Vessel: 10 anos do crepúsculo violento e alvorecer quieto de Twenty One Pilots

Foto do duo Twenty One pilots. Nela temos, da esquerda para direita, Josh Dun, um homem branco de barba preta e Tyler Joseph, um homem branco de cabelos pretos com luzes loiras. Os dois usam um moletom preto de esqueleto, enquanto Josh usa uma bermuda preta e um boné branco, e Tyler uma calça preta. Eles estão em um sofá amarelo e Tyler está apoiando seu rosto na mão esquerda, enquanto Josh olha para o lado esquerdo de braços cruzados.
Em uma estética a lá memento mori, as roupas de esqueletos foram um dos uniformes da era, nos lembrando de nossa mortalidade (Foto: Instagram/@twentyonepilots)

Guilherme Veiga

Lá em 2011, um grupo de Ohio passava por uma reformulação e almejava ser, na melhor das hipóteses, regional. O que não se esperava era que, dois anos depois, a banda envelheceria tão bem e se lançaria de forma tão contundente no cenário do mainstream alternativo. Agora um duo, os inseguros Tyler Joseph e Josh Dun assinavam seu primeiro contrato profissional como Twenty One Pilots, com a Fueled By Ramen, que hoje é responsável por nomes como Young The Giant e Paramore.

O fruto foi Vessel, disco que ecoa e ainda ecoará pela eternidade do dueto. Não se pode negar que foi Blurryface fez o barulho necessário para que o Twenty One Pilots alcançasse o tamanho que tem hoje. Mas sem seu antecessor de 2013, ele talvez sequer existisse. Sem esse terceiro registro na discografia com gosto de debut profissional, talvez milhões de clikkies não saberiam da existência de alguém capaz de entender, gritar e externalizar todos seus anseios.

Cena do show do Twenty One Pilots no Lollapalooza 2023. Na imagem vemos Josh, ele usa uma camiseta branca, uma balaclava preta e um óculos estilizado. Ele está tocando sua bateria, que tem alguns detalhes em escamas amarelas. A foto foi tirada de maneira que as luzes do palco, nas cores azul e vermelho, estão acentuadas, quase formando um flare
Substituindo blink-182 em um show apoteótico na edição 2023 do Lollapalooza Brasil, o duo sempre entrega várias faixas da era Vessel em seu setlist, como Holding On To You, Car Radio e Trees (Foto:Isabela Vernier/T4F)

O álbum é um sucessor espiritual de Regional at Best, última produção lançada de forma independente, tanto que, pelo registro antecessor ser descontinuado pela gravadora devido a questões contratuais, este recicla algumas de suas faixas. Se RaB, apesar da excelência lírica, parece ter sido gravado dentro de um micro-ondas, Vessel exalta que a banda tem um primor melódico, além da competência na escrita, que cada vez mais se maturaria ao longo dos anos.

Mas se engana quem pensa que o álbum é o ponto de ruptura entre o velho e o novo testamento do Twenty One Pilots. O registro mergulha ainda mais nas profundezas de Tyler Joseph e suas inquietações abordadas nos discos anteriores, sem deixar de desenvolver uma das assinaturas da banda: tratar de temas tão pesados e íntimos, mascarando-os com uma melodia enérgica e animada. Portanto, Vessel funciona como referência, lembrando tanto a própria banda quanto seus fãs, de onde o Twenty One Pilots veio e para onde ele vai.

Foto do duo Twenty One Pilots. Nela, vemos Josh Dun e Tyler Joseph, da esquerda para a direita, respectivamente. Josh é um homem branco e de cabelos e barba pretos. Ele usa uma camiseta branca e um boné militar. Tyler é um homem branco de cabelos pretos. Ele usa uma camiseta preta. Os dois estão sentados encostados em uma parede branca. Josh olha para a direita e Tyler, abraçado em seus joelhos, olha para a esquerda.
Disco recentemente se juntou a Blurryface e Trench como os álbuns da banda que ultrapassaram 1 bilhão de streams no Spotify (Foto: Lindsey Byrnes)

O essencial do disco foi definir a banda como indefinível. Nesse aspecto fica difícil encaixar o duo em um gênero específico, e isto de forma alguma é demérito deles. Pelo contrário, Vessel explicita como o Twenty One Pilots passeia por gêneros de forma muito consciente. Sem dúvidas, o maior trunfo é como Joseph incorpora o rap e o hip-hop entre as faixas, sendo totalmente perceptível em Screen, na qual os gêneros dividem perfeitamente espaço com um indie bem convidativo; ou em Fake You Out, em que a parte rimada tem como pano de fundo os sintetizadores típicos do alternativo.

Longe das lores extremamente rebuscadas dos projetos subsequentes, Vessel se passa em apenas uma noite, começando na insônia de Ode To Sleep e terminando no amanhecer contemplativo de Truce. Assim, o álbum conduz uma viagem pelos pensamentos intrusivos que podem transformar as madrugadas em algo interminável e se torna um profundo relato de quando nossos medos tomam forma e nos assombram.

 

“Vou ficar acordado

Porque a escuridão não está fazendo prisioneiros esta noite”

 

Essa viagem interna é a total prova do talento da escrita de Tyler Joseph. Dessa forma, Vessel funciona como uma tradução muito sincera de como o próprio vocalista enfrenta seus demônios, ora com raiva e angústia, ora se rendendo à eles, ou simplesmente aceitando a tarefa de sobreviver a si próprio. O ponto onde toda a genialidade lírica é muito forte é em Car Radio, talvez um dos maiores hits da banda e hino dos fãs. Na faixa, a letra usa a dupla interpretação para fazer um paralelo entre um carro com o rádio faltando e os questionamentos provocados pela solidão.

Segundo o próprio vocalista, o nome do álbum, tradução para ‘navio’, simboliza que nosso ser é esse objeto, que apesar de uma enorme e robusta casca externa, esconde muita coisa dentro, só se libertando quando morremos (ou, nesse caso, afundamos). Portanto, Vessel vai muito além da ponta de seu iceberg alegre e cativante. Ele é a corrida desesperada desbravando os corredores da embarcação no momento de choque, sendo também um naufrágio em nossa própria existência.

No dia 8 de Janeiro, quando o álbum completou seus 10 anos, a banda fez uma live comemorativa e, entre as curiosidades, versões acústicas e vinis especiais, pela primeira vez os dois falaram abertamente mais detalhes sobre a produção. Nela, eles contaram que os dois velhinhos que aparecem na capa, seus dois avôs, já faleceram. Podemos ter certeza que tanto aqueles senhorzinhos simpáticos, como a legião de fãs estão orgulhosos do rumo que o duo tomou. Mas o maior orgulho é dos meninos não terem desistido, seja da carreira ou até mesmo da vida. Se hoje muitos de seus fãs permaneceram vivos por vocês, o Twenty One Pilots também continuou vivo por nós.

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