Walden arma uma arapuca sentimental

Walden, presente na 44ª Mostra de SP, defende a máxima de que a memória engrandece o homem, ou a mulher (Foto: Divulgação Imprensa)

Vitor Evangelista

Não tem jeito, somos nossos maiores inimigos. Jana, a calejada protagonista de Walden, prova dessa verdade da pior maneira possível, a do coração quebrado. Ela se lembra do antigo namorado da época da adolescência, e cria um escudo ao redor da memória desse amor, mantendo-se obstinada à voltar para sua terra de origem, de onde esteve exilada por trinta anos. Parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Walden é um filme simples de dor e arrependimento.

O que marca a singularidade de Walden é o seu contexto. Coprodução da França e da Lituânia, o longa é permeado pelo cerceamento de liberdade do segundo país, e a diretora Bojena Horackova (acostumada à filmes políticos e manifestos) narra a história de Jana em dois períodos de sua vida. Primeiro, acompanhamos sua adolescência com a singela e assustada atuação de Ina Marija Bartaité, que encontra o meio termo entre a rebeldia e o bom comportamento. 

Muitas das vivências da personagem se mesclam à vida da diretora, que também lidou com conflitos políticos em sua terra natal (Foto: Divulgação Imprensa)

Assistimos a jovem conhecer seu futuro amor, o badboy Pauilus (Laurynas Jurgelis), que apresenta a garota aos prazeres da vida adulta, ponto que culmina nesse misterioso lago que nomeia o filme. Lago esse super escondido e que só o garoto sabia encontrar. As aventuras da dupla são sempre farejadas pela polícia de Vilnius, capital da Lituânia, que vivia um período de instabilidade do regime comunista. Os personagens sonham em sair daquela prisão e viajar para o Ocidente, com brilhantes planos para o futuro.

E então o roteiro, assinado pela diretora com a ajuda de Marc Cholodenko e Julien Theves, nos joga para trinta anos depois desses acontecimentos. Por volta de 2019, uma Jana adulta retorna ao país que nasceu, depois de ficar exilada na França nessa janela temporal. Quem incorpora a selvageria da mulher é Fabienne Babe. A atriz mais velha usa os traumas como armadura, e seu calcanhar de Aquiles se mantém referente ao lago Walden, que ela não para de falar sobre e quer por que quer encontrar.

“Eu me lembro disso de maneira diferente” (Foto: Divulgação Imprensa)

E assim Walden se constrói, nesse vai e vem temporal e sentimental. A Jana jovem é cheia de sonhos e enxerga no namorado um caminho para alcançá-los, ao passo que a Jana adulta se agarra às memórias dos anos 80 para conseguir ir em frente. A adolescente sofre o trauma da felicidade prematura, que acaba engolindo suas experiências por vir, nada será tão bom quanto o que já foi. A memória que ela cultiva do menino é outro dos fatores que aprisionam sua mente e colocam-na num ringue contra ela mesma.

A cinematografia, responsabilidade de Eitvydas Doskus e Agnès Godard, junto da montagem, assinada por François Quiqueré e Anne Benhaïem, abraçam a natureza fria e gélida da Lituânia e andam juntas na sensibilidade do filme. A visão feminina na hora de contar a história não culpabiliza ou julga Jana, pelo contrário, Walden é um filme sobre como podemos acertar nos equívocos. 

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