Viúva Negra: nem perto da despedida que Natasha Romanoff merece

Cena do filme Viúva Negra. Na imagem, em frente a destroços, vemos as personagens Natasha Romanoff, à esquerda, e Yelena Belova, à direita, lado a lado, olhando para frente. Natasha é uma mulher branca, de cabelos ruivos e longos presos em uma trança, vestindo um uniforme preto. Yelena é uma mulher branca, de cabelos loiros e longos presos, vestindo um uniforme branco.
Viúva Negra foi lançado nas salas físicas e no streaming ao mesmo tempo, inaugurando a Fase 4 da Marvel nos cinemas (Foto: Marvel Studios)

Vitória Lopes Gomez

Mais de uma década depois de sua primeira aparição no Universo Cinematográfico da Marvel, e ao som de Smells Like Teen Spirit, finalmente vemos Natasha Romanoff virar a Viúva Negra. Nos 11 anos desde a estreia da personagem em Homem de Ferro 2, o estúdio não aproveitou o que tinha em mãos e renegou a assassina de aluguel à coadjuvante, mas deu mais tempo (e motivo) para que a injustiçada conquistasse o público. Com a pandemia e o fechamento das salas de cinema, a enrolação da empresa adicionou mais 14 meses à espera até inevitavelmente ceder ao Disney+. Antes tarde do que nunca, Viúva Negra ainda é pouco para a despedida que a Vingadora merece.

O longa começa onde Capitão América: Guerra Civil parou: procurada internacionalmente por violar o Tratado de Sokovia, Natasha (Scarlett Johansson) está foragida, assim como os outros heróis do Team Cap. Ela até tenta se manter fora do radar, mas quando uma maleta com frascos misteriosos chega em suas mãos – e vem acompanhada de um vilão à la Soldado Invernal para recuperá-la -, ela se vê obrigada a reencontrar a irmã, Yelena (Florence Pugh), e confrontar os traumas do seu passado.

Cena do filme Viúva Negra. Ao centro, sentadas em cima de uma moto preta, Natasha, uma mulher branca, de cabelos ruivos presos e vestindo calça e jaqueta de couro preta, segura o guidão, enquanto Yelena, uma mulher branca, de cabelos loiros presos, vestindo uma calça, camiseta e casaco cinza e com uma mochila preta pendurada nas costas, está segurando nela, do banco da garupa.
Em menos de uma semana e em plena pandemia, Viúva Negra bateu recordes de exibição e faturou mais de U$200 milhões só nos cinemas, fora a arrecadação com o Premier Access no Disney+ (Foto: Marvel Studios)

De cara, o prólogo já anima e nos joga na história onde queremos estar. A reviravolta na calma e agradável infância de Natasha (aqui, Ever Anderson) e sua irmã mais nova manda as duas de volta à Rússia, direto ao treinamento para virarem agentes secretas. Embalados por uma releitura que amplifica a mensagem do clássico da Nirvana, os perturbadores créditos iniciais são angustiantes ao saltarem da até então domesticidade para a crueldade da organização que fabrica as Viúvas Negras.

Em pouco tempo, a atmosfera tensa e sinistra que o passado da Vingadora evoca já está mais do que justificada e dá o tom ideal para Viúva Negra – só que não o segue. Corta para o presente (que é passado, na linha do tempo do MCU) e logo cai a ficha: 21 anos se foram em 15 minutos e já assistimos Natasha passar pela traumática preparação e virar a Viúva Negra que conhecemos. Se a Marvel demorou quase uma década só para acreditar que a personagem de Scarlett Johansson se sustentaria em um filme solo, talvez fosse pedir demais que a história de vida completa da agente seja destrinchada como merece.

Com o devido reconhecimento, toda a trajetória de Natasha renderia produções mais do que interessantes, seja em longas no cinema ou em séries no streaming. Infelizmente – e não só pela demora da empresa -, as migalhas do passado em Viúva Negra destroem as chances de a testemunharmos jovem, em treinamento e até tentando escapar da organização. Ainda que as agentes possam – e mereçam – produções inteiramente dedicadas a elas, a descrença da Marvel e o roteiro no tempo errado dão um ultimato para Natasha Romanoff.

Depois de sonhar alto, é melhor aceitar a desilusão e abraçar o que as duas horas seguintes de Viúva Negra têm a oferecer – afinal, essa é a despedida da Vingadora. O passado ficou para trás, mas a encomenda enviada por Yelena força a espiã a viajar a Budapeste e confrontar partes dele. Depois de anos separadas, o reencontro com a irmã mais nova é eletrizante e vai das lutas e cenas de ação aos papos emocionais com direito a drink em família.

Como Natasha descobre, ela não conseguiu matar Dreykov (Ray Winstone), o diretor do programa que treina as Viúvas, e ele continuou capturando meninas inocentes para servirem a seu dispor. Na iniciação, a tortura a qual submetia as recrutadas não era só psicológica e física, mas ele também as manipulava quimicamente para garantir sua influência. Então, Yelena, que também foi forçada ao treinamento e virou uma das maiores assassinas da organização, recorre a Natasha: os frascos enviados contém o antídoto para a subjugação química e, nas mãos certas, podem libertar as Viúvas do domínio de Dreykov.

Cena do filme Viúva Negra. Ao centro, em um corredor vazio, Yelena, uma mulher branca, de cabelos loiros longos presos em um rabo de cavalo, vestindo um uniforme branco, um colete verde escuro e luvas pretas, está agachada no chão em uma pose de combate.
Felizmente, há planos para o futuro de Yelena na Marvel e a agente aparecerá em Hawkeye (Foto: Marvel Studios)

Se a atuação já conhecida de Scarlett Johansson sempre sabe medir entre a frieza e a vulnerabilidade, a personagem de Florence Pugh se destaca. Yelena Belova é tão durona quanto a irmã mais velha, mas descontraída, teimosa e divertida, não demora para roubar a cena. Entre implicâncias e confidências, as duas são a dupla perfeita: atormentadas pelos traumas em comum e acostumadas a estarem por conta própria, encontram uma na outra momentos de fragilidade e apoio necessário para baixarem a guarda.

As irmãs, até há pouco vítimas das torturas da organização, se unem para colocar fim na manipulação de Dreykov, mas precisam de ajuda para encontrá-lo. Assim, Alexei (David Harbour) e Melina (Rachel Weisz), os agentes que haviam sido designados ao disfarce de pai e mãe das protagonistas, entram em jogo. A família disfuncional está reunida novamente.

Cena do filme Viúva Negra. Em frente a destroços, à esquerda, vemos Melina, uma mulher branca, de cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo, vestindo um uniforme branco, de costas e sendo abraçada por Alexei, um homem branco, de cabelos castanhos, vestindo um uniforme vermelho. Ele estende a mão para Yelena, uma mulher branca, de cabelos loiros presos, vestindo um uniforme branco e um colete verde escuro, ao centro. À direita, de perfil, vemos Natasha, uma mulher branca, de cabelos ruivos presos, vestindo um uniforme preto.
Adaptados para o filme, nos quadrinhos Melina é a antagonista Dama de Ferro e Alexei, o Guardião Vermelho descrito como o Capitão América Russo, já foi casado com Natasha (Foto: Marvel Studios)

Mesmo perdendo a mão em alguns momentos, como nas irritantes tentativas de tornar o Guardião Vermelho o alívio cômico, nos exagerados ‘Casos de Família’ ou nos batidos estereótipos russos, o roteiro de Eric Pearson, Ned Benson e Jac Schaeffer sabe como chegar onde quer. Quando somado à direção magnética de Cate Shortland, as interações entre personagens viram o grande destaque e, misturadas às tensas sequências de ação, criam a vibe certa para a condução da história. 

O primeiro e segundo ato envolventes, no melhor estilo filme de espião, indicam uma conclusão espetacularmente sombria – finalmente veremos a Sala Vermelha por completa! -, mas Viúva Negra não escapa da fórmula Marvel. Todo o potencial drama e suspense ao adentrarmos o centro de treinamento, assim como o plot twist com o vilão do filme, são desperdiçados com as cenas de ação espalhafatosas. Os embates em plena queda livre com aeronaves explodindo e um grande sacrifício ainda perdem para a luta inicial de Natasha e Yelena na cozinha.

 Cena do filme Viúva Negra. Na imagem, da esquerda para a direita, vemos Natasha, uma mulher branca, de cabelos ruivos lisos na altura do ombro, vestindo um uniforme branco; Alexei, um homem branco, de cabelos e barba castanhos, vestindo uma camiseta branca velha, uma calça e jaqueta pretas e com tatuagens na região do peito,; e Yelena, uma mulher branca, de cabelos loiros presos, vestindo um uniforme branco e um colete verde e luvas verde escuras. Ele segura a mão das duas e elas o encaram.
Com Viúva Negra, a diretora Cate Shortland fez sua estreia no gênero dos heróis; Pearson, o roteirista, já era conhecido da Marvel e trabalhou em Thor: Ragnarok, Vingadores: Ultimato e Vingadores: Guerra Infinita (Foto: Marvel Studios)

Quando, finalmente, cara a cara com Dreykov, era de se esperar que os abusos sofridos pelas agentes recebessem a atenção que o tema pede. Se as protagonistas só embarcaram na missão para libertar as Viúvas, que sofrem com o mesmo que as duas sofreram na infância e ainda carregam os traumas consigo, a motivação é ofuscada pela porradaria e a sensibilidade resume o assunto a um subtexto de uma narrativa maior. A abordagem de um dos temas mais importantes acaba superficial frente ao que poderia ser, mas as espiãs continuam espalhadas e infiltradas por aí e a Marvel ainda pode fazer jus a elas.

Falando em fazer jus, em tempos em que até uniformes confortáveis e apropriados para lutas são alvo de reclamações, ainda temos que destacar a importância das mulheres contarem suas próprias histórias. Anos atrás, a intérprete da Viúva Negra só queria que a personagem fosse retratada devidamente, sem ser objetificada ou sexualizada para a apreciação do público masculino. Em Black Widow, com o protagonismo feminino à frente e por trás das câmeras, a visão de Scarlett Johansson se concretizou: olhando em retrospecto à primeira aparição de Natasha no MCU, seu filme solo arranca um suspiro de alívio.

Cena do filme Viúva Negra. À esquerda na imagem, vemos Yelena, uma mulher branca, de cabelos loiros lisos presos em um rabo de cavelo, vestindo um uniforme branco e um colete verde escuro, com a testa apoiada na de Natasha, á direita, uma mulher branca, de cabelos ruivos lisos presos em uma rabo de cavalo, vestindo um uniforme preto, que aparenta estar chorando.
A doída cena pós-créditos conclui a história de Natasha e abre um mar de possibilidades para o futuro de Yelena (Foto: Marvel Studios)

Apesar de tudo e mesmo com as limitações que o futuro impõe – a Guerra Infinita já passou, Thanos e a rixa dos Vingadores também -, Viúva Negra não aproveita a liberdade que uma produção deslocada e isolada confere. As revelações do passado, das origens e das relações da agente são menores do que gostaríamos, mas nos aproximam da Vingadora. 

Ao final, o filme solo de Natasha é envolvente e afetuoso ao enriquecer a personagem, que é bem mais do que a assassina treinada a qual fomos introduzidos. Ainda que a despedida não tenha chegado nem perto do que ela merecia, Natasha Romanoff é mais querida depois de Viúva Negra.

Deixe uma resposta