Poker Face não esconde o jogo, mas tem várias cartas na manga

Cena da série Poker Face. Nela vemos Natasha Lyonne interpretando Charlie Cale, uma mulher branca de cabelo loiro extremamente bagunçado. Charlie veste uma camiseta laranja, um casaco de couro na cor marrom e calça e botas pretas. Ela está em um bar onde ocorre um show de rock, por isso, há uma multidão a erguendo.
Poker Face é uma forte candidata para o título honorário de ‘Melhor Série do Ano que Você Não Viu’ (Foto: Peacock)

Guilherme Veiga

A TV é um território onde não se pode errar, mesmo com as produções desastrosas sempre existindo, inclusive na história recente. Nesse sentido, criou-se um lugar seguro de gêneros em que se pode transitar. Tais segmentos definem uma moda em seu respectivo tempo: os anos 2000 foram férteis para as séries de ‘casos da semana’ com House, Supernatural e CSI nadando de braçada; atualmente, as antologias tem seu lugar ao sol com o sucesso estrondoso de Black Mirror e seus filhos como Love, Death & Robots

Porém, toda moda, na verdade, é cíclica. As antologias retomam Além da Imaginação e Contos da Cripta, enquanto o que moldou a Televisão no início deste século bebe de Columbo, série dos anos 1970 que catapultou o gênero de investigação como o conhecemos. Respeitando o intervalo de, pelo menos, duas décadas entre tendências, assim como a estética y2k, Poker Face promete ser a precursora de um possível movimento de retorno.

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Do esgoto de Hollywood a suas telas: The Idol prova que polêmicas não trazem um hit e qualidade

Cena da série The Idol. Na imagem há Lily-Rose Depp, uma mulher branca e loira à frente, com a cabeça levemente virada para a direita e uma camiseta regata branca com decote, ela é abraçada por trás por Tedros, The Weeknd, um homem negro, com barba, óculos escuros e camisa branca com alguns detalhes triangulares em preto. Ambos estão sorrindo. Ao fundo, é possível enxergar algumas pessoas dançando. A fotografia foi tirada em uma balada.
No Festival de Cannes, o diretor Sam Levinson afirmou que as controvérsias fariam de The Idol a maior série do verão (Foto: HBO Max)

Talita Cardoso

Abusos da mídia, dores físicas e psicológicas de artistas, transtornos desencadeados pelo meio e todos os bastidores podres da indústria musical de forma nunca antes vista. Foi o que The Idol prometeu explorar ao narrar a perspectiva de Jocelyn (Lily-Rose Depp), uma cantora mentalmente instável e fisicamente ferida pela profissão, que tem sua vida e a forma como enxerga a arte alterada ao conhecer um problemático produtor musical, Tedros (The Weeknd).

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Escrevemos nos muros o que sentimos na Pele

Cena do documentário Pele, de 2021. A imagem mostra um apoio de viaduto, em que a metade inferior possui um grafite de uma mulher deitada, em tons de vermelho, com cabelos pretos. Em frente ao grafite, há uma mulher branca, de cabelos escuros e roupas pretas praticando ioga
No meio de uma avenida movimentada, pode-se achar um momento de calma (Foto: Embaúba Filmes)

Laura Hirata-Vale

O toque pode ser áspero, macio, quente ou gelado. Pode ter uma sensação seca ou hidratada. O maior órgão do corpo humano é a pele e é por meio dela que é possível não só sentir a dor e a temperatura, mas também as conexões se formarem, os pelos eriçarem e os sentimentos se aflorarem. É na pele que escrevemos lembretes, tatuamos frases, desenhos e lembranças. Os muros e as paredes das cidades também passam por um processo parecido: por meio de escritos, desenhos e lambe-lambes, as superfícies das florestas de concreto se colorem, e são aquecidas e resfriadas com o passar do dia. No documentário Pele (2021) – dirigido por Marcos Pimentel, produzido pela Tempero Filmes e distribuído pela Embaúba Filmes – a relação entre o meio urbano, a arte e a manifestação de ideias é explorada de forma simples, musical, cotidiana e cheia de denúncias. 

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Folhas de Outono é uma comédia romântica sem paixão

Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Folhas de Outono integrou a seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: O2 Play)

Vitória Gomez

Em um dia cinza, uma trabalhadora de um supermercado é demitida por furtar uma refeição vencida, que iria para o lixo. Pouca diferença faz, já que um serviço tão mecânico poderia ser melhor aplicado em qualquer outro lugar. Na mesma cidade, mas aparentemente sem conexão nenhuma, um homem alcoólatra é dispensado por beber no trabalho. Para ele, a mesma coisa: com exceção do salário no fim do mês, pouco importa. É nesse cenário de desilusão e desesperança total que ambos se encontram, e Folhas de Outono mostra que é possível fazer comédia romântica sem nenhuma paixão ou graça.

Presente na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no Festival de Cannes, o longa do finlandês Aki Kaurismäki parte de um lugar comum: uma demissão – ou melhor, duas demissões. No entanto, com a constante frieza do trabalho assombrando o dia a dia, as risadas se fazem no absurdo e na solidão compartilhada entre dois protagonistas que igualmente buscam por conexão humana (ou animal) em meio a um cotidiano de sobrevivência.

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O pesadelo feminino toma forma em The Royal Hotel

Cena do filme The Royal Hotel. Da esquerda para direita, Liv (Jessica Henwick) abraça por trás Hanna (Julia Garner) e descansa a cabeça em seu ombro. As amigas estão em uma sacada, olhando para o lado de fora.
Kitty Green colabora novamente com Julia Garner, estrela do seu filme anterior, A Assistente (Foto: Universal Pictures)

Giovanna Freisinger

Um bar fuleiro, na fronteira de uma remota cidade mineradora no deserto australiano, com a população majoritariamente masculina. Essa é a ambientação de The Royal Hotel. Não tem espíritos possessivos nem psicopatas mascarados, mas é um cenário para um filme de terror tão assustador quanto, senão mais. Pergunte a qualquer mulher. A diretora Kitty Green aperfeiçoa o pesadelo feminino, comunicando eficientemente a sensação de ser observada como um pedaço de carne fresca, em meio a predadores famintos. O suspense se constrói sobre aquilo que é desconfortável, sinistro e, assustadoramente, familiar. 

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Em Ousamos Sonhar, o refúgio é a esperança

Trazendo à tona os desafios dos imigrantes no esporte, Ousamos Sonhar fez parte da Competição Novos Diretores da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Violet Films)

Jamily Rigonatto 

Lutar, correr e persistir, três verbos que se encaixam perfeitamente nas rotinas de dois mundos aparentemente distantes: esporte e imigração. Ousamos Sonhar é o ponto de encontro, uma prova de que universos se fundem e são capazes de dobrar a força de qualquer palavra. No filme, dirigido por Waad al-Kateab e presente na Competição Novos Diretores da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, os sonhos ultrapassam as linhas das fronteiras territoriais. 

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A Sibila: Literatura e Cinema andam de mãos dadas

A adaptação literária A Sibila integrou a 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na seção Novos Diretores (Foto: Alfama Films)

Vitória Gomez

O Cinema, enquanto Arte, amplia horizontes. Seja ao apresentar pontos de vistas únicos que fazem o espectador pensar duas vezes ou retratar uma cultura diferente, entrar em contato com o desconhecido pode também ser desafiador. Na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, A Sibila é um desses desafios para um público desavisado: o longa, presente na seção Novos Diretores do festival, adapta o romance homônimo de uma importante escritora portuguesa, Agustina Bessa-Luís.

No entanto, diferente de outros escritores portugueses, Bessa-Luís não virou leitura obrigatória no Ensino Médio ou nos vestibulares, e a adaptação de sua obra, tida por muitos como impossível de ser realizada pelo tom de monólogo, instiga o público a pensar em como a Literatura e o Cinema se constroem, se conectam e se sobrepõem (se é que o fazem). Em pouco mais de uma hora, Eduardo Brito, diretor estreante em longas-metragens, assume o desafio e questiona esses limites.

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Após 10 anos, Jogos Vorazes – Em Chamas ainda deixa nossos corações incendiados

Cena do filme Jogos Vorazes - Em Chamas. A imagem é uma fotografia de Katniss e Peeta. Ao lado esquerdo está Katniss, uma mulher branca, de rosto arredondado e cabelos e olhos verdes olhando para o lado. A mulher está vestindo um vestido laranja e preto, que aparenta estar em chamas. No lado esquerdo da fotografia está Peeta, um homem branco de cabelos loiros vestido com uma bata laranja e preta que aparenta estar em chamas.
Talvez a sorte não esteja tão a favor assim de Katniss (Foto: Lionsgate)

Fábio Gabriel Souza

Sorriem, fiquem eretos. Vocês estão no ar

– Effie Trinket

Após 10 anos do lançamento, é interessante analisar um filme que se mantém tão atual se comparado com a realidade geopolítica do mundo. Jogos Vorazes – Em Chamas acontece no país distópico e totalitário de Panem, onde 12 distritos são governados com mãos de ferro pela Capital. Após uma guerra devastadora, conhecida como Dias Sombrios, os Jogos Vorazes foram instituídos como punição, em que uma garota e um garoto de cada distrito lutariam até a morte em uma arena, sobrevivendo apenas o mais forte.

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Há 40 anos, King quase enterrou O Cemitério – e que bom que isso não aconteceu

Alerta de gatilho: violência explícita, morte e luto

Capa do livro O Cemitério. A capa tem um fundo que na parte posterior tem lápides e na parte inferior tem um gato felpudo com coloração preta e reflexos brancos, está com os olhos brancos. Na parte superior, tem os dizeres "Stephen King" em branco. Já embaixo, há o título do livro "O Cemitério" e o logo da Editora Suma em vermelhos. A letra "c" de cemitério lembra o rabo de um gato.
O Cemitério é a personificação da morte em todos os sentidos (Foto: Companhia das Letras)

Marcela Lavorato

O Cemitério plantado por Stephen King colhe frutos há 40 anos. O motivo é simples: o livro é uma descrição minuciosa dos sentimentos humanos em torno de um fato que não nos é explicado, mas que esperamos vir inevitavelmente ao longo da vida – a morte. Na verdade, a morte não é algo simples, mas percorre a base do natural e do orgânico, algo que já nascemos com ela, pois sabemos que um dia irá acontecer, mas nunca esperamos ser tão cedo. A narrativa de Pet Sematary – título original -, portanto, abre portas para tramas brutas e reais que fazem o leitor experimentar todos os sentidos ao ler essa obra-prima do terror.

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Mussum, o Filmis: o samba e o humor brasileiro agradecem

Maior estreia nacional em 2023, Mussum, o Filmis integrou a programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Downtown Filmes)

Vitória Gomez

Mussum, o Filmis chegou às telas em uma safra fértil para as personalidades brasileiras: alguns meses depois de Nosso Sonho, junto do documentário Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você e Meu Nome é Gal, e pouco antes de Meu Sangue Ferve por Você. Haja cultura e diversidade em um ano em que, independentemente dos desempenhos individuais de cada obra, o Cinema nacional mostrou a potência que é – e que poderia ser ainda maior com políticas públicas que verdadeiramente valorizassem esse potencial. Para melhorar, a envolvente cinebiografia do sambista, ator e comediante Mussum, eternamente conhecido pelo seu papel como um dOs Trapalhões, arranca risadas fáceis e, não por menos, estreou com seis Kikitos do Festival da Gramado na bagagem, além de passagens pelo Festival do Rio 2023 e pela 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Mostra Brasil.

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