O deserto coletivo assola Paloma

Cena do filme Paloma, mostra a protagonista, uma mulher negra, sorrindo com um véu branco na cabeça.
Entre grandes títulos nacionais, Paloma faz parte da rica seleção da 46ª Mostra de São Paulo, na seção Mostra Brasil (Foto: Pandora Filmes)

Vitor Evangelista

Paloma trabalha colhendo mamões em uma plantação, faz bico de cabeleireira, namora com Zé e, junto dele, cria a pequena Jenifer no interior do Pernambuco. Ela é espirituosa, bondosa e amada por todos da cidadezinha, e no fundo, tem um desejo próximo ao coração: se casar na igreja, vestida de noiva, com buquê e chuva de arroz. Mas, quando enfim toma coragem e chega ao padre com o singelo pedido, ouve um sonoro ‘não’. Por ser uma mulher trans, o sonho de Paloma não pode ser concretizado. 

Na trama, presente na seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e inspirada por acontecimentos reais, quem interpreta Paloma é a grandiosa Kika Sena. Arte-educadora, diretora teatral, poeta e performer, graduada em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria em Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, Sena é pesquisadora nas áreas de gênero, sexualidade, raça e classe, e autora dos livros Marítima (2016) e Periférica (2017) e da zine Subterrânea (2019).

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Persona Entrevista: Lírio Ferreira

Cineasta discorre sobre o impacto do sertão na sua filmografia e o lançamento de seu novo filme, Acqua Movie, protagonizado por Alessandra Negrini

Arte do Persona Entrevista com Lírio Ferreira. À esquerda, o nome do quadro está na vertical em quatro linhas, duas brancas e pretas. No centro, há uma imagem em preto e branco de Lírio, um homem branco de 50 anos, que usa uma camiseta preta. À direita, há o poster do filme Acqua Movie, e, em cima, o nome do diretor em preto.
O último entrevistado do quadro de bate-papos do Persona foi o cineasta Felipe M. Guerra (Arte: Jho Brunhara)

Caroline Campos

Foi durante o governo de Fernando Collor que, em 1990, a Embrafilme, principal órgão de financiamento, coprodução e distribuição de filmes no país, foi extinta. O resultado não demorou para chegar e, sem incentivos fiscais, o Cinema brasileiro foi quase totalmente eliminado na época, quando cerca de apenas 3 longas-metragens chegavam às telas por ano. Com uma reestruturação gradual através de novas fontes de recursos, como a Lei de Incentivo à Cultura, em 1991, e a Lei do Audiovisual, em 1993, a produção cinematográfica nacional foi recuperando o fôlego e, hoje, chamamos essa fase regenerativa de Cinema de Retomada, entre 1995 e 2002.

Mas para que toda essa história? Hoje, o Persona Entrevista traz um dos cineastas que participaram dessa avalanche de novos filmes sedentos por vida. Ao lado de Paulo Caldas, Lírio Ferreira dirigiu o primeiro filme pernambucano em quase 20 anos sem produções no estado. Baile Perfumado, de 1996, traz um Lampião pop em uma narrativa influenciada pelo manguebeat, recriando as fotografias de Benjamin Abrahão do cangaceiro e seu bando. 25 anos depois, sob a sombra de um outro aniquilador cultural na presidência, Lírio comenta sobre a estreia de Acqua Movie em meio à pandemia e a importância da resistência artística durante o desgoverno Bolsonaro.

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O sertão deságua nos conflitos de Acqua Movie

Cena de Acqua Movie. Alessandra Negrini e Antonio Haddad estão dentros de um carro, ela está no volante e ele no passageiro. Alessandra é uma mulher branca, de cabelos castanhos na altura dos ombros. Ela usa uma regata, pulseiras de miçanga no braço esquerdo e possui uma tatuagem de âncora no braço direito. Ela sorri. Antonio a observa. Ele é um menino de 13 anos, branco, de cabelos loiros e lisos. Ele usa uma regata branca. Pela janela do carro, vemos uma paisagem seca, com árvores bem ao fundo.
Lírio Ferreira é diretor de Baile Perfumado, um dos filmes pioneiros na Retomada do Cinema pernambucano (Foto: Chá Cinematográfico)

Caroline Campos

Em 2005, Árido Movie viajou pelas estradas sertanejas com muita maconha, pouca água e informação em excesso. Com Guilherme Weber, Giulia Gam e Selton Mello, o longa do cineasta pernambucano Lírio Ferreira traçou seu caminho até Veneza e ficou marcado com muito afeto na filmografia do diretor. 16 anos depois, chega aos cinemas Acqua Movie, uma espécie de continuação espiritual da história, mas, desta vez, ambientada na liquidez das obras de transposição do Rio São Francisco.

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