You Signed Up for This: o caos e a euforia dos vinte e poucos anos

Capa do álbum You Signed Up For This - Maisie, jovem branca, magra e de olhos azuis, está sentada de forma despojada em um dos trens da cidade de Londres. Ela veste uma camisa branca com estampa de unicórnio, uma jaqueta de couro preto, uma calça xadrez branca e vermelha e uma bota de plataforma preta. Ela está usando fones de ouvido azul e uma de suas mãos segura uma mecha de seu cabelo castanho liso que vai até o ombro e cobre a testa com sua franja. Pela janela atrás dela podemos ver as ruas de Londres e uma placa de trânsito com o nome do álbum: You Signed Up For This. A imagem tem um efeito granulado como se tivesse sido tirada por uma câmera antiga.
You Signed For This, álbum de estreia de Maisie Peters, comprova porque seu talento atraiu a atenção de astros como Taylor Swift e Ed Sheeran (Foto: Maisie Peters)

G. H. Oliveira

Muitos produtos da cultura pop retratam o período do Ensino Médio e a evolução dos adolescentes até sua graduação (só em 2021, já tivemos as continuações dos sucessos Eu Nunca…, Elite, Para Todos Os Garotos, A Barraca do Beijo e High School Musical: The Musical: The Series, entre tantos outros). Um dos motivos dessa popularidade está na fácil identificação: a pressão de entrar numa faculdade, arranjar amigos, as primeiras vezes, as mudanças no corpo… Mas, e o depois? O que acontece quando se completa vinte anos?

Talvez seja a falta de referência que torne este período tão confuso. Alguns amigos estão se casando e alugando um apartamento, enquanto outros acabaram de entrar em uma faculdade, ou conseguiram o 1º emprego. Você se sente atrasado demais para enfrentar novos começos, mas, ao mesmo tempo, luta com o peso de ter que definir tudo antes dos 30. Seus pais começam a se tornar seus filhos enquanto você não se sente pronto para ter filhos próprios. É onde fica cada vez mais claro o quanto suas escolhas serão responsáveis pelo seu futuro. E para tentar organizar esse caos existencial de um jeito romântico, sarcástico e melancólico está Maisie Peters e seu primeiro álbum de estúdio: You Signed Up For This (Você Concordou Com Isso, em tradução livre).

Foto de divulgação do álbum You Signed For This - Maisie,  jovem branca, magra e de olhos azuis, está em um corredor estreito com paredes brancas, chão de tablados de madeira e uma porta branca atrás. Ela veste uma camiseta branca com estampa de unicórnio, uma calça xadrez e uma bota de plataforma preta. Ela está agachada, sustentando-se na perna esquerda, enquanto com a direita empurra a parede. Seus ombros e sua cabeça estão apoiados na parede oposta.
“Eu tenho vinte anos e provavelmente estou muito chateada agora”, canta Maisie nos primeiros versos do álbum (Foto: Lillie Eiger)
Mas quem é Maisie Peters?

Maisie é uma cantora-compositora inglesa que construiu seu público através de seu canal no YouTube e vídeos em redes sociais. Desde então, ela lançou dois EPs (Dressed To Nice For a Jacket e It’s Your Bed Babe, It’s Your Funeral), uma música para o filme Aves de Rapina e a trilha sonora da segunda temporada da série Trying da Apple TV+.

Com o tempo, o reconhecimento não veio só do público geral, mas também de grandes nomes da indústria. Entre eles estão Taylor Swift – artista da qual Maisie se declara fã e sua principal inspiração para se tornar compositora – e Ed Sheeran, que a assinou em sua gravadora Gingerbread Man e co-escreveu três músicas do seu álbum de estreia.

Essa trajetória ajuda a explicar como ela criou um primeiro álbum tão coeso. As narrativas detalhadas tornam cada música uma espécie de curta-metragem (característica de Swift), as melodias pegajosas são perfeitas para a rádio (especialidade de Sheeran) e uma mistura única de doçura, impulsividade e humor ácido a destaca dos demais. Tudo isso já se apresenta na primeira música lançada do projeto: John Hughes Movie.

Cartaz para um evento de divulgação da música John Hughes Movie - Maisie, jovem branca, magra e de olhos azuis, está centralizada no cartaz usando um vestido de formatura rosa, sem mangas e amarrado por uma singela fita rosa na cintura. Atrás dela estão várias cenas em preto e branco de filmes do John Hughes como Curtindo a Vida Adoidado, O Clube dos Cinco e A Garota de Rosa Schocking.
No primeiro single do álbum, John Hughes Movie, ela satiriza os filmes do diretor, abrindo as portas para a temática do projeto (Foto: Maisie Peters)

 

A vida não é um filme do John Hughes (ou talvez seja um pouco)

John Hughes (1950-2009) foi um produtor, roteirista e diretor que redefiniu os filmes centrados em adolescentes na década de 80 com obras como O Clube dos Cinco, Curtindo a Vida Adoidado e A Garota de Rosa Shocking. Ao retratar esse período da vida com sinceridade e deboche, ele colocou no centro da narrativa jovens deslocados no sistema e deu a eles catarses divertidas, deixando o espectador com a sensação de que há um lugar no mundo até para os mais diferentes.

No entanto, Maisie já escancara no refrão uma das dores mais comuns da passagem para a vida adulta: a de que muitos dos nossos sonhos não vão se realizar e precisam dar espaço para um real e mais sóbrio amadurecimento: “Porque isso não é um filme do John Hughes onde a garota fica com o garoto. Você nem me vê quando passa por mim. Eu fico esperando pela trilha sonora triste que nunca virá. Porque se você não me quer, então você não é o cara certo”

O clipe ilustra bem essa transição: ela sabe que o seu valor está além do que os garotos que ela gosta pensam sobre ela, mas ainda falta um longo caminho para lidar com essa rejeição de um jeito sereno. Então, em um exagero lúdico para aumentar sua autoestima, ela decide se sentir superior aos garotos matando um por um e anotando seus nomes em um livro que faz referência a outro clássico adolescente, Meninas Malvadas.

Ironicamente, é como se Maisie pegasse os pontos que tornaram os filmes de John Hughes tão marcantes e transcrevesse para a experiência daqueles que acabaram de deixar o Ensino Médio para trás. Em I’m Trying (Not Friends), uma das melhores do álbum, ela descreve os sentimentos após encontrar um ex que já está namorando outra. Toda auto-depreciação, mágoa e tentativa de bancar a superior, acabam se atropelando em um ritmo contagiante:

“Não somos amigos. Não, nós estamos em algum lugar no meio disso porque você é horrível e eu sinto sua falta e eu te matei no sonho que tive ontem à noite. Mas até lá você não se importou. É o fundo do poço quando nem nos meus sonhos você me quer por perto. Eu tenho amigos, pelo menos cinco dos bons. Sim, tem gente que me acha engraçada, não pareça tão surpreso.”

E por mais que o álbum saiba arrancar boas risadas através de seus versos inusitados, ele é capaz de torcer a faca em algumas feridas. Volcano aborda a impotência ao ver como as pessoas podem cometer atos terríveis e saírem impunes. Onde nem aqueles que você acreditava que poderiam te ajudar tomam alguma atitude. E o vazio ao perceber que mesmo que você deixe sua raiva sair como a erupção de um vulcão, por mais justificada que ela seja, não será o suficiente.

Foto promocional do álbum You Signed Up For This - Maisie, jovem branca, magra e de olhos azuis, está sentada em um ônibus de excursão a céu aberto. Os bancos são azul-marinho com acabamento cinza e partes de metal amarelas. Ela está sozinha, ocupando um dos assentos do fundo do ônibus, vestindo uma blusa de gola alta xadrez branco e vermelha. Ela observa a paisagem à direita com uma expressão triste em seu rosto. Os prédios e ruas da cidade completam o fundo da imagem em um dia ensolarado.
“Você saiu impune. Cruzou a ponte e então ateou fogo. Você fez isso e seus amigos não disseram nada”, desabafa a cantora nos versos de Volcano (Foto: Dominique Froud)

Ao reconhecer suas limitações, muitas esperanças perdem o sentido, mas também é possível enxergar melhor o seu potencial. E esse é o tema da faixa-título do álbum: You Signed For This. Em uma longa lista de defeitos e peculiaridades, ela exemplifica bem como é não ter muitas respostas nessa idade, apenas um emaranhado confuso e contraditório de certezas. Por isso é tão fácil se identificar com a súplica feita no refrão: “Por favor, não desista de mim ainda. Eu sei que eu vou melhorar, eu só não cheguei lá ainda. Você pode ver que eu estou tentando, estou perdendo o fôlego. Eu sei que vou melhorar, eu só não cheguei lá ainda”.

É nessa honestidade que está a força do disco. Não é um conjunto de músicas inovadoras, e nem tem a pretensão de ser. Assim como os filmes do John Hughes e vários outros que marcaram nossa adolescência, o álbum fornece o misto de escapismo e identificação o suficiente para ser divertido, sem nunca soar artificial. E talvez isso seja exatamente o que precisamos para nos distrair nesse momento de pandemia: um pop açucarado com boas doses de crise existencial.

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