“Eu não sei porque cheguei, mas sei tudo quanto fiz, maltratei, fui maltratado, não fui bom, não fui feliz, não fiz tudo quanto falam, não sou o que o povo diz”. Estas poucas palavras poderiam fazer parte de uma das falas do personagem Ubaldo, interpretado pelo ator Allan Souza Lima, o protagonista da série de sucesso da Amazon Prime, Cangaço Novo. Na realidade, fazem parte da primeira estrofe da canção “Lampião Falou”, de autoria emblemática de ninguém menos do que o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. E é no embalo destes três pernambucanos porretas que é possível entender o porquê do sucesso de uma das produções mais contagiantes do streaming.
Às vezes, o rumo de uma história leva um personagem comum do céu ao inferno, transformando-o num mocinho ou num bandido. Em certos enredos, dois passados ordinários podem se cruzar e dar lugar a um único e excruciante presente, que vai além do maniqueísmo dos livros de faz de conta. Em Black Bird, por sua vez, a angústia que acompanha cada indivíduo da trama não foca em heróis ou vilões, mas deixa claro o que é certo e o que é errado; e como os caminhos se cruzam, independentemente do seu passado. Uma percepção que ultrapassa as ideias de bem e mal – se é que é possível separá-las -, e questiona o quão ingênuo ou arrogante alguém pode ser.
12 jurados participam de um julgamento relativamente simples nos Estados Unidos. Um funcionário versus uma empregadora que o acusa de destruir o patrimônio de sua empresa. Por lá, o júri é formado apenas por civis e é dever constitucional de cada um comparecer quando for convocado – então por que não filmar o processo? É assim que Ronald Gladden acaba entre o grupo de 12 pessoas da vez, com a promessa de participar de um documentário sobre esse rito da justiça no país. O que ele não sabe é que ele é o único que está lá com esse propósito: todo o resto, incluindo os outros 11 jurados, os agentes federais, o juiz, a acusadora e até o réu são uma mera armação para emboscá-lo nas situações mais constrangedoras possíveis.
Jury Duty já deixa o público ciente da grande pegadinha acontecendo ali desde o primeiro momento. Apesar de algo realmente estar sendo gravado naquela corte, não é nada parecido com um documentário. No entanto, ao invés de se escorar em um mero programa de chacotas que caçoa do protagonista desavisado, a série cresce justamente por causa da humanidade de Ronald. No estilo mockumentary, a estrela da produção (que sequer sabe que é o centro das atenções) encara o dia a dia do julgamento com a certeza de que tudo está sendo registrado, mas ignorante às reais intenções das câmeras.
Considerada uma das melhores séries de comédia produzidas pela Netflix, Disque Amiga para Matar conta com humor perverso em meio a ironia, exageros e muita sinceridade. O enredo do seriado é centrado na história de Jen Harding – papel interpretado por Christina Applegate – que perdeu o marido em um trágico acidente de carro e que, em meio a tanta desordem, conhece Judy Hale (Linda Cardellini), uma simples mulher que guarda segredos sombrios a respeito de seu passado.
A vida é feita de detalhes, de instantes. Eles podem ser repletos de felicidade ou de tristeza. Trazem consigo o luto e a dor, mas também são acompanhados do amor e da alegria. O nascimento de um bebê, a morte de um parente ou o fim de um casamento são tipos de momentos-chave na história de alguém. Os erros e acertos acompanham o ser humano durante seu tempo na Terra, desde o seu início até o seu fim. Em As Pequenas Coisas da Vida (2023), vemos como Clare Pierce (Kathryn Hahn) se comporta perante suas ações passadas e presentes, e como as pequenas coisas podem virar grandes conflitos, que mudam o rumo do futuro.
É possível apontar para diversos episódios de Cowboy Bebop e pensar “caramba, agora a parada ficou séria”. Não é difícil mencionar outras animações que pegaram o público de surpresa e apresentaram uma trama tão ousada e emocionante em um momento inusitado. Em Avatar: A Lenda de Aang, pode-se citar o episódio em que Toph falha em evitar a captura do bisão Appa pelas mãos da vilã Azula. Em Fullmetal Alchemist: Brotherhood, aconteceu com o inesquecível arco de Nina, uma garotinha com um pai especialista em criar quimeras e o final trágico desta relação.
Em Steven Universo, lembra-se do episódio em que Steven encontra uma fita deixada pela mãe já falecida. Irônico, porque esse episódio presta homenagem direta a justamente um capítulo de Cowboy Bebop. Speak Like a Child também envolve assistir uma fita em uma televisão, só que dessa vez a espectadora é Faye Valentine. A mercenária caloteira, viciada em apostas e sem memória alguma do próprio passado sente um soco no estômago quando percebe que existia muito mais sobre ela mesma para se descobrir a partir do momento que assiste a uma mensagem de décadas atrás.
A quarta temporada de What We Do in the Shadows tinha a faca e o queijo na mão, desde os colegas de quartos vampiros voltando de suas jornadas separadas que os fariam evoluírem como mortos-vivos até a apresentação de conceitos como família, amor e outras construções sociais as quais estamos acostumados – e que são estranhas para seres centenários. No entanto, o queijo foi jogado fora e a faca parece mirar em uma desvalorização ainda maior dos subplots femininos de Nadja (Natasia Demetriou) e em temáticas com contextos racistas, como com Marwa (Parisa Fakhri).
Nove gerentes regionais, três casamentos, seis festas de Halloween, sete festas de Natal, duas edições do Dundies, um atropelamento, um filme e um documentário. A adaptação estadunidense da série de Ricky Gervais e Stephen Merchant reproduziu a rotina de uma empresa de papel no interior da Pensilvânia entre Março de 2005 e Maio de 2013. Em meio às inúmeras ameaças de fechamento, as nove temporadas de The Office mostraram o dia a dia das pessoas que se encontram das 9h às 17h na Dunder Mifflin. Ou melhor, de uma família que se formou diante das câmeras no decorrer dos 201 episódios e acumulou uma audiência que se tornou mais do que clientes interessados em papel.
Na televisão, a regra é clara: quanto mais tempo no ar, mais dinheiro para a emissora. Há pelo menos duas temporadas, O Conto da Aia vem tentando encontrar maneiras de adiar ao máximo seu inevitável fim. A conclusão da quarta renovou os ares para o enredo, com June (Elisabeth Moss) finalmente escapando de Gilead e alcançando sua liberdade, mas, ao arrastar o desenrolar desse novo cenário durante toda a extensão da quinta, a história caiu em mais um ciclo repetitivo. A série, que antes prendia a atenção mesmo diante das sequências mais difíceis de digerir, agora não consegue manter o espectador interessado o suficiente para o próximo episódio.
Há cinco anos, The Marvelous Mrs. Maisel nos conta como é ser uma mulher comediante nos anos sessenta. Não apenas uma mulher, mas uma mulher divorciada que decide trabalhar. Não apenas trabalhar, mas trabalhar com comédia. O fim da série confirma que a produção sempre tentou trazer uma mensagem para além do que é conviver com o machismo, sendo sobre a possibilidade de quebrar as regras que a sociedade nos impõe – não porque se deve, mas porque se deseja. A produção conta uma história sobre ter coragem de fazer o que deve ser feito, para chegar nos lugares que se deseja, mesmo carregando um enorme fardo: ser uma mulher ambiciosa. Vencedora de vinte Emmys, este ano a produção chegou mais uma vez na premiação concorrendo a quatorze prêmios, incluindo Melhor Série de Comédia, e tornando-se uma das preferidas pelo seu brilhante desfecho.