Qual seria o seu sentimento se, ainda criança, tivesse o território invadido, a casa demolida e a vida inteiramente mudada, para sempre, para dar lugar a um aeroporto? O Estranho se apresenta dessa forma, como uma ficção, mas entrega um caráter mais documental pelo motivo de que essa é a história de muitas pessoas que são afetadas pela colonização, seja a de 500 anos atrás ou a de ontem.
11 de Setembro marca o aniversário de uma das grandes tragédias ocorridas nas Américas, algo tão terrível e tão brutal que seria lembrado não só nas aulas de história, mas no profundo subconsciente de um povo inteiro. Há 50 anos, no Chile, um presidente era assassinado, o palácio presidencial bombardeado, uma ditadura se iniciava e por trás dela, um homem se tornava ditador. Embora todos eles sejam, sem exceção, meros mortais feitos de carne, osso e vísceras, como todos nós, quando tomamos conhecimento das barbaridades as quais esses mesmos humanos tiveram a capacidade de perpetrar, passamos a enxergá-los como monstros.
Não há nada mais adequado que comparar alguém que suga vidas de seus oponentes a um vampiro, na visão dos roteiristas de El Conde,Pablo Larraín e Guillermo Calderón, Augusto Pinochet é um monstro dos clássicos filmes de terror dos anos 1930. Com mais de 200 anos de vida, o general viveu assombrando revoluções por décadas ao redor do mundo até parar no Chile e lá, após acusações de crime contra a humanidade e corrupção (aparentemente ele não se incomoda tanto com a primeira) ele decide se isolar com sua família em uma fazenda.
“Eu me aventurei e não encontrei nada além de açúcar e violência”. Essas são as palavras de Bella Baxter em Pobres Criaturas após andar pelas ruas de Lisboa sozinha, vendo o mundo com os próprios olhos pela primeira vez. Adaptado do romance vitoriano Pobres Criaturas de Alasdair Gray, com o roteiro assinado por Tony McNamara, a nova obra de Yorgos Lanthimos é um banquete sensorial.
Todo ator é, no fundo, movido pela atenção. Acostumado a esconder a ambição por trás de performances gloriosas, seu maior pesadelo é transparecer pela pele do personagem. Essa situação terrífica acontece com Bradley Cooper que – pela segunda vez assumindo o cargo de diretor em um filme que também protagoniza –, orquestra o seu maestro interior em uma cinebiografia que parece dizer bem mais sobre ele do que o objeto de estudo, o lendário Leonard Bernstein. Ainda que tenha bons momentos, Cooper não consegue desaparecer por completo na pele do compositor do musical West Side Story, fato previsto quando acusações de antissemitismo surgiram por todos os lados pelo uso questionável de uma prótese de nariz.
O novo filme de Christopher Nolan (Tenet) estreou de um jeito diferente de tudo produzido pelo cineasta até hoje. Oppenheimer chegou às telas com um teor crítico e extremamente didático, algo raramente produzido por outros grandes nomes da atualidade. De forma densa, realista e rica em detalhes, a obra nasce com a intenção de retratar biograficamente a vida do físico e cientista J. Robert Oppenheimer, responsável pelo Projeto Manhattan e pelas duas grandes bombas atômicas utilizadas pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki como ultimato para cessar a Segunda Guerra Mundial em 1945.
Como se dá a ascensão de uma estrela? E sua queda? Representar uma figura real respeitando seus contrastes não é uma tarefa simples, nem contar uma história desse calibre com originalidade. Baz Luhrmannpoderia facilmente ter encaixado Elvis nos moldes narrativos típicos do gênero: lineares, focados na perspectiva do artista e, como se isso garantisse um selo de aprovação, investindo em uma homenagem. Mas o longa – que disputa oito estatuetas no Oscar 2023 – se inspira no próprio ídolo ao procurar problemas. Revelando conflitos profundos, perspectivas que fogem do unidimensional e muita identidade, a cinebiografia avessa do rei do Rock n’ Roll constrói seu espetáculo entre linhas dramáticas, sensíveis e indiscutivelmente musicais.
Em Avatar: O Caminho da Água, não há como negar uma qualidade técnica impressionante, que nos leva ainda mais fundo no mundo de Pandora que revolucionou o Cinema com a tecnologia CGI em 2009. O diretor James Cameron e o produtor Jon Landau criaram um marco ao proporcionar um nível de realismo nunca antes visto. A sequência de 2022 é também uma experiência cinematográfica única, com uma meticulosa atenção aos detalhes e uma riqueza de elementos visuais que são aprimorados pelos efeitos em 3D, imergindo o espectador e garantindo indicações ao Oscar 2023 nas categorias de Melhores Efeitos Visuais, Melhor Fotografia e Melhor Design de Produção.
O que parece ser unânime em relação a Alejandro González Iñárritu é que ele nunca se esforça em agradar. Disso surgem virtudes e defeitos: ele pode criar obras originais e autênticas, com refinado valor estético, mas também pode cair no escárnio, na decepção, na epopeia que pode ser o ego de um diretor. Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades parece ser o meio termo entre essas duas situações. Com uma trama que se propõe a traçar a história de um renomado jornalista e documentarista mexicano, Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho) – personagem marcado por uma profunda crise existencial –, o longa integrou a seção Perspectiva Internacional da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Algo está vindo, algo bom… Para o cineasta que já realizou de tudo (dos tubarões assassinos aos soldados resgatados e os cavalos de guerra), o desafio de recriar seu musical favorito foi ideal para Steven Spielberg modelar, com as mãos e o coração, uma história clássica. A reimaginação de Romeu e Julieta, que foi batizada de West Side Story em referência ao cenário nova-iorquino e periférico da obra, surgiu em 1957 nos palcos do teatro. Quatro anos depois, Jerome Robbins e Robert Wise fizeram da peça um filme.
Guillermo del Toro sempre teve uma predileção pelo inóspito e o bizarro. Conforme sua carreira foi amadurecendo, o diretor se viu cada vez mais confortável em meio às suas criações monstruosas com olhos nas mãos, chifres reluzentes e escamas pelo corpo, buscando reforçar que, no final das contas, o estranho pode ser um convite para uma vida fantástica. No entanto, em O Beco do Pesadelo, sua nova empreitada, del Toro prende as criaturas no baú, fecha o livro de histórias mágicas e assume uma roupagem realista à sua maneira para provar, mais uma vez, que o ser humano é bem mais perigoso que o pior dos monstros.