Game of Thrones – Quinta Temporada: A briga pelo trono é um pormenor a ser superado

Decisiva para dizer qual será o encaminhamento da história no Mundo Conhecido a partir de agora, a quinta temporada foi marcada pela imprevisibilidade

gots5
Créditos: HBO

Matteus Corti

Esta crítica contém spoilers!

A última temporada de Game of Thrones exibida na televisão pode ser considerada uma das mais polêmicas, apesar de uma das mais fracas nos quesitos de roteiro e direção. Os dez capítulos se arrastaram até haver alguma dinâmica de enredo lá por volta dos episódios 8, 9 e 10. Carregando cerca de 6 mortes extremamente relevantes para o Mundo Conhecido, a temporada de mostrou que, a partir de agora, os enredos da série e do livro passam a ser incomparáveis e os arcos de alguns personagens já se mostraram distantes do que foi escrito por George R.R. Martin.

Há quem acredite que David Benioff e D.B. Weiss, produtores da série, abusaram de alguns artifícios de roteiro, como a condução extrema do destino de determinados personagens e a exposição de alguns deles a situações tidas, muitas vezes, como desnecessárias. Talvez o choque dos arcos literários até então conhecidos e modificados na série tenha sido o ponto de mais difícil digestão para os partidários da adaptação fiel e com antolhos. Em Sansa Stark e Tyrion Lannister temos os exemplos mais claros de descompasso entre as obras originais e a adaptação televisiva.

Com abertura para novos meios de retratar o enredo, a quinta temporada abriu espaço para um artifício de roteiro nunca antes utilizado em Game of Thrones: o flashback. Com uma fotografia escurecida e ares de antiguidade, uma experiência de Cersei decisiva para o desenrolar de seu arco foi mostrada na primeira cena da obra. As profecias que ela recebeu na floresta justificam suas atitudes para com a Fé Militante, sua preocupação com a filha Myrcella e o desejo de manter afastadas as manobras político-psíquicas de Margaery sobre seu filho.

O arco de Cersei, no entanto, não foi o mais agradável de ser assistido. A personagem foi sujeita a maus bocados e a todo momento, vemos eu anseio pelo poder se transformando em incapacidade de gestão perante uma sociedade politicamente instável como a de Porto Real. No episódio que levou o nome de “Caminhada da Vergonha” temos a definição de Cersei: uma Lannister em qualquer momento e condição, disposta a manobras mirabolantes para se perpetuar no poder e cuja cabeça nunca se deixará rebaixar. A grande atuação de Lena Headey também foi destaque na temporada e, especialmente nesse episódio, mostrou o porquê de suas duas indicações ao Emmy de melhor atriz coadjuvante em série dramática.

5 temp imagem 1

Apesar de ter concluído a Caminhada da Vergonha, o julgamento de Cersei ainda não foi realizado, sendo um dos momentos mais esperados da 6ª temporada

Chegamos em Dorne e encontramos ali a maior decepção de toda a produção. Tanto os fãs quanto a crítica são unânimes em afirmar a fragilidade do roteiro envolvendo a casa Martell. Conhecida por seus personagens de personalidade forte, incisiva e revolucionária, o núcleo de Dorne que deveria ser um dos grandes triunfos da série, não passou de um compilado de histórias mal contadas e pessimamente redigidas, acompanhadas de um roteiro fraco e sem qualquer background dos “porquês”, “comos” e “quems” dos personagens da região.

O enredo que deveria se ater a finalmente apresentar os atrevidos pares de Oberyn Martell, se preocupou apenas em montar um refúgio para Jaime Lannister ter o que fazer longe de Porto Real. As Serpentes de Areia pareciam crianças mimadas e Ellaria Sand (ex-esposa de Oberyn) uma rebelde sem causa, articuladora de uma gangue inexplicada. Doran Martell fez as vezes de um justiceiro inigualável que sequer sentiu os efeitos da morte trágica do irmão na temporada passada. O único elemento que se salvou deste núcleo foi a ambientação cenográfica, no mais, a economia nos gastos da HBO prejudicou a qualidade da produção.

Ainda em Westeros, o prêmio de melhor núcleo da temporada vai, definitivamente para o Norte, envolvendo os arcos da Patrulha da Noite, de Jon Snow, dos Selvagens e dos Outros. Mais uma vez vemos que a política é o tema mais recorrente em Game of Thrones. As últimas temporadas tem nos mostrado o quanto o poder pode ser de difícil administração e o quanto é difícil lidar com subordinados insatisfeitos. Com Jon Snow não foi diferente. Desde que assumiu o comando da Patrulha da Noite, o bastardo de Ned Stark tem sofrido com retaliações, desavenças com a equipe e dificuldades em impor suas decisões de maneira incontestável.

O norte dessa vez, nos deixou claro que a briga por quem deverá sentar ou não no trono de ferro é um pormenor a ser superado. O inverno chegou, como esperávamos desde a primeira temporada e com ele os Outros prometem não deixar o Mundo Conhecido em paz até que obtenham o que tanto desejam. Os Outros mostraram sua força em batalha contra membros da Muralha e Selvagens no episódio 8, denominado “Hard Home”. Ali vimos que seu exército cresce a cada morte (pelo seu poder de ressurreição)  e a mortalidade contestável dos Caminhantes Brancos torna ainda mais difícil elaborar uma frente de batalha contra seus planos de perpassar os limites da muralha.

Se antes tínhamos alguma dúvida da sobrenaturalidade misteriosa dos Outros, agora podemos afirmar que poucos tem recursos materiais para combatê-los. São resistentes ao fogo, mas não aos raros vidros de dragão e aço valiriano. Entender seus mistérios parece ser uma missão que não deve ser desvendada tão logo, se é que será.

Coube a Jon Snow elaborar alguma espécie de estratégia para impedir o ataque em massa dos Outros sobre Westeros e aliar consigo grupos tradicionalmente discordantes em torno de um objetivo maior. E foi com pequenos golpes de espada, ao som do bordão “pela Patrulha” em múltiplas repetições que Jon Snow deixou a vida para entrar pra história de Westeros. Traído pelos que sempre defendeu. Morreu honrado, embora não reconhecido.

5 temporada imagem 2
Logo após a última cena da temporada, teorias e especulações sobre uma possível volta de Jon Snow já circulam entre os fãs da série

Enquanto os conflitos na muralha parecem ser irrevogáveis, Sansa Stark é fruto de mais uma manobra de Mindinho e entregue em casamento para Ramsay da casa Bolton. O arco mais polêmico da temporada tem suas razões por ter recebido as mais severas análises da história da série. Ramsay é o personagem mais odiado da vez e não por menos: estratégias de tortura, manipulação e esfolamento de pessoas vivas fazem parte da sua carteirinha de atividades extra curriculares.

Sansa volta para o lar que não encontrava há cinco temporadas e quando achamos que a personagem finalmente estará desenvolvida e pronta para brigar por seus direitos, defender Winterfell e mostrar porquê é uma Stark e a que veio, é estuprada. Não que não deveríamos esperar que mais uma vez a HBO se utilizasse de estupro como artifício de roteiro para desenvolvimento de personagem. A questão aqui é muito mais profunda: Sansa já não havia passado por situações de abuso e desmoralização suficientes para ter se ligado de como a vida funciona em Game of Thrones? Ramsay já não havia se mostrado grotesco e doentio o suficiente para ganhar o ódio do público e se reafirmar como o grande vilão da vez? Por que, então, construir o arco dessa maneira? A resposta é clara: Theon/Fedor.

Theon Geyjoy foi torturado por um bom tempo por Ramsay até não ter mais condições psicológicas de se reconhecer como si mesmo. Tornou-se um serviçal, despido de suas próprias vontades e alheio à sua personalidade. Um escravo que Ramsay apelidou de Fedor. O personagem foi obrigado a assistir o estupro e a cena, com enquadramento fechado, lágrimas de sofrimento e olhares atônitos retrata que tal ato resultou no desenvolvimento de Fedor e seu retorno à realidade, ser novamente uma pessoa independente. Theon havia voltado.

O que é difícil de engolir é a construção de mais uma cena de estupro gratuita, que pareceu querer chocar por chocar, que se apresentou sem nenhuma justificativa. Usaram o estupro de uma personagem feminina como a Sansa -que convenhamos, já havia sofrido o suficiente-, para desenvolver um personagem masculino que poderia se recuperar com outros artifícios de roteiro. O sexto episódio mostrou que, mais uma vez, a HBO escreveu errado por linhas erradas ao retratar a violência sexual, ao normalizar o estupro se baseando em argumentos histórico-culturais sem justificativa dentro do contexto da obra e da construção dos personagens.

O núcleo de Winterfell se misturou com o arco de Stannis Baratheon, que auto declarado rei do Norte, decide retomar as antigas fortalezas da família Stark agora sob domínio Bolton. Em batalha com pouquíssimo tempo de tela, o exército de Stannis perde a batalha logo após sacrificar sua própria filha ao Deus Vermelho, a mando da feiticeira Melisandre. Stannis mostra como o anseio pelo poder pode corromper uma pessoa e em consequência de suas escolhas para chegar no trono de ferro, é sentenciado à morte pela fiel escudeira de seu irmão: Brienne de Tarth.

Em Essos, Arya Stark finalmente chega à casa do Preto e do Branco para iniciar seu treinamento e se tornar um homem sem rosto. O arco de Arya é construído de maneira essencialmente minimalista, precisando ser entendido em seus detalhes. A fotografia das cenas dentro do templo do Deus de Muitas Faces é escura, remetendo a emoções intimistas e a esforços contínuos para o alcance dos resultados. A personagem protagoniza uma das melhores cenas da temporada, quando finalmente consegue riscar mais um nome da sua lista de mortes. Mais um louro para Maisie Williams e sua incrível capacidade de atuação.

5 temporada imagem 3
Tyrion finalmente chega até Daenerys e deve ajudá-la a entender com mais propriedade a situação política em Porto Real. Assim que ela conseguir voltar, é claro

Para Daenerys Targaryen, a situação se fazia instável no controle de Meereen até a personagem passar a tomar medidas contra sua própria vontade, mas necessárias para a manutenção das condições de gestão política e para a conquista da confiança dos povos nativos da região. Tyrion Lannister, que desde o final da quarta temporada fugiu de Porto Real, chega ao encontro de Daenerys e temos ali os melhores diálogos de toda a série. O anão se mostra útil para a mãe dos dragões e após uma das mais aclamadas cenas da temporada e, finalmente, o voo de Danny em um dos dragões, a personagem deve assumir o lugar de mão da rainha de Meereen até que esta encontre o caminho para casa.

Cheia de altos e baixos, a temporada pareceu ter uma constância regular de transmissão de emoções. Os baixos, no entanto, foram extremamente significativos, haja vista a relevância dos personagens prejudicados nas escolhas do roteiro. A quinta definitivamente não é a melhor temporada de Game of Thrones, mas nos deixa ansiosos e perplexos para o que os produtores estão preparando para as próximas produções.

A sexta temporada de Game of Thrones estreia este domingo, 24 de abril, na HBO a partir das 22h.

Deixe uma resposta