A verdade é que Cruella surpreende os desfiles, impressiona os críticos e conquista os holofotes

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, em pé, com braços e pernas abertas, com o corpo inclinado para a esquerda. Ela é branca e possui os cabelos presos no alto, metade branco (lado esquerdo dela) e metade preto (lado direito dela). Ela usa um vestido comprido metade preto (do lado direito) e metade branco com manchas pretas (lado esquerdo), como um dálmata. Próximo ao peito, tem três fivelas pretas. O vestido possui um capuz preto. Ela usa botas pretas compridas e luvas curtas pretas de renda. Ela segura uma bengala preta na mão direita. Emma está numa passarela. Ao fundo, tem fumaça colorida e fogos de artifício. Em ambos os lados da passarela, estão a plateia, com pessoas aplaudindo e fotógrafos.
“Eu sou mulher, me ouça rugir” (Foto: Disney)

Júlia Paes de Arruda

Pensar na existência de um segundo live action da vilã de 101 Dálmatas não era muito animador. Seria à altura da icônica performance de Glenn Close na adaptação de 1996? Pois é, quando Emma Stone apareceu num look exuberante, já deu pra notar que não seria igual ao outro. De protagonistas, os cachorros passaram a ser meros figurantes. A antagonista invade a Londres da década de 70 carregada pela moda, cheia de frustrações e mágoas de um passado solitário. Original, criminosa, vestida para matar. É assim que Cruella se apresenta para nós. 

A nova produção do Disney+ acompanha a jornada de Estella (Emma Stone), uma criança geniosa e determinada, até a fase adulta de pequenos crimes, ao lado de Gaspar (Joel Fry, de Game of Thrones) e Horácio (Paul Walter Hauser, de Cobra Kai). Inspirada pela mãe, a jovem mantém o desejo de um dia se tornar uma grande estilista. Seu talento chama a atenção da Baronesa Von Hellman (Emma Thompson), dona de uma influente grife e, a partir daí, uma sucessão de eventos farão com que Estella desapareça para que Cruella se materialize. É como se enxergássemos duas personalidades: enquanto Cruella esbanja poder, Estella é uma garota tímida e sonhadora.

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, do peito para cima, como Estella. Ela é branca, possui olhos azuis claros e contornados com lápis e cabelos vermelhos escuros. Ela usa uma boina preta, um casaco preto e segura uma mochila preta nas costas. O fundo está desfocado, mas se trata de uma rua de Londres.
Será que estamos de frente com uma nova versão de O Diabo Veste Prada? (Foto: Disney)

O mérito de Cruella é de Emma Stone. A atriz sai da cômica Hannah de Amor à Toda Prova e da dramática Mia de La La Land para despertar a brilhante Cruella De Vil. Seu visual monocromático vibra, grita e abala os olhares gélidos e neblinosos da tediosa capital britânica. Stone se sente à vontade no papel visto que entrega cargas dramáticas com muito fôlego ao mesmo tempo que se solta para performar uma complexa e surpreendente vilã. Ela consegue transitar do ácido ao engraçado em segundos de cenas. Nossos olhos ficam fixos na sua transformação cheia de glamour e nem um pouco entediante.

A cereja do bolo é Emma Thompson, que se desprende da boba professora Sibila Trelawney de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban para dar lugar à egocêntrica Baronesa. Sua versatilidade é magnífica, incorporando uma solidão e obscuridade dignos de uma elite hipócrita da época. Aderindo somente a tons clássicos da alta costura, Thompson constrói uma personagem megalomaníaca, capaz de descartar tudo e todos para se manter no status da grandeza.

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, do peito para cima, como Cruella. Ela é branca, possui olhos azuis claros com sombra preta e usa um batom vermelho na boca. O cabelo é curto e ondulado, metade branco (lado esquerdo dela) e metade preto (lado direito dela). Ela veste uma jaqueta de couro preta e uma gargantilha também preto. O fundo está desfocado, mas ela está num campo verde. Ao seu lado, está o ator Paul Walter Hauser. Ele é branco, possui cabelos curtos e usa um chapéu preto. Ele veste uma camisa preta. Ao lado esquerdo de Emma, está uma silhueta de uma pessoa. Ela veste um chapéu e roupa preta.
A vilã monocromática já apareceu na série Once Upon a Time e foi tema de um clipe de Selena Gomez (Foto: Disney)

Ao lado de Baronesa, temos John (Mark Strong) que é basicamente o próprio Nigel de Miranda Priestly. Além de ser o mordomo/assistente, John tem papel fundamental para que Cruella se defina e se estruture como a personagem que conhecemos. O filme solo da vilã de 101 Dálmatas também nos apresenta Anita e Roger, os donos de Pongo e Perdita. O diferencial é que, no live-action, os dois não são um casal. 

Anita (Kirby Howell-Baptiste) é uma jornalista, que auxilia Cruella a se destacar nas manchetes londrinas. Já Roger (Kayvan Novak) é o mero advogado da Baronesa. Ambos não desempenham uma função de proeminência, porém se tornam referências icônicas do desenho animado. A mudança para uma atriz negra e um ator descendente de iranianos busca trazer a representatividade, mas, pelos poucos momentos dos personagens em tela, a proposta acaba se tornando mais uma estratégia comercial.

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, do peito para cima, como Cruella. Ela é branca, possui olhos azuis claros e cabelos presos para cima, metade branco (lado esquerdo dela) e metade preto (lado direito dela). Ela possui uma maquiagem preta sobre o rosto como fundo e os escritos “THE FUTURE” e um batom vermelho brilhante. Ela veste uma jaqueta preta de couro, com gola. O fundo está um pouco desfocado, mas do lado esquerdo de Emma se vê vários fotógrafos segurando câmeras antigas pretas. O lado direito de Emma está com uma fumaça branca.
Cruella abraça a estética rebelde, abusando de ornamentos ousados e excêntricos, como o longo vestido feito de antigas produções de Baronesa espalhados pelo lixo (Foto: Disney)

Não se pode falar de Cruella sem explorar a ousadia e a vaidade de seus figurinos. A designer Jenny Beavan, ganhadora de dois Oscars – um deles por Mad Max: Estrada da Fúria (2015), se inspirou no movimento punk da década de 70 para demonstrar a rebeldia que a personagem precisava. Em meio ao ambiente urbano, Cruella é a própria visão do futuro. 

Nesse período, a alta costura deixou de ser algo exclusivo e começou o processo de democratização da moda. Visuais andróginos estavam em alta, fazendo transparecer a sexualidade, a liberdade e a criatividade. O movimento punk, muitas vezes incompreendido, substituiu o colorido e o glitter da discoteca pelas jaquetas de couro pretas, um visual grotesco e as tachas pontiagudas. A vilã abusa da extravagância e de maquiagens carregadas. A fúria e o desejo de vingança se revelam através de suas roupas e, assim, Estella transforma-se em Cruella. 

A audácia da personagem também se reflete nas suas atrevidas exibições. No meio de um monótono baile preto e branco, Cruella encarna uma Katniss Everdeen e abre espaço para o vermelho vivo tomar conta da celebração. Ela não tem medo de se arriscar e não nega o grandioso talento que possui em mãos. Ousa em tecidos, cortes e costuras exóticas para sacudir as passarelas dominadas pela Baronesa. É assim que ela conquista seu espaço.

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, em cima de um carro antigo prata. Ela é branca e possui cabelo metade branco (lado esquerdo dela) e preto (lado direito dela). Ela usa um vestido comprido, com a parte superior preta com adereços em dourado e uma saia longa de pétalas de flores, num degradê, de cima para baixo, do vermelho ao preto. Sua mão direita está levantada, com os dedos para cima, e sua mão esquerda, levemente levantada com os dedos apontando para a esquerda. Ao fundo, está um muro cinza, com três janelas grandes e arredondadas na parte superior. No centro da terceira janela (ao lado direito), um vidro está aberto. Em frente a esse muro, estão diversas pessoas paradas olhando para Cruella, algumas com câmeras antigas pretas tirando fotos (próximas ao lado esquerdo da imagem) e outras apenas em pé, parados com mãos no bolso e cruzadas na frente do corpo. Na parte inferior da imagem, é possível ver cabeças de pessoas tirando fotos de Cruella.
Esse vestido de Cruella foi costurado a mão, feito com mais de 5.000 pétalas de flores e com uma saia tão longa que possibilitou cobrir um carro (Foto: Reprodução)

Diferentemente de Malévola, o filme de Craig Gillespie (Eu, Tonya) é um acerto. Talvez pela participação de Emma Stone e de Glenn Close na produção executiva, unindo gerações de atrizes incríveis num trabalho que prometia muito. A diretora de arte Fiona Crombie também merece os cumprimentos, já que ela consegue transparecer ambas as personalidades da personagem de Stone de maneira sutil, mas decisiva. 

Enquanto estamos com o olhar em Estella, as cenas escritas por Dana Fox e Tony McNamara (juntamente com Aline Brosh McKenna, Kelly Marcel e Steve Zissis adaptando a história de Dodie Smith) se desenrolam com mais suavidade, acompanhando o desempenho da jovem compartilhando a vida com seus novos parceiros. Quando Cruella toma posse, tudo acaba virando caótico: a organização do apartamento, os desenhos nas modelos, a relação entre a vilã e seus (agora) capangas. A iluminação dos cenários também acompanha esse desenrolar, transitando de uma paleta mais amarelada para uma mais avermelhada, quase um vinho, mais sombrio.  

É em seu filme solo que conhecemos a obsessão da antagonista por dálmatas, tão evidente na elegante atuação de Glenn Close. Os cachorros demarcam um momento de dor da personagem, ao mesmo tempo que reforçam seu poder, sua ascensão num novo patamar. Seu alter ego maléfico assume a nova posição e nos confrontamos com uma anti-heroína extraordinária e destemida.  

Pôster retangular de divulgação de Cruella. Nela, estão presentes os atores Paul Walter Hauser, Emma Stone e Joel Fry, respectivamente. Paul está de frente, apoiado numa moto prata antiga. Ele veste uma boina marrom, camisa marrom, um casaco comprido verde, uma calça jeans com barra e botas marrons. Ao seu lado, sentado no banco da moto, está um cachorro caramelo peludo. À frente de Paul, próxima da câmera, está Emma como Cruella. Ela possui os cabelos metade branco (lado esquerdo dela) e preto (lado direito dela) e maquiagem preta carregada nos olhos. Ela veste uma blusa de manga comprida preta de couro e uma calça também preta. Elas está com as duas mãos na frente do corpo, segurando três coleiras com três dálmatas, que estão na sua frente. Ao lado de Emma, mas atrás, está o ator Joel. Ela veste um chapéu marrom, uma blusa vinho e uma jaqueta marrom. Os três estão num terreno de demolição, com uma construção grande e aos pedaços ao fundo.
“Acho que eles sempre tiveram medo que eu fosse uma psicopata” (Foto: Disney)

A pegada punk não se limita aos trajes de Cruella. Esse estilo também se faz presente dentro da trilha sonora do filme, o que contribuiu para essa áurea mais sombria. Além das criações de Nicholas Britell (indicado ao Oscar por Moonlight: Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse), músicas de The Clash, Queen, Black Sabbath e Deep Purple criam a atmosfera do lado ácido da vilã. Entretanto, existem quebras de ritmos mais pesados com as divertidas Should I Stay or Should I Go e One Way or Another, que espelham a ironia e o deboche da antagonista. Tudo foi milimetricamente pensado para que as duas particularidades de Cruella pudessem transparecer para o público. 

Juntamente com uma instrumentalidade espetacular, o diretor Craig Gillespie une uma narrativa primordialmente vinda do público infantil com o adulto, trazendo o equilíbrio entre o drama e a comédia. Ele procura dar profundidade aos capangas de Cruella para que eles possam acrescentar aos arcos da vilã e não servir apenas como burros de carga. Enquanto Gaspar é inteligente, Horácio é o alívio cômico, dono das cenas mais divertidas. Os dois funcionam como questionadores da vilania da amiga. Dessa forma, o trio não forma apenas uma gangue, mas sim uma família.

Foto retangular de uma cena de Cruella. A atriz Emma Stone está no centro, dos ombros para cima, como Cruella. Ela é branca de olhos azuis claros e usa maquiagem preta nos olhos e batom vermelho na boca. Ela está com o cabelo curto, ondulado, metade branco (lado esquerdo dela) e metade preto (lado direito dela). Ela veste uma jaqueta preta e uma gargantilha também preta. O fundo está desfocado. No lado esquerdo da imagem, é possível ver cinco luzes redondas amarelas acesas (duas em cima e três embaixo). Atrás de Cruella, se vê uma lareira. No lado direito da imagem, se vê um homem em pé, de terno e gravata, com os braços na frente do corpo. Atrás dele é possível ver duas luzes redondas amarelas acesas.
A famosa piteira de cigarros de Cruella não foi adicionado no live action pois, desde 2007, a Disney proíbe cenas de fumo em todas as suas produções (Foto: Disney)

Cruella reinventa a fórmula de sucesso do desenho animado e faz com que Emma Stone deixe sua marca, tanto que já acumula mais de um milhão e meio de dólares de arrecadação nos cinemas. Incorporando novos aspectos, mas ainda mantendo-se na tradicionalidade, o filme é completo e dinâmico. Com uma cena pós-créditos (obrigada pelos feitos, Marvel) curiosa, a trajetória de Cruella começa de maneira majestosa. Se depender de Craig Gillespie para criar novos filmes solos de vilãs queridas, temos uma próxima onda de live-actions belíssimos da Disney para degustar. 

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