Rua do Medo: 1978 prova que a barra era bem mais pesada nos anos setenta

Cena do filme Rua do Medo: 1978. Podemos ver a fachada em madeira do acampamento, escrita CAMP NIGHTWING. Ela está no topo da imagem. Abaixo, vemos a entrada do acampamento, uma rua bifurcada e muitas árvores ao redor, e várias crianças andando pelo local.
A diretora Leigh Janiak é novamente bem sucedida ao adaptar as obras infanto-juvenis de R.L. Stine (Foto: Netflix)

Caroline Campos

Há quem diga que qualquer outra época é fichinha perto da década de 70. Com mais sexo, mais drogas e muito mais sangue, alguns dos clássicos indiscutíveis do terror saíram rastejando do inferno setentistaO Exorcista, Halloween, Suspiria, O Massacre da Serra Elétrica, Carrie – A Estranha podem encabeçar a lista. Para quem não superou Michael Myers e Leatherface, nada melhor para, em pleno 2021, reviver todo aquele bando de gente morrendo esfaqueada, desmembrada ou possuída do que com Rua do Medo: 1978, a segunda parte da trilogia lançada em três sextas-feiras pela Netflix.

Se Rua do Medo: 1994 já foi uma obra ambiciosa e divertida ao ambientar a cidadezinha amaldiçoada de Shadyside e seus moradores assassinos, a diretora Leigh Janiak garante que não está para brincadeira ao voltar no tempo e desenvolver uma história ainda mais frenética e sangrenta. Agora, Deena e Sam são deixadas de lado para conhecermos as irmãs Berman e entender aquele verão caótico de 78 no Acampamento Nightwing, quando o jovem monitor Tommy Slater “teve um surto psicótico” e assassinou a machadadas doze crianças durante a clássica Guerra das Cores de Sunnyvale contra Shadyside.

Cena do filme Rua do Medo: 1978. Emily Rudd e Sadie Sink se encaram, uma de frente para a outra e de perfil para nós. Emily, à esquerda, tem cabelos ruivos, é uma mulher branca e usa camisa polo branca com listras laranjas. Sadie, à direita, é mais jovem, também ruiva e branca, e usa uma blusa branca com listras vermelhas e azuis.
O roteiro aproveita a deixa para desenvolver os traumas psicológicos pelos quais Shadyside é responsável sobre seus habitantes (Foto: Netflix)

Apesar de se passar em 1978, é a obra de 1980, Sexta-Feira 13, e seu Acampamento Crystal Lake que dialogam explicitamente com a segunda parte de Rua do Medo. A máscara de hockey de Jason Vorhees dá lugar para um saco medonho que envolve a face do Assassino de Nightwing, um dos serial killers de Shadyside que aterrorizam a vida dos protagonistas do primeiro filme – Simon que o diga. O resultado são 110 minutos de homenagens e referências a slashers clássicos e Stephen King, mas sem perder a própria personalidade no meio de tanta reinvenção.

Por se tratar do filme do meio da trilogia, 1978 provocou menos expectativas do que 1994 e 1666, que se propuseram a iniciar e finalizar uma história de mais de três séculos. No entanto, o protagonismo das irmãs Berman, o clima mórbido e claustrofóbico tanto em cima quanto embaixo da terra e o desenrolar poético e violento da trama roubaram a cena na empreitada de Janiak. A imersão no flashback de C. Berman (Gillian Jacobs) é tão grande que fica fácil se esquecer de uma Sam possuída e amarrada no banheiro e consolida Rua do Medo: 1978 – Parte 2 quase como um filme solo e independente de suas amarras familiares

Dessa vez, o roteiro de Leigh Janiak mira e acerta em um melhor desenvolvimento das relações entre personagens, focando, especialmente, em Cindy e Ziggy (não o Stardust), interpretadas por Emily Rudd e Sadie Sink. O amor das irmãs, escondido atrás de xingamentos e frases cruéis, é o motor mais eficiente que um filme de terror como Rua do Medo poderia ter escolhido. Sem muitos paparicos românticos, o eixo da narrativa se volta para o papel das garotas nos últimos passos da única sobrevivente da maldição de Sarah Fier – C. Berman é, de longe, uma das final girls mais interessantes dos últimos tempos.

Leigh Janiak, uma mulher branca, loira, de blusa preta e calça jeans, dirige Ted Sutherland e Sadie Sink no set de filmagem. Ela está agachada à direita, com o roteiro em mãos. Ao seu lado, Sadie Sink encara o papel em suas mãos. Sentado no chão à esquerda, Ted Sutherland também olha em direção ao papel nas mãos de Leigh.
O xerife Nick Goode também retorna ao passado em 1978, interpretado pelo jovem Ted Sutherland (Foto: Entertainment Weekly)

Enquanto isso, viver em uma cidade assombrada por uma bruxa ainda é algo que os moradores de Shadyside têm dificuldades para engolir. A inconformada da vez é Ziggy, a garota rebelde perseguida pelos companheiros de acampamento de Sunnyvale. Sadie Sink, completamente à vontade no meio do massacre, consegue manter o carisma mesmo enquanto é esfaqueada por um leiteiro-zumbi. Sua personagem é a heroína incompreendida pela qual vale a pena torcer, e nossa Mad Max carrega a coroa do protagonismo com elegância e descontração.

É em Ziggy, por sinal, que podemos perceber as referências mais divertidas do filme: para se vingar de Sheila, surge Carrie; perseguida por Tommy, as machadadas na porta retomam à O Iluminado; quando é xingada nas paredes, a frase “Ziggy chupa paus no inferno” é quase a mesma que sai da boca de uma jovem Regan possuída em O Exorcista. Janiak claramente se entretém ao esconder os detalhes para instigar os fãs de horror mais atentos. 

Bem mais assustador do que o assassino-estilo-Ghostface de 1994, o Nightwing de McCabe Slye eleva o padrão de brutalidade da trilogia ao esquartejar criancinhas vestidas com o azul de Shadyside. As cenas podem não ser 100% explícitas, mas os membros espalhados em poças de sangue e o barulho seco e repetitivo do machado adentrando a pele são suficientes para causar arrepios de agonia ou excitação, dependendo do tipo de espectador. Isso talvez se explique pelo fato de que Rua do Medo: 1978 foi o último dos três filmes a ser filmado, então, como disse em entrevista ao IndieWire, Janiak já estava tão cansada que apenas pediu para “jogar mais e mais sangue em tudo”.

Cena do filme Rua do Medo: 1978. O assassino de Nightwing, um homem com blusa amarela, jaqueta vermelha e um saco marrom na cabeça, está no centro da imagem. Podemos vê-lo de baixo para cima, e ele está com um machado ensanguentado nas mãos. Acima dele, há uma única lampâda deixando a foto amarelada.
Além do aprofundamento na história de Ruby Lane ao longo do filme, ainda pudemos, de brinde, vislumbrar mais duas figurinhas do álbum de assassinos da trilogia: Billy Barker e o Milkman (Foto: Netflix)

Enquanto a trama da superfície fica responsável por desmembrar Shadysiders, o plot subterrâneo de Cindy e Alice (Ryan Simpkins) mergulha mais profundamente nas artimanhas de Sarah Fier. No segundo longa, a bruxa é retratada como uma verdadeira vilã, que quer, a todo custo, impedir que aqueles adolescentes quebrem sua maldição. Através de um labirinto de cavernas, Sarah ganha personalidade e contornos mais vívidos na história, dando palhinhas de suas falecidas vítimas e provocando o subconsciente das jovens. A mitologia ao redor da bruxa também ganhou uma grande e horrenda gosma para chamar de sua, que, aparentemente, só serve para gerar assassinos, fornecer o exército de moscas que assombram a trilogia e, bem, ser nojenta.

Como se não soubéssemos que tudo daria errado e voltaria a acontecer 16 anos depois, assistir a sequência final de Fear Street: 1978 espanta tanto pela beleza quanto pela violência da cena, como se A Criação de Adão tivesse sido pintada pelas garras sangrentas de Wes Craven. Sarah Fier definitivamente não estava para brincadeira com esse lance de vingança, e Leigh Janiak faz questão de deixar isso claro ao fechar seu filme.

Irreverente, astuto e espirituoso, Rua do Medo: 1978 – Parte 2 é aquilo que os apaixonados por slashers esperam ao dar play em uma obra que se propõe a revigorar o gênero. Apesar da necessidade gritante do roteiro de explicar tudo ao espectador como se fôssemos amebas, o magnetismo da segunda parte da trilogia contagia o suficiente para que o gancho final seja dado com eficiência. Agora, cabe ao passado desenterrar a ossada de Sarah Fier e questionar até que ponto Shadyside é responsável por suas próprias maldições.

 

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