Relatos do Mundo: a influência de uma boa história no Oeste Selvagem

: Cena do filme Relatos do Mundo. Na imagem, vemos os personagens Capitão Jefferson Kyle Kidd, interpretado por Tom Hanks, e Johanna Leonberger, interpretado por Helena Zengel. Ambos estão sentados em uma carroça. O fundo da foto é claro e de cores bem saturadas. Tom Hanks aparece como um homem velho, de cabelos e barbas grisalhos e usando um casaco pesado e um chapéu. Helena Zengel aparece como uma criança de cabelos loiros, olhos azuis, pele bem clara e usando um vestido amarelo e um casaco marrom.
Relatos do Mundo lida com alguns clichês já conhecidos no gênero e apresenta um tom de realismo fino e constante, por fim, tecendo um drama bem construído e ambientado no Velho Oeste (Foto: Reprodução)

Vinícius Siqueira

Uma das muitas coisas que alguém busca ao ler um livro, escutar uma música, olhar pela janela, ler os jornais ou, no caso, assistir um filme é simplesmente ganhar para si uma boa história. Uma história não necessariamente com finais felizes ou tristes, amargos ou cruéis, simples ou complexos. Mas, simplesmente, uma história bem contada e que segure sua atenção por alguns momentos, lhe fazendo esquecer do que se passa ao seu entorno. O que o espectador, muitas vezes, não se dá conta é do poder inerente à uma história bem contada. E é esse tipo de influência que tece a trama primorosa de Relatos do Mundo (News of the World, no original).

Lançado no ano de 2020 nos cinemas americanos, mas chegando ao Brasil (e ao resto do mundo) apenas em 2021 após ser comprado pela Netflix e passar a ser exibido no mundo pelo streaming, a obra é dirigida por Paul Greengrass. E ela lida com alguns clichês relacionados ao gênero de western (faroeste), pinceladas políticas e pontadas de realismo já características do diretor. 

A trama em si é bem redigida e traz uma ambientação e personagens que relembram os clássicos da categoria, ao passo que também apresenta um ponto de vista diferente do cenário clássico do Velho Oeste. A obra é inspirada no romance homônimo escrito por Paulette Jiles em 2016, e é protagonizado por Tom Hanks e pela estrela em ascensão Helena Zengel. Paul Greengrass faz bom uso de sua herança como documentarista ao trazer um certo realismo ao filme e abordar temáticas como racismo e preconceito no Velho Oeste americano.

Cena do filme Relatos do Mundo. Na imagem, é possível ver o Capitão Jefferson Kyle Kidd, vestindo um casaco escuro e um chapéu, montado em um cavalo marrom. Também é possível ver Johanna Leonberger, usando uma capa marrom grossa por cima de um vestido amarelo. No fundo da imagem também é possível ver várias carroças e cavalos acompanhando uma caravana. As cores da imagem são bem claras, com uma paleta de cores mais amarelada e saturada.
A relação entre o Capitão Jefferson Kyle Kidd e Johanna Leonberger se desenvolve em um ritmo lento, indo de amizade até algo mais paternal, mas que dá o tempo necessário ao espectador para absorver o conjunto de emoções contidas nas interações (Foto: Reprodução)

Diferentemente do que se esperaria de um filme pertencente ao gênero de western, Relatos do Mundo não é uma narrativa de ação, e sim um drama que visa desconstruir levemente a imagem do público de um protagonista de faroeste e demonstrar o valor de uma história em um cenário abalado. O enredo se passa em 1870 no Texas, logo após a Guerra Civil Americana, uma época e um meio ainda extremamente abalados pelo confronto entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos e também pelas resoluções desse. 

A obra tem seu início com uma das cenas que marcam a sua essência: Capitão Jefferson Kyle Kidd (Tom Hanks) se preparando para ler as notícias para as pessoas no condado de Wichita Falls, uma região de herança confederada antes de ser anexada pela União. Ele é um veterano confederado que perdeu tudo na Guerra Civil – trabalho, negócio, esposa, fé e propósito – e que passou a ganhar a vida viajando de cidade em cidade para realizar essa leitura. 

A trama em si tem início após o personagem de Hanks levar um golpe do acaso em uma de suas viagens: ele se depara com Johanna Leonberger (Helena Zengel, indicada ao Globo de Ouro e ao SAG Awards com apenas doze anos de idade), uma criança de uma família alemã que foi tirada de casa por nativos Kiowa, crescendo entre os mesmo e adotando seus costumes antes de ser “resgatada” por soldados da União. E esse encontro força ambos a buscar um propósito para suas respectivas histórias. Kidd quer encontrar um motivo para continuar a sua própria narrativa, e a garota quer uma maneira de lidar com a perda de sua família biológica e sua adotiva.

Cena dos bastidores do filme Relatos do Mundo. Na imagem, é possível ver em primeiro plano uma tela preta de enquadramento direcionada para Tom Hanks, usando um casaco cinza e chapéu, e Helena Zengel, que está usando uma capa marrom nos ombros e um vestido amarelo. No fundo da imagem ainda podem ser vistos em torno de seis figurantes, todos usando casacos e chapéu de vaqueiro. Em último plano pode ser vista a paisagem de uma colina verde no período do dia.
Foto dos bastidores da produção: Relatos do Mundo é a segunda obra na qual Tom Hanks e o diretor Paul Greengrass trabalham juntos – a primeira foi Capitão Phillips (2013) (Foto: Reprodução)

Relatos do Mundo segue a mesma linha de realismo fino já característico da direção de Paul Greengrass, e é a segunda obra que o diretor e Tom Hanks trabalham juntos – sendo a primeira o filme Capitão Phillips (2013) -, e a estreia do ator no gênero de faroeste. No entanto, apesar do peso do nome de Hanks, e do mesmo apresentar o auge de uma atuação paternal, o seu protagonismo é colocado em cheque pela atriz mirim com quem contracena.

Ainda, a produção arrecadou cerca de 11,4 milhões de dólares em bilheteria nos Estados Unidos antes de ser lançada na plataforma de streaming. Apesar de possuir vários clichês, a narrativa nos presenteou com uma história bem consistente e até emocionante; com Tom Hanks demonstrando um bom relacionamento com o gênero de western e Helena Zengel como uma artista talentosa e em crescimento no mundo do cinema.

A construção da narrativa de Relatos do Mundo segue um ritmo razoavelmente lento, dando tempo para o espectador absorver a gama de sentimentos e reflexões implícitas e explícitas no roteiro adaptado por Paul Greengrass e Luke Davies. O ponto alto do enredo, e a base para todos os acontecimentos, é o desenvolvimento da consciência do Capitão em relação à Johanna e sobre suas atitudes com a mesma, que está em um estado quase de anomia diante da sociedade. No fim, ele encontra em seu relacionamento uma oportunidade para dar um sentido à sua própria trajetória e às histórias que conta de cidade em cidade.

Um dos possíveis erros cometidos pelo espectador ao assistir Relatos do Mundo é a comparação do mesmo com o filme dos Irmãos Coen, Bravura Indômita (2010), pelo fato de ambas as produções se fundamentarem no desenvolvimento de uma relação paternal entre um homem martirizado pelo tempo e uma jovem perdida no mundo – no caso da obra de Ethan e Joel Coen, Mattie Ross e Rooster Cogburn. No entanto, enquanto o personagem de Jeff Bridges buscava um fim para a sua história e a personagem de Hailee Steinfeld dava sentido para a sua na busca por vingança, Kyle Kidd quer encontrar um motivo para continuar sua própria história e Johanna procura um porto seguro para se apoiar em frente à um mundo cruel.

 Cena do filme Relatos do Mundo. Na imagem, é possível ver Jefferson Kyle Kidd usando um casaco cinza e colete escuro, sentado em um banco segurando uma caneca de metal e olhando para Johanna Leonberger, que está sentada no chão segurando um livro e está vestindo um casaco marrom com um vestido amarelo. Ambos estão ao ar livre durante a noite em frente a uma fogueira, cercados por caixas, sacolas, uma carroça e equipamentos de viagem.
Tom Hanks apresenta uma imagem já conhecida nos filmes de faroeste: a imagem do velho veterano silencioso, honrado e assombrado por seu passado (Foto: Reprodução)

Alguns outros aspectos da obra valem ser mencionados, criticados e elogiados, por exemplo, a própria presença dos clichês –  especialmente aqueles relacionados à construção do personagem de Tom Hanks como um homem marcado pelo tempo e por memórias terríveis mas que ainda possui um forte sentimento paternal em si –  que enriquecem a narrativa somente até certo momento, antes de se tornarem uma simples falta de inovação. Outro ponto que merece ser citado é a Trilha Sonora Original que, apesar de incorporar o enredo de forma extremamente natural e adicionar um elemento que dá riqueza à paisagem, poderia estar mais presente durante algumas cenas.

Ela é assinada por James Newton Howard, que já compôs as trilhas de filmes como O Sexto Sentido (1999) e Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). E, finalmente, a composição da paisagem e do cenário como um todo, que, apesar de não ser tão vivo quanto em obras como A Balada de Buster Scruggs (2018), ainda se vale de pequenos detalhes oferecidos em pequenas medidas para o espectador, mas que ajudam a construir a tensão e o drama da época. 

Cena do filme Relatos do Mundo. Na imagem, é possível ver o personagem de Tom Hanks deitado e escorrendo um fio de sangue de sua testa; o mesmo também está segurando uma lata de metal cinza e está olhando para a personagem de Helena Zengel - a mesma está usando um vestido amarelo e está sentada. Ambos estão sobre uma colina durante o dia. Em segundo plano é possível ver uma planície seca.
Imagem de Tom Hanks e da atriz mirim coadjuvante em ascensão, Helena Zengel (Foto: Reprodução)

Relatos do Mundo teve boas avaliações nas críticas mundiais e nas bilheterias, com nomes de peso na direção, produção e no elenco, além de ter apontado os holofotes para uma das mais jovens e promissoras atrizes no mundo do cinema: Helena Zengel. O filme, ao todo, acumulou sete indicações ao Critics Choice Awards, duas ao Globo de Ouro, mais duas no SAG Awards e quatro para o Satellite Awards. Por causa de sua quantidade de nominações, valor de bilheteria e composição de elenco, Relatos do Mundo se mostra como um nome forte para a temporada do Oscar 2021.

Enfim, apesar de seus pequenos deslizes, Relatos do Mundo visa mostrar o valor de uma história bem contada e sobre como esse tipo de atividade afeta até os corações assombrados por memórias horrendas. Não sendo um filme de ação ou suspense, mas sim um drama muito bem construído e trabalhado por meio da soma de elementos como elenco, enredo, música, paisagem, uma boa história e bons ouvintes. Uma amálgama de alguns clichês que resultam em um enredo emocionante de um veterano de guerra e uma garota sozinha no mundo que tem de enfrentar os perigos do Texas e dos homens para darem motivo às suas vidas.

Deixe uma resposta