O cabaré pega fogo na quarta temporada de Elite

Foto promocional de Elite. Os personagens principais Omar, Rebeka, Guzman, Samuel e Ander estão sentados, nessa ordem, no chão na frente da escola. Todos uniformizados nas cores branco, vinho e azul escuro, eles estão cercados por outros alunos de mesma vestimenta, sentados atrás. O grupo olha para frente com expressões de tédio.
A Netflix abre novamente as portas de Las Encinas (Foto: Netflix)

Mariana Chagas

Romances caóticos, brigas com pais, adolescentes em meio a crises e paixões. Todos esses elementos constituem uma fórmula usada não uma ou duas, mas diversas vezes nos cenários das séries. Desde Gossip Girl, em Nova York, até na cidade fictícia de Riverdale, o dia a dia de um jovem no Ensino Médio parece interessar o público, sendo utilizado como plot em histórias que marcaram gerações. E é exatamente esse método que construiu Elite, que viria a se tornar outro grande feito da Netflix

Lançado em 2018, o seriado surgiu em um momento de ascensão das produções espanholas. Depois do tremendo sucesso de La Casa de Papel, foi a vez de Élite conquistar o seu espaço. Com três temporadas maravilhosas, a série quebrou recordes e se tornou de grande relevância na plataforma, assim como na internet. Mas, depois de seu ápice, a força foi se perdendo. A quarta temporada estreou em 2021, mas deixou muito a desejar. 

Novos personagens entram na trama da quarta temporada: Ari, Benjamin, Mencía e Patrick chegam ao colégio (Foto: Netflix)

A temporada se inicia do mesmo jeito que as anteriores: um dos alunos sofre um acidente e ninguém sabe quem é o culpado. A trama pode ter funcionado a princípio mas, quando é repetida pela pela quarta vez, já começa a perder a graça. Intercalando cenas do presente e do futuro, aos poucos nos é contado como uma típica festa se tornou uma noite catastrófica. 

Com a chegada de novos personagens e a partida de antigos, as relações dentro do grupo de amigos mudaram bastante. Entre os que abandonaram o cast, a falta que Lucrecia deixou é sentida constantemente. O seu jeito debochado e egocêntrico, que é tão divertido de se assistir, ficou de fora quando Danna Paola decidiu seguir sua carreira como cantora. 

Os rostinhos lindos de Carla Rosón (Ester Expósito) e Valerio Montesinos (Jorge López) também fizeram falta, além das questões familiares e religiosas trazidas por Nádia, interpretada por Mina El Hammani. O buraco causado pela saída do grupo carismático foi tapado, em partes, pelas novidades da quarta temporada. 

O relacionamento de Omar e Ander já não era dos melhores, mas os roteiristas conseguiram, de alguma forma, piorá-lo. Não tem outra palavra além de ridículo para explicar o que acontece entre eles nessa temporada, quando a chegada de um novo jovem abala o casal. É complicado, às vezes, entender quem gosta de quem. A única certeza é que todos, sem exceção, traem e são traídos. 

Desenvolver um trisal, algo que já é marca registrada de Elite, seria a melhor saída. Ao contrário, o seriado apostou em uma espécie de rodízio, onde em cada episódio se alternava quem ficaria junto. E a beleza de Manu Ríos talvez tenha sido a única coisa boa que ele acrescentou à série. Não por sua culpa, já que o ator tem talento, mas porque o roteiro decidiu lhe dar um personagem fraco, que só não foi menos desenvolvido do que Malick e Yeray, da temporada anterior. 

Cena de Elite. Ander e Omar, homens brancos de cabelo castanho curto, estão de olhos fechados com os rosos encostados. O casal está sorrindo, juntos no meio de uma festa. Omar, do lado esquerdo, veste uma blusa preta enquanto Ander, a sua frente, está usando vermelho e um brinco prata.
Uma lista de todas as traições do casal Ander e Omar seria maior do que os episódios de Elite (Foto: Netflix)

Guzmán (Miguel Bernadeau), que formava com Nadia um casal cheio de química, precisou de poucos episódios para se desapaixonar. Se no começo ele sofria desolado pela distância de sua namorada, logo se viu interessado por Ari (Carla Díaz) – o suficiente para destratar, repetidas vezes, seu melhor amigo Samu. Sua atitude é igual à do começo da série, agindo como se não tivesse se desenvolvido ao passar do tempo. É quase cômico o quão incoerente algumas de suas cenas são.

Outro que se viu admirado por Ari é Samuel (Itzan Escamilla). O crush repentino, porém, não é de se surpreender. O personagem foi construído como emocionado desde o começo de Elite. A rapidez com que gosta e deixa de gostar da jovem foi a mesma que teve com Marina (María Pedraza) e Carla. O interessante é que, mesmo assim, ele conseguiu ter química com todas. Itzan Escamilla provou, mais uma vez, que sabe fazer um homem apaixonado.

Agora, o motivo pelo qual os dois se pegaram gostando da mesma garota é desconhecido. Do trio de irmãos novatos, Ari consegue ser a menos interessante. Por muitas vezes, sua personalidade parece se resumir apenas ao seu dinheiro ou sua indecisão de qual dos garotos é seu favorito. Lembrando um pouco de Lucrecia, a aluna parece uma cópia mal feita da personagem do elenco original. É uma pena, pois a atuação de Carla Díaz tem potencial – (neste caso estamos falando da espanhola, claro, mas o mesmo pode servir para a chiquitita do BBB).

Foto promocional da dupla de irmãos Patrick e Ari. A mulher está a esquerda da foto, usando um vestido rosa com cinto dourado e sapato também rosa. Ela tema a pele clara e usa batom rosa, olhando para frente com uma expressão série enquanto segura uma taça e encosta em seu irmão. Na direita, Patrick está vestindo preto com uma blusa branca e preta por baixo. Sua pele é clara e ele também segura uma taça na mão. O fundo é um sofá colorido, com um quadro de moldura dourada pendurando em cima.
Apesar de sem graça, a dupla de irmãos Ari e Patrick não deixa de entregar beleza (Foto: Netflix)

Contrastando com os plots fracos de sua família, a irmã Mencía foi a mais interessante a ter entrado na história. Pela primeira vez, Elite discute um dos temas mais sensíveis e danosos as mulheres: a prostituiçao. Como qualquer adolescente com problemas familiares, Mencía quer sair de casa. Mas, diferente do resto, ela dá um passo à frente ao usar seu corpo para se sustentar. A entrada nesse mundo é fácil, quase fácil demais. As músicas tranquilas e os takes gravados à luz do pôr-do-sol trazem uma leveza para as cenas, mostrando como a garota se sente confortável ao conhecer alguém em quem confia para trabalhar. 

É no desenvolver da história que Mencía se afunda, descobrindo os perigos e o lado ruim da prostituição. A perda do controle do próprio corpo causa danos que vão além da sua pele. A atuação de Martina Cariddi consegue prender o público na personagem, mostrando, com apenas um olhar, o desespero da menina. Cada episódio aumenta a ansiedade ao assistirmos a complicada situação que a adolescente enfrenta.  

O prêmio de mais carismáticas da série vai para elas: Rebeka e Mencía (GIF: Netflix)

A maior evolução da temporada, se não da série, é de Cayetana. Depois de enganar, se apaixonar e perder o namorado Polo, Caye se vê abrindo o coração novamente. A jovem, que iniciou sua jornada em Elite fingindo ser alguém que não era, mostra seu avanço ao apresentar a versão mais sincera de si mesma para Philippe, outro novato na escola. O que não esperava era voltar a ser machucada.

O personagem do príncipe é sabiamente escrito. Com o descaso que os outros alunos têm sobre ele, é construída uma narrativa de vítima para o jovem. Pol Granch, já conhecido na Espanha por ser cantor, tem uma cara de dar dó, deixando difícil não sentir empatia e carinho pelo novo aluno de Las Encinas. É essa visão que nos assusta quando percebemos que, de coitado, o garoto não tem nada. E a forma que ele esconde sua maldade vai para além das câmeras. No mundo real, o queridinho da Espanha foi exposto no Twitter por Sara Socas, outra artista europeia, que desabafa depois de ter sido desrespeitada e empurrada pelo homem.

De volta ao enredo da série de Carlos Montero e Darío Madrona, e aproveitando da bondade de Caye, Philippe tem atitudes que decepcionam, e o plot do casal é um dos mais interessantes do novo ano. As reviravoltas são difíceis de engolir, mas de uma forma proposital. A construção do romance é necessária para entender a personagem feminina, suas dúvidas e dificuldades como mulher que se encontra em um relacionamento com um abusador.

Foto promocional de Elite. Nela, a personagem Cayetana está sentada em um sofá grande e dourado. A mulher branca e loira esta usando um vestido preto e volumoso. A sua frente, o personagem Philippe segura sua mão. Ele também é branco, mas tem seu cabelo preto. Está vestindo um paletó verde com uma calça preta brilhante. No fundo há paredes e janelas com cortinas e detalhes em dourado.
Raro momento de Philippe tratando Cayetana como ela merece (Foto: Netflix)

Dentre toda essa bagunça, uma coisa que Elite não deixou de fazer bem foram as festas. É visível o investimento em cada um dos eventos, que contam com decorações tão coloridas e detalhadas que dá uma vontade gigante de ser convidada para pelo menos uma. As fotos do elenco nas gravações mostram que a diversão não fica apenas nas telas, mas também nas pistas, onde toca o melhor do pop e da eletrônica.

São essas músicas que constituem, também, a trilha sonora. Se até a terceira temporada quem cantava, além de atuar, era Danna Paola, o multifacetado da vez é o próprio Pol Granch. O vencedor do X Factor Espanha em 2018 é uma das vozes que acompanham as cenas quentes e para maiores de dezoito anos que recheiam uma boa parte da série. 

A entrada dramática nas festas é outro clichê que Elite ama fazer – e eu amo assistir (Foto: Netflix)

A química entre os atores é outro ponto positivo. Seja nos momentos de briga ou de sexo, é preciso uma confiança para deixar o trabalho mais fácil. A leveza dentro do set pode ser sentida no resultado final, e o telespectador se vê querendo fazer parte do grupo bagunçado e um tanto problemático de amigos que protagonizam Elite.

São todas essas expectativas, putarias, discussões e muitos adolescentes dramáticos que se unem para dar vida a quarta temporada. Apesar de nem se comparar às anteriores, até dá para soltar umas risadas e curtir um suspense enquanto se assiste aos oito episódios. Elite nunca prometeu ser mais do que uma escola com alunos que precisam urgentemente de terapia, então para quem quer assistir isso, a série da Netflix continua servindo muito bem.

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