Estante do Persona – Fevereiro de 2023

Em Fevereiro, o Clube do Livro mergulhou em Escute as feras (Foto: Editora 34/Arte: Aryadne Xavier/Texto de abertura: Bruno Andrade)

“Quantos psicólogos me tomariam por louca se eu lhes dissesse que sou afetada pelo que acontece fora de mim? Que a aceleração do desastre me petrifica? Que tenho a impressão de não ter mais controle sobre nada?

Nastassja Martin

Após acompanhar o melancólico Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner, em Fevereiro o Clube de Leitura do Persona deu continuidade a nossa tradição de ler autoras – nesse caso, também com uma escrita melancólica. Escute as feras, de Nastassja Martin, foi a escolha da vez.

Mergulhando nesse relato autobiográfico, narrado e construído como um texto de ficção, Nastassja Martin nos prende do inicio ao fim em seu trágico relato de quando, durante uma pesquisa de campo, foi atacada por um urso e teve parte do rosto desfigurado. No entanto, a antropóloga entende que, em sua trajetória de cura, precisa perdoar o animal e retornar à vida.

No único encontro do Clube, aspectos da construção textual e uma possível ligação com a autossociobiografia de Annie Ernaux – sendo as duas autoras francesas – chamou a atenção. As referências culturais, antropológicas e místicas também foram abordadas: para alguns povos originários, os quais Martin estava se dedicando a pesquisar durante o ocorrido, ser atacado por um urso e sobreviver coloca o indivíduo em um estado de “entre-vida”, habitando duas dimensões simultaneamente – o texto da autora, que veio à Flip no final de 2022, se constrói um pouco nessa dimensão.

Enquanto os próximos conteúdos do mundo literário não chegam, o Estante do Persona de Fevereiro de 2023 segue com seus comentários e Dicas do Mês.

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O Filho de Mil Homens: uma prosa lírica dos afetos humanos

“Os seus olhos tinham um precipício. E ele estava quase a cair olhos adentro, no precipício infinito escavado para dentro de si mesmo. Um menino carregado de ausências e silêncios.”

Edição publicada pela Editora Biblioteca Azul, com ilustrações do Bloco Gráfico (Foto: Reprodução)

Vanessa Marques

O luso-angolano Valter Hugo Mãe é um dos romancistas mais prestigiados da atualidade. José Saramago, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, referiu-se ao autor como um tsunami linguístico. De fato, a escrita de Mãe explora com maestria toda a potencialidade e beleza da língua portuguesa. O Filho de Mil Homens, publicado em 2011, é uma prosa poética dividida em vinte contos que se entrelaçam numa história comum. O enredo perpassa numa vila litorânea fictícia, de modo que o romance emana um tom enlevo de locus amoenus (do latim: “lugar ameno”). Nela, o pescador Crisóstomo, a enjeitada Isaura, o órfão Camilo e o delicado Antonino engatam suas trajetórias pessoais com lirismo e introspecção.

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