcinha é abaixada no estacionamento e o resto é história. Intoxicada pelo homem, para lá de misterioso e nem um pouco confiável, Kate mergulha em um espiral de mentiras, desculpas e frustração. A performance de Ruth Wilson, figura conhecida para os fãs de fantasia da HBO, amacia os comportamentos que enfrenta, principalmente por meio de seus expressivos olhos cansados. 

Não há muito no escopo estrutural de True Things, que passou por Veneza e Toronto nos últimos meses e chega à Mostra de São Paulo com pinta de drama psicológico. O roteiro, escrito pela diretora com o auxílio de Molly Davies, adapta o romance de Deborah Kay Davies, exalando o olhar terno que uma história desse calibre necessita. A gentileza do não-julgamento frente ao relacionamento completamente abusivo em que Kate se mete é sinônimo do cuidado que as mulheres que moldaram a história tiveram, tudo amparado pela trilha sonora do sentimental Alex Baranowski e a fotografia acalentadora de Ashley Connor.

Os vazios que nomeiam o texto se fazem presentes na mente e na alma da protagonista, uma mulher irremediavelmente quebrada e sensibilizada pelo mínimo movimento inesperado dos astros ao seu redor. Quando Coisas Verdadeiras abre margem para que a família de Kate justifique seu eu presente, o filme se certifica de iluminar a preocupação e o receio de seus pais e a esperança mentirosa que a avó deposita na jovem. É uma experiência que anestesia a crueldade do constatar, mas nunca aliena quem assiste.

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