Do vexame à morte, Bodies Bodies Bodies não tem pudor de si mesmo

Imagem do filme Bodies Bodies Bodies. A foto é retangular e bastante escura. Ela mostra, no centro, quatro das cinco protagonistas do filme. As quatro estão mexendo em uma mala sobre uma cama, o ângulo da câmera as captura da cintura para cima. Da esquerda para a direita: A primeira é Bee, personagem de Maria Bakalova. Maria é uma mulher branca, cabelos loiros que estão presos em um rabo de cavalo. Ela é a que menos aparece na imagem, parcialmente escondida pelos corpos das demais, e segura uma lanterna que é uma das poucas fontes de luz da cena. Ao seu lado está Sophie, interpretada por Amandla Stenberg. Ela é uma mulher negra, com cabelos longos em tranças e luzes loiras. A próxima, ao lado, é Jordan, papel de Myha'la Herrold. Ela é uma mulher negra, usa os cabelos escuros presos no alto da cabeça e segura outra lanterna sob um dos braços. A última, no canto direito, é Alice, personagem de Rachel Sennott. Rachel é uma mulher branca, de cabelos castanhos cacheados. Ela segura um copo com uma das mãos e tem vários colares neon, de festa, no pescoço.
Registrando 86% de aprovação no Rotten Tomatoes, o longa é uma das produções de Terror mais bem avaliadas de 2022 (Foto: A24)

Mariana Nicastro e Vitória Vulcano

Morte. Morte. Morte.” É o que você deve gritar se achar um corpo. O slasher do estúdio A24 aborda o reencontro de antigos amigos que decidem confraternizar em uma noite tempestuosa. Porém, o choque do presente estremece o grupo, que sempre se escondeu sob um véu de mistérios e mentiras. Então, o que seria melhor do que juntar álcool e drogas a um intenso jogo de Bodies Bodies Bodies – uma mistura de Cidade Dorme com Among Us da vida real – na companhia de um verdadeiro homicida?

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O rei pálido é o The Office existencialista de David Foster Wallace

Finalista do prêmio Pulitzer, O rei pálido chegou ao Brasil em março de 2022 e foi um dos recebidos do Persona na parceria com a editora (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Clara Abbate)

Bruno Andrade

“Autor aqui. Ou seja, o autor de verdade, o ser humano vivo que segura o lápis, não alguma persona narrativa abstrata. […] Este aqui sou eu enquanto pessoa real, David Wallace, quarenta anos, RG 975-04-2012, que me dirijo a você da minha casa dedutível em Formulário 8829 no número 725 do Indian Hill Blvd., Claremont 91 711 CA, neste quinto dia da primavera de 2005, para lhe informar o seguinte: Tudo aqui é verdade. Este livro é real de verdade” (pág. 79-80).

O tédio é o pássaro que choca os ovos da experiência”, escreve Walter Benjamin no ensaio O narrador. Mesmo que o tédio ressoe no cotidiano, talvez seja no imprevisível best-seller de Byung-Chul Han que diversas sensações contemporâneas tenham sido melhor delimitadas. Em Sociedade do Cansaço (2010), o filósofo sul-coreano traça um poderoso diagnóstico dos nossos tempos: cada época tem suas “enfermidades fundamentais”; enquanto a passada sofreu com crises biológicas, a atual sofre com adoecimentos neuronais (depressão, síndrome de Burnout, TDAH, etc.). Estamos mentalmente debilitados, quebrados por um excesso de positividade.

A resposta original a essa condição é uma reação existencial, mas não exatamente algo espetacularizado, e sim o silêncio, o ócio, a “capacidade de refletir” em contraste a um mundo que exige discursos infinitos, respostas imediatas e desejos efêmeros. Mas como não confundir reflexão com o tédio? Numa sociedade dominada pela indústria cultural, sentir-se entediado não seria, por si só, uma reivindicação da consciência? Esse é o objeto da tese que David Foster Wallace expõe no inacabado O rei pálido (2011), romance publicado após sua morte.

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A Saída Está À Nossa Frente: as portas de emergência não se abrem para todos

Cena do filme A Saída Está À Nossa Frente. Na imagem, Tracy Staggs aparece de costas colocando uma mesa desmontável no chão. A personagem é branca e está de pé. Ela veste um conjunto de calça e casaco de moletom, as peças de roupa são cinza com detalhes em rosa e preto. O cabelo é loiro e está preso. Ao redor há grama e uma árvore seca, também aparecem uma bicicleta rosa e uma azul no canto inferior direito. No lado esquerdo há alguns objetos atulhados.
A Saída Está À Nossa Frente aborda a vida norte-americana de uma perspectiva alternativa; o filme fez parte da Competição Novos Diretores na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Hamilton Film Group)

Jamily Rigonatto 

A narrativa do modo de vida americano presente em comerciais, produtos culturais e campanhas estadunidenses nos mostram uma realidade brilhante – moldada pela visão liberal do que isso significa. A ideia de desenvolvimento e sucesso escondem realidades nas quais o luxo e a tecnologia não estão presentes. Em A Saída Está À Nossa Frente, do diretor Rob Rice, o valor das pessoas que não vivem sob os holofotes de Hollywood caminha em linhas retas, sem possibilidades de pontos de fuga. A produção independente fez parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na Competição Novos Diretores, e com imagens tremidas e baixo orçamento, invade um horizonte tão real quanto cruel. 

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Cuidado: Aftersun causa enjoo emocional

Cena do filme Aftersun, mostra pai e filha dançando abraçados. Ao fundo, vemos pessoas desfocadas.
Irlandesa radicada em Nova Iorque, Charlotte Wells impressionou Cannes e Toronto antes de trazer Aftersun para vencer a Competição Novos Diretores da 46ª Mostra de SP (Foto: MUBI)

Vitor Evangelista

Trabalhar o conceito da memória na Arte é uma artimanha e tanto. Para evocar o sentimento que viveu há cerca de duas décadas, é atrás das lembranças que vai a cineasta Charlotte Wells na confecção de Aftersun. A trama reflete um episódio experienciado pela irlandesa no fim dos anos noventa: uma viagem de férias à Turquia ao lado do pai, e seu apreço pela imagem como instrumento de ternura e captura do tempo.

A pequena Sophie (Frankie Corio) é a bússola do longa de estreia de Wells, parte da Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e eleito o Melhor Filme pelo Júri com o Troféu Bandeira Paulista. Ao lado do pai Calum (Paul Mescal), ela comemora o aniversário de 11 anos entre o quarto de hotel, a piscina, o oceano e as muitas caminhadas pelo ensolarado país euro-asiático, gravando as aventuras por meio de uma filmadora miniDV.

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Nada de Novo no Front: um filme de guerra humanista em que falta humanidade

Cena do filme Nada de Novo no Front. No lado direito da imagem, temos um homem branco não identificado, vestindo blusa preta, touca cinza e uma máscara facial branca. Ele está abraçando o ator Felix Kammerer, um homem branco de expressão triste, vestindo um casaco cinza e um capacete preto. Ao fundo, temos algumas estacas e o resto do cenário está desfocado. A cena acontece durante o dia, mas a foto está tratada em preto e branco.
Na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a nova versão de Nada de Novo no Front, exibida na seção Perspectiva Internacional, mantém a mensagem anti-guerra do material original (Foto: Netflix)

Nathan Nunes 

Nada de Novo no Front é um livro escrito por Erich Maria Remarque, baseado nas suas próprias experiências como veterano alemão na Primeira Guerra Mundial. Publicado em 1929, o texto não demorou a ser transposto para o Cinema, com a adaptação Sem Novidade no Front sendo lançada um ano depois. Dirigido por Lewis Milestone, o longa fez tanto sucesso que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1931, consagrando-se como a primeira adaptação literária a conquistar essa honraria, bem como a primeira vitória conjunta da categoria principal com o prêmio de Melhor Diretor. Agora, 91 anos depois, o diretor Edward Berger (Patrick Melrose e Your Honor), em parceria com a Netflix, traz uma nova versão de mesmo nome do material base para o streaming, exibida na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na seção Perspectiva Internacional. 

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Flux Gourmet é um delicioso banquete difícil de digerir

Cena do filme Flux Gourmet. Nela, vemos os três integrantes que compõem o coletivo artístico-culinário. Ao centro temos o personagem Billy interpretado por Asa Butterfield, um jovem branco de cabelos pretos com uma grande franja. Ele usa uma jaqueta jeans, camiseta vinho e calça jeans. Sua cabeça está arqueada e sua boca levemente aberta. Mais atrás, dos lados direito e esquerdo, temos duas mulheres, a da direita, loira e a da esquerda, de cabelo castanho cor de mel. As duas estão de costas, fazem movimentos com as mãos na altura do rosto e vestem uma espécie de vestido fúnebre na cor preta. Ao fundo, há uma parede que reflete uma luz azul.
O filme chega em terras brasileiras através da seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Bankside Films)

Guilherme Veiga 

Cozinhar, definitivamente, é uma Arte. Mesmo não estando inclusa entre as sete, a gastronomia sabe emular todas as sensações que as outras conseguem, às vezes de forma mais impactante e convincente que as demais. Seja pelo conforto e ternura de uma comida feita pela mãe, seja pela explosão sensorial do prato principal feito em um restaurante três estrelas Michelin ou até mesmo pela agonia que é experimentar algum ingrediente exótico. São essas experiências que Flux Gourmet, co-produção entre Reino Unido, Estados Unidos e Hungria, em cartaz na Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e que estreou no Festival de Berlim, busca instigar.

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Eles podem até ser os presidentes, mas quem manda são as primeiras-damas!

Foto da série The First Lady. Na imagem está a personagem Michelle Obama, interpretada pela atriz Viola Davis. Michelle é uma mulher negra, tem cabelos pretos ondulados de comprimento médio e está usando um vestido frente única com estampas geométricas em preto e branco. Ela está sentada com uma mão sob o queixo e a outra segurando a perna, seu rosto é sério com um leve bico nos lábios. Ao fundo, há uma parede branca e bege com textura listrada.
Mesmo com o elenco de peso, The First Lady não chegou a ser citada nas categorias principais do Emmy de 2022 (Foto: Showtime)

Jamily Rigonatto

Trazer figuras importantes diretamente do cenário político-social norte-americano para os holofotes dos palcos do audiovisual tem sido uma estratégia explorada pelos roteiristas e diretores da indústria cinematográfica. Seguindo a linha de produções como Mrs. América e Gaslit, The First Lady escolhe retratar os eventos de três presidências dos Estados Unidos pelo outro lado da moeda. Na antologia lançada em 2022 pela emissora Showtime, a Casa Branca abre os portões para visitas com anfitriãs que não poderiam ser mais ilustres. 

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The Great: Com elegância e estratégia, Catarina molda seu império

Fotografia da série The Great. A imagem é retangular e mostra a personagem Catherine da cintura para cima, centralizada. Ela está em um salão fechado, com paredes detalhadas e douradas. Catherine é interpretada por Elle Fanning. Elle é uma mulher jovem, loira, branca com um nariz pequeno e traços delicados. Ela usa um vestido dourado, de época. Em sua cabeça há uma coroa grande, de rainha. Ao fundo só há uma parede atrás de si.
I am terrifying” (“Eu sou aterrorizante”) – Catherine, A Grande (Foto: Hulu)

Mariana Nicastro

HUZZAH! A Rússia é de Catherine na segunda temporada de The Great (ou A Grande, em seu título original). Proveniente do Hulu e disponibilizada no Brasil pelo Starzplay, a série chegou de mansinho, sem muito alarde. Porém, basta uma olhadinha na premissa instigante da ascensão do poder feminino na monarquia russa do século dezoito somada a um tom satírico, divertido e muito atual para conquistar o público com um equilíbrio incrível entre Comédia e Drama, e atuações dignas de um Emmy.

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3 vezes é burrice: The Umbrella Academy precisa parar o fim do mundo…. de novo

Sentada no sofá, na ponta esquerda, encontra-se Lila, uma mulher de tamanho mediano, cabelo tingido de branco, e de ascendência indiana, usando um vestido preto com mangas cumpridas, com um cinto na cintura, ela segura no antebraço do sofá e cruza as pernas. Ao seu lado está Diego, um homem latino-americano, com um cavanhaque ralo, cabelo curto castanho, uma mão posicionada na coxa direita e a outra enfaixada em um tecido branco. Ele usa uma jaqueta de couro e calças pretas. A sua direita está Ben, um homem de ascendência asiática, com cabelo preto espetado, que usa uma blusa de manga comprida azul marinho com listras brancas e segura um balde de salgadinhos de queijo e sorri com os lábios pressionados. Na ponta direita do sofá, com cara de assustado, está Cinco, um jovem que aparenta ter uns 14/15 anos e usa um paletó preto completo, com gravata. Ele tem uma expressão de choque e apoia um braço no sofá e o outro na perna. Ao fundo deles está a sala da Umbrella Academy, grande e iluminada pelo Sol.
A série The Umbrella Academy é baseada em um gibi de nome homônimo lançado em 19 de setembro de 2007, escrita por Gerard Way e ilustrada por Gabriel Bá (Foto: Netflix)

Ana Nóbrega

Third time’s a Charm(em português “a terceira vez é um charme”) é um ditado estadunidense que significa que quando algo é tentado pela terceira vez, o resultado com certeza vai ser sorte. A frase exemplifica com louvor a terceira temporada da série The Umbrella Academy, que chegou à Netflix no dia 22 de junho de 2022, trazendo consigo a volta dos irmãos Hargreeves e sua luta infinita contra o fim do mundo. 

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Cuidado! Rock escorregadio e Bon Jovi malicioso: 36 anos de Slippery When Wet

Imagem da arte de capa do disco Slippery When Wet do Bon Jovi. A arte consiste na fotografia de um saco de lixo preto molhado em que o título do álbum pode ser lido. Na parte superior, em letras vermelhas com bordas brancas está o nome da banda de rock.
Lançado no ano anterior, Slippery When Wet foi o disco mais vendido de 1987 (Foto: Mark Weiss)

Nathalia Tetzner

O ano era 1986 e Bon Jovi se deixava escorregar por lugares ainda não explorados com Slippery When Wet, o terceiro projeto em estúdio da banda. Marcadas pela sonoridade do hard rock, as 10 faixas transitam com malícia pela euforia e provocam a sensação de congelar o tempo, atos que explicam as 12 milhões de cópias certificadas pela Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA) e a presença na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall Of Fame. Em 2022, 36 anos desde o seu lançamento, o disco prova a sua atemporalidade com as composições que se tornaram clássicas.

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