A Cinco Passos de Você, obra cinematográfica lançada em 2019, completa cinco anos presente na memória afetiva de muitas pessoas. Dirigido por Justin Baldoni, o longa conta a história de dois jovens diagnosticados com fibrose cística que vivem uma história pura, mas dramática, de amor. O livro homônimo que inspira a produção audiovisual é escrito por Rachael Lippincott e Mikki Daughtry, e também foi lançado em 2019.
A película veio seguindo a tendência de romances teen trágicos iniciada por A Culpa É das Estrelas (2014), mas se mostra diferente por abordar a distância física entre os protagonistas, denotada no título, e discutir a necessidade do toque humano. Inclusive, a narrativa se inicia com essa ambientação: o quão importante é o contato com aqueles que amamos.
Nas séries centradas em adolescentes, as primeiras experiências são o ponto de partida para que a história se desenrole. A partir delas, sentimentos amorosos, dificuldades do Ensino Médio e o crescimento inerente dessa fase participam do processo de formação de um indivíduo. Em Com Carinho, Kitty, spin-off da trilogia de livros Para Todos Os Garotos Que Já Amei – adaptados pela Netflix -, a autora Jenny Han utiliza o formato televisivo para contar a jornada de Kitty (Anna Cathcart) em busca das suas raízes coreanas.
Lançado em 2013, Questão de Tempo foi um experimento muito bem-vindo. Dirigida e roteirizada por Richard Curtis, a comédia romântica, que completa uma década em 2023, explora as possibilidades e os limites das viagens no tempo, tanto como um recurso narrativo quanto uma metáfora para as escolhas e os arrependimentos da vida. O maior acerto do clássico moderno e despretensioso é não se preocupar em explicar mirabolantemente as ciências da viagem no tempo, mas usar seu espaço para relacionar a temporalidade – que quase se personifica – aos afetos dos personagens e suas relações com o mundo.
Inspirado em um quadrinho de comédia,Como Perder um Homem em 10 Dias comemora seus 20 anos de lançamento no ano de 2023. Conhecido como uma das maiores romcoms da atualidade, o longa mantém sua relevância atemporal, mesmo sendo alvo de certa necessidade de reparação mediante concepções antigas e sexistas perpetuadas na época de sua criação. Manter sua notabilidade não é um problema para o filme de Donald Petrie graças ao desenvolvimento de personagens comuns e identificáveis, estrelados pelos renomados atores Kate Hudson e Matthew McConaughey, que formam um par romântico imperfeito, porém certeiro.
O anúncio de adaptação de uma obra literária para as telas é algo que deixa muitos fãs apreensivos. A aposta da Amazon Studios em Vermelho, Branco e Sangue Azul permitiu que os admiradores do livro homônimo – escrito por Casey McQuiston – respirassem, de certa forma, aliviados ao verem seus queridos personagens ganhando vida. Em pouco menos de duas horas, o filme reconta a história de 392 páginas de Alex Claremont-Diaz e o príncipe Henry.
Na trama, Alex (Taylor Zakhar Perez) é filho da presidente dos Estados Unidos e queridinho da mídia americana, enquanto Henry (Nicholas Galitzine) é um dos príncipes da Inglaterra – amado não só por sua nação, mas também pelo mundo todo – e ambos não se suportam. Após um desastre no casamento do irmão mais velho do membro da realeza, que incluiu um bolo milionário sendo destruído, os jovens precisam manter as aparências para o público e fingir que são amigos de longa data. Conforme se aproximam, a mágoa e ressentimento entre os dois dá lugar a um sentimento novo, confuso e intenso, que pode pôr em jogo a reeleição da mãe de Alex e a vida do príncipe britânico na conservadora corte.
Em um dia cinza, uma trabalhadora de um supermercado é demitida por furtar uma refeição vencida, que iria para o lixo. Pouca diferença faz, já que um serviço tão mecânico poderia ser melhor aplicado em qualquer outro lugar. Na mesma cidade, mas aparentemente sem conexão nenhuma, um homem alcoólatra é dispensado por beber no trabalho. Para ele, a mesma coisa: com exceção do salário no fim do mês, pouco importa. É nesse cenário de desilusão e desesperança total que ambos se encontram, e Folhas de Outonomostra que é possível fazer comédia romântica sem nenhuma paixão ou graça.
Presente na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no Festival de Cannes, o longa do finlandês Aki Kaurismäki parte de um lugar comum: uma demissão – ou melhor, duas demissões. No entanto, com a constante frieza do trabalho assombrando o dia a dia, as risadas se fazem no absurdo e na solidão compartilhada entre dois protagonistas que igualmente buscam por conexão humana (ou animal) em meio a um cotidiano de sobrevivência.
Sofia Coppola é mestre em retratar mulheres jovens adultas enclausuradas em residências enormes sob o controle de terceiros. No entanto, se Maria Antonieta terminou com a cabeça na guilhotina, Priscilla Presley quebrou o ciclo de solidão e escapou de sua prisão em Graceland, a segunda casa mais famosa dos Estados Unidos. Em Priscilla, uma adaptação do livro de memórias Elvis and Me, a diretora e roteirista deixa o nome do Rei do Rock de lado para direcionar o olhar à personagem-título.
No dia 15 de Agosto, o Twitter ficou polvoroso com o lançamento de Campo de Morango, o lead single do terceiro álbum de Luísa Souza,Escândalo Íntimo. Tanto o videoclipe quanto a música em si pareciam ser uma confirmação de que a cantora só sabe compor letras vulgares e superficiais. Contudo, aqueles que estavam bem atentos sabiam que essa pequena prévia serviria para provar um ponto, que é uma das premissas do novo projeto: Luísa Sonza, como antes se conhecia, é uma fraude. Nesse lançamento, a artista potencializa sua voz e traz sua trajetória de amadurecimento como o centro da narrativa. Ela elabora conceitos visuais e sonoros acurados, apresentando referências explícitas e cristalinas, para que até mesmo aqueles que não querem possam enxergar.
Juras de um amor eterno e um pedido de casamento marcaram o lançamento de um dos casais mais queridos do mundo pop. Enquanto os fãs se decidiam entre Versace e Louis Vuitton para o matrimônio do ano, a notícia que ninguém esperava veio à tona: Rosalia e Rauw Alejandro se separaram. Para os filhos do divórcio, felizmente, restou um álbum impecável marcado pela mistura de estilos e vocais que definem o fim da era RR.
“Estou escrevendo para você de dentro de um corpo que era teu. O que é o mesmo que dizer: estou escrevendo como um filho.”
Nas primeiras páginas de Sobre a terra somos belos por um instante, o autor Ocean Vuong constrói sua posição durante toda a narrativa na tentativa de se refazer, se ver e perdoar por meio da alteridade de uma comunicação ao mesmo tempo concreta e hipotética. Através do resgate analítico da memória e da apresentação do ambiente, Vuong, chamado de Cachorrinho pela avó, escreve cartas para sua mãe, analfabeta funcional, revisitando episódios da infância no Vietnã e de sua adolescência nos Estados Unidos.
Colonialismo, maternidade, identidade, sexualidade, violência e luto são os pilares do livro, cujos episódios de trauma rememorados traçam um caminho linear para o entendimento da história de três gerações da família do escritor,e as complexidades recalcadas de pessoas estruturadas em meio à guerra, ao preconceito, ao refúgio e à vulnerabilidade.
Começando pelas memórias quando criança em um Vietnã desestabilizado pela guerra, Cachorrinho – a maneira que Vuong também se retrata em sua escrita – inicia o romance relembrando das primeiras vezes em que sua mãe foi violenta com ele. No acesso à infância, o escritor lembra alguns momentos em que ensina a matriarca a escrever, reproduzindo o que aprendeu naquele dia no jardim de infância. Esse é o momento em que a vulnerabilidade de quem o cria é escancarada para ele e que percebe que possui o que ela precisa para resolver esse problema. De uma forma sutil e perturbadora, esse episódio demonstra a maneira que o autor consegue colocar os dois se olhando do mesmo lugar.
“Você é uma mãe, Mãe. Você também é um monstro. Mas eu também sou – e é por isso que eu não posso me afastar de você. E é por isso que eu peguei a mais solitária criação de deus e te coloquei dentro dela.”
Passando pela situação de refugiado quando criança, em um paralelo sensível com o nascimento e morte de sua avó – entre o Vietnã e Estado Unidos –, a narrativa se torna mais política e identitária. A partir do momento que Cachorrinho conta a história das mulheres que o criaram, frutos de um estupro de guerra, nada segue sem que pautas sociais sejam colocadas de forma explícita, no entanto, nunca deixando com que a poética fique em segundo plano. Assim, Vuong cria uma atmosfera sólida de questionamento, ao mesmo tempo que deixa claro as complexidades subjetivas geradas a partir desses contextos, e quão decisivas são essas condições para que ele seja ele mesmo, a mãe seja a mãe e o país seja o país.
Chegando aos Estados Unidos, na casa de seu pai com quem nunca conviveu, o escritor tem um espaço para descobrir e explorar sua sexualidade (atualmente se identifica como uma pessoa queer). No livro, Vuong relata suas primeiras experiências com um homem pobre como ele, porém branco: Trevor, a única pessoa com quem ele realmente desenvolve uma relação além de sua mãe e avó. De uma forma totalmente analítica, o escritor apresenta todas as fases dessa relação, passando pelo estranhamento, o escatológico, as drogas, o entendimento, a identidade, o amor e a morte. Cachorrinho pôde conhecer a vulnerabilidade e a violência do amor e de uma relação que requer um entendimento político, social, subjetivo e identitário que não foi apresentado a nenhum dos dois, tornando tudo mais difícil e mais intenso na mesma medida.
O resgate da memória nas passagens da infância no meio da narrativa linear da história do Cachorrinho é o traço mais analítico de Sobre a Terra Somos Belos por um Instante. Ocean Vuong usa a escrita como ferramenta de articulação e busca, narrando sempre em primeira pessoa e, diretamente com a sua mãe, faz com que o objetivo de suas cartas nunca seja esquecido: dizer que se é. As coisas mais duras são lembradas de um jeito poético e grotesco, e quase sempre seguidas de uma imagem que bate de frente com a beleza apresentada de forma visual pela escrita.
“Uma vez você me perguntou o que é ser um escritor. Então vamos lá. Sete dos meus amigos estão mortos. Quatro de overdose.”
Cachorrinho tem acesso ao significado social de sua existência a partir do momento em que começa a reunir os episódios traumáticos de sua vida e colocá-los em uma posição de questionamento: ser um homem vietnamita refugiado, queer, adicto e pobre nos Estados Unidos significa algo. Além disso,as pessoas em volta dele fazem parte desse significado e a escrita tem o papel de síntese de sua própria vida. É como se, caso não fosse um escritor, Vuong jamais poderia contar quem é a ninguém, nem mesmo a sua mãe.
A busca pela identidade nunca acaba, mas toma um outro caráter. Depois que Cachorrinho entende sua existência, quem sua mãe e sua avó foram, e quem seu novo país abriga, o fluxo se torna outro e assume uma calma assustada de quem sabe que seu lugar está predefinido. Então, a subjetividade assume, mais que nunca, o papel de resgate do que nunca foi dado e uma possibilidade de se reconhecer no mundo. A escrita é o que salva: é o que salvou Cachorrinho de sua relação com sua mãe, que termina o livro rindo enquanto se lembra.
“Porque o pôr do sol, assim como a sobrevivência, existe apenas à beira de seu desaparecimento. Para ser belo, você primeiro precisa ser visto, mas ser visto sempre permite que você seja caçado.”