Shazam! é a palavra certa da DC

A sabedoria de Salomão, a força de Hércules, a resistência de Atlas, os poderes mágicos de Zeus, a coragem de Aquiles e velocidade de Mercúrio: Shazam! (Foto: Reprodução)

Vitor Evangelista

A família está no centro de tudo. Shazam! é um filme sobre o coração dos bons e destemidos. Aqueles que, mesmo falhos, se tornam heróis. Billy Batson (Asher Angel) é um jovem que recebe poderes do Mago Shazam e, ao dizer seu nome em voz alta, assume a forma do homem perfeito. Na nova safra da DC Comics no cinema, o diretor David F. Sandberg adiciona sua visão elegante do terror a uma clássica história de origem.

Quando James Wan comandou Aquaman (2018), alguns meses atrás, ele usou de artifícios do horror para contar a ascensão do Rei de Atlântida. Agora o escolhido foi David F. Sandberg, responsável por Quando as Luzes se Apagam (2016) e Annabelle 2: A Criação do Mal (2017). O sueco abusa de sequências sombrias e maneirismos do terror para contrapor o raio iluminado do peito do personagem principal. E tudo funciona.

Shazam! abre numa sequência sombria de origem do vilão. Dr. Silvana (o hábil Mark Strong) trabalha numa crescente de descrença que muito se assemelha à vivida pelo protagonista Billy Batson. Enquanto Silvana carrega um remorso ácido do pai e irmão, Batson vivia na prisão invisível do abandono familiar, e de sua relação com a mãe.

O filme consegue construir bem essa ponte entre dois paralelos e resgata uma frase clássica da DC. ‘Basta um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático.’ Dita pelo Coringa, de Alan Moore, lá na Piada Mortal (1988). Ao passo que Silvana não conseguiu superar demônios (ele acaba libertando alguns), Batson se extravasa tanto na figura do super-herói quanto nos laços que cria com a família adotiva. E que família.

A grande surpresa do filme (Foto: Reprodução)

A família adotiva é o grande diferencial de Shazam! para outros filmes do gênero. Extremamente divertida e com um aroma de aconchego, o filme usa de sua diversidade não só como artifício estético, mas também narrativo. Aquele grupo de pessoas prova em tela o poder da união.

Antes de serem irmãos e irmãs, são amigos. O filme ainda reitera isso algumas vezes, o poder das palavras. Sejam elas mágicas ou ordinárias. Lar. ‘Ele precisa nos aceitar como um lar’, diz o pai em certo momento. E Billy usa a Sabedoria de Salomão para enxergar nas outras crianças o potencial enérgico que cada uma guarda no peito.

Autorreferente, Shazam! reconhece os eventos pós-Liga da Justiça mas só os relembra para tirar sarro (Foto: Reprodução)

Acima de qualquer rótulo ou etiqueta, Shazam! é um filme sobre se divertir com poderes. E sobre como garotos na adolescência lidariam com as dualidades de se tornar um super ser. Uma ida ao mercado para comprar cerveja acaba numa pancadaria e no salvamento do dia. O humor de Zachary Levi, intérprete do herói adulto, é acionado aqui.

Com uma molecagem que transborda a tela, Levi impressiona como o antigo Capitão Marvel (polêmica), mas a fluidez entre seu personagem e o de Batson não é orgânica. Shazam! não constrói um senso de coesão entre o menino e o homem e, muitas vezes, parecemos assistir duas personalidades completamente diferentes em tela.

Um vilão à altura (Foto: Reprodução)

Nas mãos de Sandberg, ministro do terror, e com o texto do especialista em aventuras infanto-juvenis de Darren Lemke, Shazam! sabe brincar com convenções do gênero. Sequências filmadas com uma urgência do medo são transmutadas para mini-aventuras oitentistas que saúdam filmes como Superman (1978) e a série da Mulher Maravilha (1975-79).

Freddy (Jack Dylan Grazer) é a alma do filme. O ator, conhecido por It – A Coisa, reafirma o papel do fã, auxilia o herói na descoberta do poderes e consegue subverter a dinâmica de ‘ajudante’, numa virada inédita no gênero. É Freddy, também, que ajuda a dar mais camadas a Billy Batson e construir a credibilidade de que o garoto de touca é sim o guerreiro com os poderes de Zeus e capa branca.

Considerando que os trailers despejaram na internet todas as piadas boas, Shazam! conseguiu esconder seu tesouro final à sete chaves, entregando um momento de cair o queixo nas salas de cinema (Foto: Reprodução)

Ainda na família, Darla (Faithe Herman) é quem mais tem a fazer. Encantadora, a atriz mirim de This is Us, ela também faz o elo de Billy Batson com os irmãos e pais adotivos. Mary (Grace Fulton) é a sábia do grupo. Eugene (Ian Chen) carrega um sentimento de extravaso muito bem vindo; e os dramas de Pedro (Jovan Armand) ainda reverberam em minha mente. A sutileza do filme é surpreendente.

A escolha da DC de adaptar a diversidade dos quadrinhos reacende a chama da representatividade. Escalar atrizes mulheres, negras, atores asiáticos e latinos, tudo isso num blockbuster hollywoodiano, é um feito a ser comemorado (e cobrado das próximas produções).

Just say the word (Foto: Reprodução)

O conceito dos Mundos da DC é promissor. Ao passo que, em dezembro, assistimos um épico subaquático em Aquaman, agora temos em mãos uma revisita aos clássicos dos anos 80 da Sessão da Tarde com Shazam!. O calendário marca o drama Coringa para o fim do ano; e 2020 engatando no papel feminino: Aves de Rapina e Mulher Maravilha 1984.

Shazam! enche o coração de alegria e funciona como um respiro aliviado. Nada de raio azul, monstro gigante ou uma cena enorme de poder imensurável do personagem título. Até as luzes se apagarem, Shazam! chama para o holofote temas como a infância e a família. Como o amor de seus próximos te ajuda a evoluir (e quem sabe até soltar raios pelas mãos). E a DC não poderia ter feito escolha melhor.

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