A Mulher na Janela nos convida a revisitar um clássico, mas se perde nele

Vemos cinco pessoas olhando para a câmera, em uma cena de A Mulher na Janela. A primeira, ao centro e à frente dos outros, é a atriz Amy Adams, que interpreta Anna Fox, uma mulher branca de cabelo ruivo preso, roupão rosa e camisola verde. Logo atrás, à esquerda vemos a atriz Jennifer Jason Leigh, que interpreta Jane Russell. Ela é uma mulher branca, de cabelo loiro e usa uma roupa social preta. Atrás dela, vemos o ator Brian Tyree Henry, que interpreta o Detetive Little, um homem negro, de cabelo curto, barba e sobretudo marrom. À direita, vemos mais dois atores. Wyatt Russell, que interpreta David, um homem branco, alto, de cabelo comprido loiro, barba, um blazer marrom escuro e calça jeans. Em seguida, Gary Oldman, ator que faz Alistair, outro homem branco, de cabelos grisalhos e um sobretudo preto.
O longa se passa predominantemente em uma locação, a casa de Anna (Foto: Netflix)

Gabriel Fonseca

Filmes são feitos de outros filmes. De músicas, pinturas, e livros também. Como linguagem e expressão artística, o Cinema está constantemente influenciando e sendo influenciado por outras obras. Algumas são referências diretas, como as centenas de easter eggs em Jogador Nº 1. Outras, são fontes de inspiração e resultam em um trabalho único, como a pintura de Edward Hopper que inspirou a casa horripilante de Psicose, um clássico de Alfred Hitchcock. 

Por sua vez, Hitchcock foi uma fonte de referências e inspirações para Joe Wright, que é conhecido por dirigir dramas como Orgulho e Preconceito e O Destino de uma Nação. Wright se aventurou no suspense com A Mulher na Janela, uma adaptação tediosa do romance homônimo de A.J. Finn. Lançado na Netflix em maio, o filme é pura reverência às obras do passado – especialmente às de Hitchcock – e as utiliza como fórmula, sem propor uma experiência própria, ou alcançar o mesmo nível de tais obras.

Fazer um filme com elementos visuais, técnicos, ou com enredo que nos lembre de outro não é necessariamente um crime artístico. Na verdade, assim nascem os gêneros que costumamos usar para classificar o Cinema. Os filmes pioneiros ganham créditos por lançarem uma tendência, enquanto os posteriores são notados quando ultrapassam os limites do convencional. Usemos o exemplo do clássico Blade Runner, de Ridley Scott. Com um futuro distópico herdado da literatura de George Orwell e Ray Bradbury, o longa ostenta a roupagem dos clássicos noir. O resultado é uma combinação inovadora das visões de passado e futuro, que rendeu uma continuação de mesmo nível.

Vemos uma foto em preto e branco do Diretor Alfred Hitchcock, falecido em 1980. Ele é um homem branco, calvo e robusto que usa um smoking preto e aponta uma pistola para a nossa esquerda
Mesmo após quarenta e um anos de sua morte, o diretor Alfred Hitchcock ainda influencia a Sétima Arte (Foto: CBS Photo Archive)

Apesar da baixa criatividade, o filme de Wright ganha pontos ao escolher Amy Adams para dar vida à protagonista Anna Fox, uma psicóloga infantil com depressão e agorafobia, um transtorno de ansiedade que a impede de sair de casa. Só de abrir a porta, Anna entra em pânico e desmaia. Nos primeiros minutos, surge o mistério inicial da história: a causa de sua condição psicológica. Tudo o que sabemos é que ela é divorciada, mistura remédios controlados com álcool, é fã de suspenses clássicos e desenvolveu uma obsessão pela vida dos vizinhos, especialmente os Russell, uma família que acabou de se mudar para a casa da frente.

A semelhança com Janela Indiscreta (1954) não é nenhum segredo, pois, logo no início de A Mulher na Janela, vemos um frame do clássico, congelado na televisão de Anna. Também podemos ver cenas de outros filmes do mesmo gênero, como Quando Fala o Coração e Prisioneiro do Passado. Estas referências são colocadas na tela por Wright, que quer nos familiarizar com a narrativa e, em alguns momentos, com as sensações despertadas pelos filmes mais velhos. 

Logo, o espectador se antecipa em relação aos acontecimentos principais da trama: a protagonista que não pode sair de casa é testemunha de um assassinato, visto através de sua janela, o que coloca a sua vida em perigo também. Porém, construída com um perfil psicológico pouco confiável, Anna nos conduz à direção errada. Joe Wright, por sua vez, tenta nos posicionar dentro da cena, como observadores à espreita; o que consegue algumas vezes graças à atuação de Amy Adams e a cenografia. Tanto a atriz quanto a casa que a cerca são aflitivos, como se os dois representassem o mesmo estado de espírito.

Vemos a personagem Anna Fox (Amy Adams) de frente para a janela de seu escritório, à direita. Ela é uma mulher branca, ruiva e usa um roupão rosa. A janela tem cortinas azuis e, ao fundo, vemos uma escrivaninha com diversos objetos em cima, incluindo um abajur amarelo. Na parede, podemos ver um quadro de um homem sentado, voltado para a esquerda. Assim, como o roupão de Anna e as cortinas, vemos o contraste de tons de azul no quadro e na parede com o tapete.
O cenário de A Mulher na Janela mescla referências artísticas, como o quadro do escritório de Anna e as janelas de Janela Indiscreta (Foto: Netflix)

Esta combinação entre a performance de Amy Adams e o cenário são como âncoras para criar o suspense. Vez ou outra, A Mulher na Janela expressa visualmente o delírio e o medo de uma mulher traumatizada. Os outros personagens são revelados, se mostram mais do que os arquétipos que atribuímos a eles, porém, a sua transformação não nos surpreende porque não sentimos o seu peso, ou conseguimos nos importar suficientemente. A única exceção é Alistair, o pai da família Russell interpretado por Gary Oldman. O vilão é fino e carrancudo, até quebrar a sua passividade e explodir. 

Mesmo com elementos interessantes, como a cenografia, o enredo inspirado em um clássico, Adams e Oldman no elenco, The Woman in the Window não transmite uma experiência a la Hitchcock. É apenas um amontoado de referências. Talvez o objetivo de Wright com este filme tenha sido explicitar as convenções do próprio gênero, para anteciparmos o enredo e nos surpreendermos com as alterações. Isto não acontece com quem assiste e não percebe tais referências – elas passam despercebidas, tornam a direção vazia. Por outro lado, para quem é aficcionado por este tipo de mistério, o filme soa como outro Paranóia, que não encontrou a própria voz.

Se posicionar em uma tendência artística ou gênero não é o mesmo que reproduzi-los. Se Joe Wright intencionou homenagear outro artista, se esqueceu de uma das suas características mais notáveis: a sua personalidade. Muitas decisões tomadas nesta produção não passaram de um chamariz comercial, sem o objetivo de despertar um sentimento, senão, o de familiaridade: o título e o enredo que nos lembram outro filme, o plano na escada de Um Corpo que Cai (1958) e a mudança de tom no final, para um terror slasher.  É como se toda obra fosse construída a partir de fórmulas, coisa que a Netflix faz às centenas, todos os anos.

Um comentário em “A Mulher na Janela nos convida a revisitar um clássico, mas se perde nele”

  1. Amarrou tudo no final e matou o benefício da dúvida da coincidência entre os estilos literários, narrativa e até produção geral quando apontou o padrão forte na Netflix em fazer conteúdo modelado.

    Agora – “uma adaptação tediosa” – foi forte! Haha

    Eu realmente não peguei as referências :/

    Parabéns, Gabriel!

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