Dez anos depois, a vingança de Amanda Clarke ainda tem gosto amargo

Cena da série Revenge. A imagem mostra o rosto penetrante de Amanda Clarke, que é uma mulher branca de cabelos loiros, veste camisa jeans e está com as duas mãos entrelaçadas apoiando o rosto.
Revenge, sucesso americano da ABC, também veio para a rede aberta do Brasil e teve suas 4 temporadas transmitidas pela Globo (Foto: ABC)

Nathália Mendes

10 anos atrás, em setembro de 2011, estreava Revenge, um dos maiores sucessos que a ABC já transmitira. Nem o próprio canal tinha noção de que a novela de vingança de sua querida Emily Thorne (Emily VanCamp), vulgo Amanda Clarke, teria a audiência de dez milhões de espectadores logo na primeira temporada. Sua história, de fato, possui um apelo popular viciante e prazeroso. Enquanto a protagonista e seu companheiro Nolan Ross (Gabriel Mann) arquitetavam a ruína dos responsáveis por destruir seu pai, estávamos em volta da TV por 4 temporadas para saborear o gostinho de destruição que a poderosa, e podre de rica, família Grayson merecia.

O dramalhão que Mike Kelley criou em sua série tinha tudo e mais um pouco: reviravoltas mexicanas, mocinhos e vilões, traição, briga, festas chiquérrimas, planos infalíveis, a Madeleine Stowe como rainha dos ricos, e uma trama meia boca inegavelmente viciante. Seu pouco aprofundamento garantia a raiva e o entretenimento que precisavam, pois mais importante que isso era resgatar a dúbia justiça do clássico O Conde de Monte Cristo. A história de Amanda Clarke contra os ricos de Hamptons se assemelhava a um bolo de aniversário cujos acontecimentos – completamente improváveis – eram as saborosas camadas de chantilly, e, o guilty pleasure, a cereja no topo.

Cena da série Revenge. A imagem mostra uma menina deitada em seu pai, ambos em um sofá. Ela é uma criança branca de cabelos loiros, veste agasalho branco e olha, feliz, para um livro que está em seu colo enquanto encosta a cabeça no peito de seu pai. O homem está à direita com os braços passados em volta da criança. Ele é um homem branco de cabelos claros, veste camisa social azul, e sua expressão é ligeiramente feliz. O fundo é a sala de uma casa.
A característica novelística é um dos ápices da série, pois suas cenas são elevadas a um extremo digno de famílias extremamente poderosas, por isso elas parecem tão perto da realidade (Foto: ABC)

A trama de Revenge é um tanto quanto improvável: Amanda era uma criança quando seu pai, David Clarke (James Tupper), foi preso, um terrorista culpado pela queda de um avião que matou quase 300 pessoas. Antes de morrer na cadeia, David deixa uma herança bilionária na empresa de tecnologia de Nolan para ela, além de uma caixa em que conta os segredos de sua história – incluindo cada pessoa que participou da armação contra ele. Encabeçando-a está a família Grayson, cuja matriarca Victoria (a própria e brilhante Madeleine Stowe) era o amor de David, e a lembrança fervorosa para Amanda da mulher que traiu seu pai.

Buscando vingança, destruição e caos, a protagonista se torna Emily ao trocar de identidade durante o reformatório, e assim traça seu caminho até a mansão mais cara do bairro mais caro de Nova York para pegar Victoria onde dói mais: o coração do filho Daniel (Josh Bowman). Entre arapucas, segredos, sorrisos falsos e irresistíveis para o jovem Grayson, observamos o império desabar da varanda da casa Clarke. Se entranhando no meio dos poderosos, a série disseca muito bem o desenvolvimento dela frente a um buraco sem fundo de crimes que chegam até a surpreendê-la.

As bases de Revenge não se ancoram em personagens maus demais, na verdade, as mortes dramáticas e avassaladoras, ou as pequenas cenas de pancadaria, são simplistas e não mostram a violência de que quem manda é capaz. Mas não há como negar que a série sempre conseguiu ilustrar a sujeira que os endinheirados escondem debaixo do tapete. Amanda quer justamente revelá-la, e através de suas nítidas razões, Kelley pergunta aos espectadores se compreendem a linha tênue entre justiça e vingança. Afinal, todos sentimos prazer em ver pessoas acima da lei pagarem, certo?

Cena da série Revenge. O gif mostra uma mulher andando poderosamente por um corredor e segurando um guarda-chuva. Ela é uma mulher branca de cabelos pretos compridos e batom vermelho, veste vestido preto de mangas compridas e sua expressão é de soberania. Com a mão direita segura um guarda chuva transparente de bordas e cabo vermelhos. O fundo é um corredor de hospital.
Na quarta e última temporada, David Clarke retorna, vivo, e a rixa entre Victoria e Emily se transforma em uma baixa e ridícula disputa sobre quem será a mulher da vida dele (GIF: ABC)

Falar da série é pautar primordialmente sua primeira temporada, pois essa foi o apogeu. A obsessão da protagonista se torna a nossa, conforme Kelley navega pelos atos sujos, corruptos e imorais que aconteciam dentro de casas revestidas de ouro. No decorrer dos demais volumes, as surpresas no estilo A Usurpadora são os únicos momentos de glória que salvam a narrativa até o final. Mesmo que diversas pessoas ruins caiam, o diretor acerta em mirar alto para explicar o crime que condenou David, e mostrar que grandes empresas estão jogando com o sangue de pessoas com as quais não se importam para ganhar dinheiro.

Essas mesmas tramoias envolvem Victoria e, até o fim, Madeleine é estonteante em dar camadas para a rainha do Hamptons, equilibrando uma balança do bem versus mal, e ainda escondendo tudo sob um rosto frio, implacável. Também nos conectamos com ela ao conhecer sua história e passado traumático, bem como tudo o que engoliu para se manter ao lado de Conrad Grayson (Henry Czerny) e de poder nas mãos. Então, novamente o espectador precisa se perguntar sobre o próprio senso de justiça e vingança. O jogo de poder que ela e Emily possuem é delicioso de assistir, ao mesmo tempo que a rixa entre duas fortes mulheres se torna insuportável e indigerível na temporada final.

A imagem mostra duas fotos distintas, uma ao lado da outra. A da esquerda mostra um casal se beijando enquanto o homem, do lado direito, está com a mão envolta da barriga de grávida da mulher. A imagem da direita mostra somente a mulher na porta de uma casa exibindo sua barriga de grávida.
Para os defensores de Amanda e Daniel: Emily VanCamp e Josh Bowman estão casados na vida real desde 2018 e anunciaram a chegada do primeiro filho em 2021 (Foto: Instagram/@emilyvancamp)

“Essa não é uma história sobre perdão”, diz a protagonista nos primeiros segundos do episódio piloto. No entanto, ao longo de sua trajetória, perdoar a vida por tê-la feito sofrer tanto é justamente o objetivo de Amanda, mesmo que ela não queira admitir. A primeira vez que essa característica fica nítida é quando ela se prende a um triângulo amoroso entre Daniel e seu amor de infância Jack Porter (Nick Wechsler). Outros amores vêm e vão, assim como decepções, descobertas e mortes, tudo que enraíza Emily e Amanda como suas duas metades da mesma moeda.

Mesmo que ela deseje sua vingança acima de tudo, aos poucos sua personagem se desenvolve, mostrando as caras da fragilidade, se conectando com o próprio passado e qual futuro gostaria. Após derrubar todas as pessoas que desejava, Emily não consegue mais voltar para a Amanda que vivia escondida dentro de si, pois seu caminho de punição também a tornou sozinha. Ela machucou as poucas pessoas que haviam restado em sua vida ou as perderam em prol de um objetivo rancoroso, o que resultou em uma protagonista dilacerada ao final.

Por todos esses fatores, acompanhamos o caminho que ela percorre com um nó na garganta. É natural desejarmos assiduamente a destruição de pessoas que possuem mais do que deveriam, mas ao mesmo tempo, queremos que as dores de Amanda se tornem hematomas curados, e ela alcance um resquício de felicidade. O vício pela série mora exatamente na personagem que está 3 passos à frente dos próprios espectadores, briga consigo mesma sobre os sentimentos que lhe restam e recebe um mínimo alívio em seu desfecho.

Cena da série Revenge. A imagem mostra uma noiva sendo levada para o altar por um homem jovem. Ela é uma mulher branca de cabelos loiros ondulados, veste um vestido de noiva de alças simples e faixa na cintura, segura um buquê de rosas brancas e pinks, e sorri. O homem ao seu lado é branco de cabelos loiros, veste um terno azul riscado e também sorri. O fundo mostra mesas de casamento com toalhas rosas e um homem fotografando no canto esquerdo.
Nolan é um dos poucos personagens essenciais para o enredo desde o começo, e ao longo da série, a amizade entre ele e Amanda se transformou em um laço familiar puro (Foto: ABC)

Perdendo o brilho novelístico que possuía em seu começo, o desenrolar de Revenge desde a segunda temporada teve um gosto amargo ao ser engolido. Sua series finale foi a pior de todas com a volta de David – sim, ele estava vivíssimo – que só retornou para babar ovo de Victoria Grayson e depois morrer (novamente). As reviravoltas apelativas, mortes frustrantes de personagens e o enredo repetitivo assassinaram a pequena complexidade que a série havia conquistado. Ao final, permanece a saudade das armações da perspicaz protagonista contra os ricaços.

O fim chegou em maio de 2015, arrastado pelo desejo desesperado da ABC em dar mais temporadas do que deveria e com queda pela metade de sua audiência. Outras poucas séries terminam com a tentativa da protagonista que sofreu nas mãos de outras pessoas em ser feliz com seu amor de infância, mas esse foi o caso. Ao lado de Jack, assumindo seu verdadeiro eu, esse é o fim insosso de Kelley. Infelizmente, ignorou-se o fato de que havia ali uma história legítima de vingança, e nem toda a ingenuidade do mundo transformaria Amanda Clarke na menina que corria pela praia com seu golden retriever Sammy novamente.

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