Pode a Arte imitar a realidade sem se basear nela? Pode a vida de alguém virar arte se não houver autorização? Todd Haynes prova que sim. Tão melodramático quanto bem-humorado, Segredos de Um Escândalo, inspirado em uma história real, mostra que o papel da arte não é necessariamente passar as coisas a limpo. Do contrário, a obra disseca os restos do que um dia foi um escândalo, reimaginando os ecos reais dele muito tempo depois que os noticiários se esqueceram.
Há como argumentar que não há sentimento mais antigo à humanidade do que a fome. Não apenas a sempre presente fome metafórica para expandir a experiência humana (poder, conhecimento, amor, etc), mas a fome que serve ao imperativo biológico máximo: sobrevivência. Todos nós nascemos com um espaço vazio na barriga, que grita para ser preenchido que paradoxalmente nunca o será – pelo menos não por muito tempo. Neste exato momento, se você se concentrar, é possível olhar para dentro e sentir a besta arreganhando os dentes ou lambendo as patas, se preparando para a próxima caçada. Até que ponto você consegue deixar ela enjaulada?
Na segunda temporada de Yellowjackets, drama do Showtime indicado ao Emmy, nos reencontramos com o time de futebol feminino de Wiskayok High, dessa vez tendo que sobreviver ao brutal inverno canadense, com a falta de comida e tensões crescentes entre o grupo ameaçando enterrá-las sob a neve. Em um flashforward para o momento de seu resgate, diversos repórteres se amontoam sobre elas, todos desejando serem os primeiros a perguntar o que todos querem saber: como elas sobreviverem lá fora? Lottie (Courtney Eaton) é a única a oferecer uma resposta, na forma de um grito primal e sinistro que ecoa sobre a audiência antes de ser engolido pela abertura do seriado.
Ela não gritou quando viu uma aranha assustadora e escolheu os acordes da guitarra em troca das sapatilhas de balé, mas dentro dela sempre existiu um desejo oculto: o de se tornar uma musa pin-up, daquelas que os meninos colecionam posters. Então, começou a ler revistas para adolescentes e a depilar as pernas na tentativa de se tornar a rainha do baile de alguém. Ainda assim, ela continuou invisível para eles. Há 15 anos, o álbum One of the Boys dava luz a Katy Perry, essa jovem que procurava incessantemente o seu lugar no mundo e que não teve outra escolha a não ser se infiltrar entre os garotos para deixar a sua marca.
Duas mães, duas Espanhas, dois paralelos. Uma mãe dá à luz a uma criança nascida do amor. Outra, à uma criança nascida da dor. Uma Espanha segue sem culpas do passado sombrio do Franquismo. Outra carrega consigo os traumas geracionais de vestígios mortais dos ossos inidentificáveis que jazem em covas ilegítimas. Firmado pelos opostos, em Mães Paralelas (no original, Madres Paralelas) Pedro Almodóvar posiciona passado e presente, ambos em confronto entre si. O longa dá sequência ao universo melodramático deslumbrante – mas cru – do cineasta espanhol, desta vez, como manifesto político. O leite já foi derramado e o resquício azedo de sua sujeira continua incrustado nos rejuntes do país. Resta, aceitá-lo.
Lil Nas X surgiu em 2019 já transgressor, explodindo com um hit chiclete que mesclou country e hip-hop, dois gêneros praticamente antagônicos, e ainda reivindicando-se como parte de ambos, apesar da insistente relutância da indústria. Old Town Road, sua primeira empreitada musical, desafiou as fronteiras arbitrárias impostas entre gêneros e enfrentou uma tradição racista e homofóbica que domina a música countryaté hoje. Ao mesmo tempo, claro, que tornou-se um viral instantâneo.
Ainda que críticos tenham alegado que não passava de uma moda passageira, o artista provou que tinha muito mais a oferecer. Depois de sair do armário no seu auge de popularidade, sua proposta disruptora só se fortaleceu. Desde então, quanto mais o desprezam e deslegitimam por sua sexualidade, mais ele faz questão de enviadescer aos holofotes. O ápice dessa rebeldia é MONTERO, o álbum de estreia de Nas X, revelando já no título, que carrega seu nome real, o caráter íntimo e autoral da obra, atravessada por temas como amor, sexo, homofobia, depressão e autoestima.
Se em 2009 Garota Infernal foi considerado um crasso fracasso, após uma década de seu lançamento o filme se restabeleceu como Terror cult feminista à frente de seu tempo. Escrito por Diablo Cody, dirigido por Karyn Kusama e protagonizado pela dupla Megan Fox e Amanda Seyfried, Garota Infernal é um estudo de caso sobre como um roteiro perspicaz, um enquadramento subversivo da câmera e personagens autoconscientes são capazes de transfigurar o olhar masculino predominante no gênero, pondo em foco a perspectiva feminina quanto às violações do corpo através de Jennifer e, bem, “O inferno é uma garota adolescente”.