One of the Boys: 15 anos desde que Katy Perry se infiltrou entre os garotos para deixar a sua marca

Capa do álbum One of the Boys de Katy Perry. Na imagem, ela aparece deitada sobre uma esteira de descanso. Perry é uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros. A cantora está com uma das mãos apoiadas na esteira enquanto leva um óculos de sol à boca com a outra. Katy Perry veste um shorts jeans azul, um top vermelho com detalhes em branco, sandálias vermelhas e um chapéu azul. Ao fundo, o cenário é composto por um gramado repleto de flores e decorações como um flamingo e uma vitrola na cor rosa. Há também um cercado branco e um céu azul repleto de nuvens brancas. Na parte superior da arte de capa, o nome “Katy Perry” aparece estilizado e destacado em rosa e branco. Já na parte inferior, o nome do disco “One of the Boys” está escrito em letra cursiva azulada.
Em 2008, o lançamento de One of the Boys trouxe Katy Perry ao mundo (Foto: Capitol Records)

Nathalia Tetzner

Ela não gritou quando viu uma aranha assustadora e escolheu os acordes da guitarra em troca das sapatilhas de balé, mas dentro dela sempre existiu um desejo oculto: o de se tornar uma musa pin-up, daquelas que os meninos colecionam posters. Então, começou a ler revistas para adolescentes e a depilar as pernas na tentativa de se tornar a rainha do baile de alguém. Ainda assim, ela continuou invisível para eles. Há 15 anos, o álbum One of the Boys dava luz a Katy Perry, essa jovem que procurava incessantemente o seu lugar no mundo e que não teve outra escolha a não ser se infiltrar entre os garotos para deixar a sua marca.

Seguindo com o tom desafiador e, até mesmo, irônico da faixa-título, Perry dedicou a maior parte do disco em provar que, ainda que se esforçasse, a delicadeza de colares de pérolas nunca a satisfariam como a provocação despertada por acessórios adornados de cerejas. E não é que a irreverência convenceu? A sonoridade pop rock misturada com a imaginação fértil da cantora resultou em algo completamente diferente do que as outras garotas da Música estavam fazendo em 2008. Ela veio, de fato, para mudar o jogo da indústria com uma declaração que não poderia ser mais incisiva para o seu primeiro projeto sob o nome artístico.

Influenciada por Alanis Morissette e toda a ruptura causada na década de 1990 pelo álbum Jagged Little Pill, Katy Perry estava decidida em emplacar as 13 faixas de One of the Boys e se transformar em uma inspiração para as novas gerações de ouvintes. De uma certa maneira, Perry tinha em mente a necessidade de reproduzir o que Morissette significou para ela durante a sua juventude. Por isso, a fim de alcançar uma rachadura no ordinário, a californiana adotou temas que os artistas masculinos exploram sem limites desde que o universo foi criado: o sexo e a sexualidade.

Fotografia da cantora Katy Perry. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, olha diretamente para a câmera que, por sua vez, a captura apenas a partir do busto. Perry usa um batom vermelho e veste uma blusa de manga que deixa os ombros descobertos. A peça é estampada com flores nas cores: vermelho, branco e verde. Ao fundo, o cenário é o jardim de uma casa. Katy Perry está sentada em uma rede.
As composições repletas de duplo-sentido se tornaram uma marca registrada da artista (Foto: Todd Selby)

O diferencial aqui não caiu no pioneirismo e sim na abordagem, afinal, outras cantoras já haviam trilhado esse caminho tortuoso para as mulheres anteriormente. É através das bochechas coradas e dos olhos cativantes que Katy Perry arrancou os gritos da mesma quantidade de meninas que qualquer membro de boyband nos anos 2000. Infelizmente, mesmo que a malícia do duplo-sentido nas letras tenha sido grandiosa nos minutos cruciais, unindo o disco como um todo, algumas insinuações feitas por ela acabaram datadas pelo teor potencialmente nocivo, principalmente para a causa LGBTQIA+.

Não é de se estranhar que Madonna tenha se encantado pela primeira composição de Perry a tocar nas rádios quando a mesma começa com os versos: “Eu espero que você se enforque com seu lenço H&M/Enquanto se masturba ouvindo Mozart”. O que é de se questionar é a verdadeira intenção de Ur So Gay, que utiliza o termo como um insulto não relacionado a homossexualidade, no entanto, enraizado em uma certa moralidade. Com notas tímidas no violão, um vocal ríspido e um videoclipe cômico, a obra é um capítulo que mereceu ser esquecido junto com os demais atos desse tempo que retratam percepções ultrapassadas da sociedade.

Com doses de fetichização circulando pela corrente sanguínea do álbum, I Kissed a Girl veio para continuar o frenesi de caráter duvidoso e, simultaneamente, consagrar Katy Perry como um ícone da comunidade. Em 2017, o grupo de defesa dos direitos civis LGBTQIA+ estadunidense, Human Rights Campaign, concedeu à cantora um prêmio pelo ativismo ao longo da carreira que, após One of the Boys, realmente foi efetivo: “Espero estar aqui como evidência de que não importa de onde você veio, é para onde você está indo e que uma mudança pode acontecer se abrirmos nossas mentes e abrandarmos nossos corações”, afirmou Perry durante a cerimônia.

Fotografia da cantora Katy Perry. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, aparece com uma das mãos levantadas enquanto observa o público no horizonte. Perry está se apresentando em cima do palco de um festival. A câmera a captura a partir da cintura. Ela veste um sutiã adornado com enfeites que se assemelha a cristais coloridos e um shorts preto brilhante. Katy Perry também carrega um microfone cravejado de cristais na mão. Ao fundo, o cenário é composto pelos elementos cênicos na cor rosa que fazem parte do palco.
Perry soube levar ao palco a experiência sonora do projeto (Foto: Rune Hellestad)

O primeiro single do disco também significou o encontro dos produtores Max Martin e Dr. Luke, uma dupla imbatível no estúdio quando o objetivo era a criação de uma sonoridade extremamente radiofônica e, nem por isso, menos autêntica. Nos anos que se seguiram, escutar a artista significava entrar em contato com a combinação perfeita entre eles, pensada exclusivamente para a persona Katy Perry. Contudo, a colaboração chegou ao fim com as acusações de abuso e assédio sexual feitas pela cantora Kesha contra Luke; o experimental Witness (2017) encerrou a parceria com apenas Martin assinando a direção executiva.

Colecionando nomes que ascenderam ao topo com o sucesso comercial do álbum, o time de Perry tomou forma quando Glen Ballard, responsável pelos bons frutos da sua ídola Alanis Morissette, aceitou trabalhar com a menina, que bateu em sua porta carregando um violão e um sonho. Nas canções delirantes à la Hot N Cold, o multi-instrumentista Benny Blanco fez história com a sagacidade de seu ritmo. Já nas passagens mais cruas, Greg Wells deixou o DNA nas texturas estridentes e teatrais de faixas como Mannequin. A tarefa de arrematar os diferentes estilos ficou a cargo do técnico em masterização Brian Gardner, que cumpriu com maestria.

Esperta e criativa ao extremo, Katy Perry não foi apagada pela genialidade de sua equipe. Nos palcos, ela demonstrou que, devido a sua experiência nada fácil no mercado musical, sabia exatamente como queria fidelizar a imagem dessa novata fissurada por gatos infláveis, frutas e figurinos camp. Em 2008, pegou a estrada com a Vans Warped Tour, festival que revelou Paramore e 3OH!3, e logo arrumou as malas para a sua primeira turnê solo, a carismática Hello Katy Tour. Repleto de referências próprias do projeto, o cenário dominado por um gigante coração rosa cravou que Perry se tornaria uma especialista em eras temáticas.

Fotografia da cantora Katy Perry. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, aparece sentada em uma piscina infantil azul com desenhos coloridos e com a água até a metade da altura. Perry veste uma blusa sem manga amarrada no busto de estampa nas cores rosa e branco, um shorts de cintura alta na cor azul e uma bandana vermelha no cabelo, em que ela segura as pontas com as duas mãos. Ao fundo, o cenário é composto por um gramado repleto de flores, um cercado branco e um céu azul repleto de nuvens brancas.
One of the Boys foi o precursor das eras temáticas que surgiram na carreira de Katy Perry (Foto: Michael Elins)

O estilo pin-up e a estética que remonta aos anos 1940 foram usados com sabedoria pelo diretor de arte do disco, Ed Sherman. Partindo do logo, divertidamente colorido, passando pela ambientação cartunesca até os elementos tão característicos como os flamingos rosas, a obra se tornou um símbolo de sua época. Por meio das lentes do fotógrafo Michael Elin, One of the Boys foi eternizado com uma capa que captura o oceano hipnotizante do olhar da musa. E, se “com cada cicatriz tem um mapa que conta uma história”, a melódica e dramática Self Inflicted sumariza esse aspecto magnetizador.

Inserida por completo no contexto de avanço das redes sociais e a consequente interação dos músicos com as plataformas, a artista navegou pelo MySpace, Vimeo e Tumblr como ninguém. Com vídeos em formato de vlogs, Perry divulgou o seu trabalho ao mesmo tempo em que desenvolveu um laço profundo com os fãs, os ‘katycats’. Seja rodando em círculos na sala de espera da gravadora, a Capitol Records, importunando a sua gata de estimação Kitty Purry ou se enrolando em luzes de natal, ela criou momentos que são lembrados com carinho e, obviamente, muita nostalgia.

Fotografia da cantora Katy Perry. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, segura uma banana, fruta amarela, com uma das mãos como se estivesse atendendo uma ligação em um telefone. Com a outra mão, ela pressiona o pescoço em um sinal de desaprovação. Perry veste uma camiseta sem mangas branca com alguns dizeres em tinta preta. Ao fundo, o cenário é um papel de parede branco iluminado.
Katheryn Elizabeth Hudson percorreu uma longa estrada para realizar os seus sonhos (Foto: Capitol Records)

Duas décadas separaram o nascimento de Katheryn Elizabeth Hudson e a criação da identidade Katy Perry, ou melhor, da possessão da menina que cantava no coral da igreja pela entidade popstar. Antes de assumir o nome de solteira de sua mãe, Katy Hudson distribuiu apenas 200 cópias do seu primeiro álbum auto-intitulado, algo que não se repetiu com One of the Boys, detentor de 7 milhões de discos vendidos. Dessa vez, porcentagem fundamental para tamanho sucesso foi a existência de uma equipe capaz de fazer tudo acontecer e que, em 2023, permanece ao lado da cantora.

Entre os membros mais efetivos, o empresário Bradford Cobb e o desenvolvedor artístico Chris Anokute deram tudo de si para que a jovem não tivesse outro projeto cancelado como o simples e rebelde (A) Katy Perry, ou que gravasse vocais para alguma banda que tentasse se aproveitar do seu sucesso, como The Matrix fez em 2009 ao lançar músicas produzidas quando ela tinha apenas 19 anos. Injetando respeito ao nome e à marca Katy Perry, o ambiente de If You Can Afford Me resumiu a ascensão: “Porque alguns não tem paciência/Alguns me chamam de manutenção cara/Mas você paga a conta/Porque esse é o trato”.

Fotografia da cantora Katy Perry no videoclipe para a música Thinking Of You. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, olha fixamente para o horizonte. A câmera captura somente a sua face. Perry veste uma boina com um véu de renda que repousa sobre a face, ambas as peças são em tons de preto. A maquiagem de Katy Perry consiste em um batom vermelho escuro, glitter debaixo dos olhos e delineador e sobrancelhas marcados. Nas orelhas, um brinco de pérola. Ao fundo, o cenário está desfocado em tons cinzentos.
No Brasil, Thinking Of You fez parte da trilha sonora da novela Caminho das Índias (Foto: Capitol Records)

Compositora nata, Katy Perry deixou a caneta pesar nas duas faixas mais dolorosas e sombrias do álbum: Thinking Of You e I’m Still Breathing. A primeira, totalmente autoral, contém os versos mais inspirados dela que, através de uma progressão tocante, ganharam amplitude na balada romântica trágica, sendo praticamente um prelúdio da história contada por The One That Got Away no sucessor de One Of The Boys, o pop perfection Teenage Dream (2010). Por outro lado, a respiração pesada foi a chave da segunda canção, dotada de tendências suicidas e que evidenciou o processo de independência vivido por Perry durante essa fase.

Personalizando a luz no fim da estrada, a artista entregou uma redenção única em Lost, música que trata da sensação de não se sentir em seu próprio corpo e o de saber o caminho para casa e, mesmo assim, não conseguir voltar. Surpreendentemente, o sentimento deixado para os ouvintes foi o de conforto por descobrir que há mais alguém no universo que já esteve perdido. O especial acústico MTV Unplugged potencializou a melodia e, ainda, trouxe o belíssimo cover de Hackensack da banda de rock alternativo Fountains of Wayne e o toque sensível de Brick by Brick, gravação que infelizmente acabou descartada do disco.

Fotografia da cantora Katy Perry no palco da sua residência de shows em Las Vegas. A câmera a captura por inteiro. Ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, olha fixamente para o topo de um cogumelo gigante, onde está uma dançarina vestida de sapo com traje de banho rosa feminino. Perry veste uma calça cortada em simetria com um body vermelho e um chapéu em formato de cogumelo. Ela está com o microfone em mãos. Ao fundo, o cenário é um palco iluminado em tons quentes em que há cogumelos e gramas gigantes, junto a uma lesma rocha também enorme.
Perry usou referências da era durante a residência de shows em Las Vegas (Foto: John Shearer)

Para aqueles que morrem de saudade somente em lembrar das performances grandiosas em premiações na época em que One of the Boys conquistava incontáveis indicações e vitórias, desde 2021, Katy Perry relembra os grandes clássicos da era na setlist da sua residência de shows em Las Vegas, a PLAY. Com cenários de tirar o fôlego, cogumelos e um banheiro completo em escala gigantesca, Perry oferece um prato cheio para os ‘katycats’ da velha-guarda mais saudosistas e coloca a extravagante Waking Up In Vegas em destaque no espetáculo para os olhos e ouvidos.

Entretanto, a experiência sensorial do projeto não ficou restrita aos palcos, uma vez que a edição física passou a ser uma peça fundamental da memória do público graças ao design atemporal de Shayne Ivy. Para além do ensaio fotográfico esplêndido e um material de encarte que fez qualquer colecionador ficar obcecado, o desenho de morango estampado no CD permanece capaz de trazer o cheiro da fruta à mente. Katy Perry, querendo que todos se lembrem dela como em Fingerprints, também investiu nos videoclipes em que os diretores Melina Matsoukas, Alan Ferguson, Kinga Burza e Joseph Kahn eternizaram as canções.

Fotografia da cantora Katy Perry. Na imagem, ela, uma mulher branca de cabelos escuros e olhos claros, posa no tapete vermelho de uma premiação europeia. A câmera a captura a partir da cintura. Perry veste um terno masculino preto pela metade, enquanto a outra se trata de um vestido feminino rosa. A sua face é de confusão. Ao fundo, o cenário é um painel branco com os logos dos organizadores do evento.
“…Para ser sincera, eu ainda me acho um dos garotos” – Katy Perry sobre o aniversário de 15 anos do disco (Foto: Gareth Cattermole)

Depois de beijar uma garota e gostar, se infiltrar entre os garotos e tentar de todas as formas colocar a sua digital na história da Música, a jovem deixou para trás a inocência de debutante e assumiu que estava pronta para o amadurecimento com I Think I’m Ready, faixa que encerra o disco e a sua sonoridade pop rock. Celebrando 15 anos de One of the Boys e de sua carreira artística sob o nome Katy Perry, a camaleoa que transitou por diversas eras, refletiu as cores do arco-íris com PRISM (2013) e recuperou o sorriso em Smile (2020), chega em 2023 sabendo exatamente qual é o seu lugar no mundo.

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