A fantasia de uma Despedida

A imagem é uma cena do filme Despedida. Nela, há o horizonte de um rio, em que é possível uma lua cheia coberta pela metade ao fundo. No centro dela, há um barco com um cachorro à esquerda e uma menina à direita.
A produção nacional é uma das participantes da seção Mostra Brasil na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Elo Company)

Vitória Silva

Despedida é o toque de imaginação que faltava na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Em um feriado de Carnaval, Ana (Anaís Grala Wegner) viaja com a mãe (Patricia Soso) para uma cidadezinha no interior do Sul do Brasil. Mas o tom colorido e animado da data comemorativa é tomado pela frieza e escuridão do luto, ao ter como destino principal o funeral da avó (Ida Celina), que tinha fama de bruxa da cidade. Assim se inicia toda uma aventura por trás do que parecia ser um simples adeus.  

Após o enterro, ambas decidem passar o feriado na cidade, ficando no sítio onde a avó morava, em meio a uma floresta. Reencontro com parentes indesejados, conflitos por herança e outros assuntos típicos de uma ocasião familiar como essa emergem sobre a narrativa, mas estão longe de ser o assunto principal da mesma. Em uma noite, ao ver a figura da avó adentrando a floresta, Ana mergulha em uma experiência fantástica e de descobertas surpreendentes.

A imagem é uma cena do filme Despedida. Nela, a atriz Anaís Grala Wegner, que interpreta Ana, está à esquerda olhando para um ser mágico, que está à direita. Ana é uma menina branca, de cabelos castanhos claros, ela veste uma fantasia. O ser mágico não possui rosto e tem folhas por todo o seu corpo. Ao fundo, vemos a paisagem de uma floresta.
Com uma mulher na direção, Despedida também conta com fortes figuras femininas entre seus personagens (Foto: Elo Company)

Assim, a obra de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes dá origem a uma fábula sobre superação com o olhar curioso de uma criança. Ao procurar pela avó em busca de respostas, a protagonista encontra um mundo de seres mágicos e vilões de contos de fadas, que até podem existir apenas na sua imaginação fértil, mas dão nome a coisas mais do que presentes na realidade de qualquer um. Sem perceber, ela explora um universo já antes desvendado por sua própria mãe, e que é a verdadeira chave que esta precisa para escapar de uma solidão imensurável. 

Com toques de Alice no País das Maravilhas e outras narrativas fantásticas, os diretores materializam as fases do luto de forma brilhantemente lúdica, ao mesmo tempo que traçam a jornada da nossa heroína para remediar a melancolia da mãe. Entre bonecas falantes, sereias e criaturas assustadoras, Ana encontra em cada etapa uma lição e aprendizado. Isso tudo em meio à criação de cenários com uma estética que nos transporta para aquela realidade, sem nem sequer nos ligarmos que são paisagens comuns nas cidades de Pelotas e Viamão, no Rio Grande do Sul. 

A imagem é uma cena do filme Despedia. Nela, uma mulher está colocando uma máscara de lobo em seu rosto. Ela é negra, possui cabelos crespos no estilo afro e veste uma blusa marrom.
A dupla de diretores já tinha marcado presença na Mostra de 2020, com o longa Irmã (Foto: Elo Company)

O trabalho artístico de Ana’s Farewell remete aos finados programas infantis da TV Cultura e constroem muito bem essa fantasia tipicamente brasileira. Com um elenco majoritariamente infantil e diálogos de forte aspecto teatral e ensaiado, se engana quem pensa que essa é apenas uma obra infanto juvenil. Mesmo com a delicadeza na construção desse mundo imaginário e lúdico, o filme trata sobre temas complexos e uma reflexão extremamente necessária sobre uma das etapas mais desafiadoras da vida.

Inclusive, talvez seja um toque mais infantil o que falte na produção de Mazeto e Lopes, para ampliar o horizonte da diversão dessa aventura, em contraponto com a dor e tristeza que a abrange. Ainda assim, Despedida é um exemplo importante de caminhos que merecem ser mais explorados no audiovisual do nosso país.

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