O Oscar é passageiro e Ainda Estou Aqui é eterno

Aviso: o texto contém spoiler e aborda temas sensíveis.

Na imagem, Eunice olha para frente com expressão de tristeza e olhos marejados. A cena possui tons de azul e verde, cores melancólicas. O cenário é de um restaurante, ao fundo há mesas e um homem em desfoque à esquerda. Eunice é uma mulher na faixa dos 60 anos, de pele clara, cabelos escuros e lisos na altura do pescoço. Ela usa brincos grandes, pretos e arredondados. Ela está vestindo uma camisa de botões, com a gola aberta. A roupa é na cor verde escura e estampas de flores.
O filme levou 350 mil pessoas aos cinemas no fim de semana de estreia (Foto: Globoplay)

Davi Marcelgo e Guilherme Machado Leal 

O Cinema de Walter Salles se concentra em temáticas semelhantes, principalmente em Terra Estrangeira (1995) e Central do Brasil (1998), histórias sobre memória, esquecimento e a relação de suas personagens com o Brasil. No primeiro, Fernanda Torres interpreta Alex e, no segundo, é a sua mãe, Fernanda Montenegro, quem dá vida à professora Dora. Em 2024, com Ainda Estou Aqui, adaptação de livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o diretor retoma a parceria com as atrizes para abordar um outro período da história: a Ditadura Militar brasileira. Ambientado no Rio de Janeiro da década de 1970, o longa-metragem acompanha a vida de Eunice Paiva (Fernanda Torres) e seus filhos após o desaparecimento de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado engajado na luta contra o regime ditatorial. 

Continue lendo “O Oscar é passageiro e Ainda Estou Aqui é eterno”

Entre passado e futuro, o presente em Sem Vergonha é a Arte

Cena de Sem Vergonha. Na imagem, a cantora Maria Alcina aparece com o rosto pintado de branco, sombra preta e batom vermelho. Ela veste uma roupa vermelha cheia de babados. Está se apresentando em um palco em frente a uma cortina azul.
Pertencente à seção Mostra Brasil da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Sem Vergonha é musical, biografia e saldo positivo para o Cinema brasileiro (Foto: Dilúvio Produções)

Jamily Rigonatto

O que faz um artista ser reconhecido como transgressor? Caso seu pensamento tenha sido direcionado a elementos como roupas, maquiagens e outros compositores estéticos, repense todas as suas certezas, pois Sem Vergonha te mostra que o segredo está na alma livre. Estrelado por Maria Alcina, o musical biográfico fez parte da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Mostra Brasil, e, como a artista que o protagoniza, estabeleceu que limites não são uma opção válida. Afinal, se não for para ultrapassar as barreiras, de que vale fazer qualquer coisa nessa vida?

Continue lendo “Entre passado e futuro, o presente em Sem Vergonha é a Arte”

Onda Nova – Gayvotas Futebol Clube é um hino ao desejo e a juventude

 Cena do filme Onda Nova - Gayvotas Futebol ClubeNa imagem, Marcelo e seu amante estão em um quarto, o quarto tem paredes brancas, chão de madeira, uma janela sem grades aberta, com vasos de planta. Nas paredes há um pôster com a logo do filme Star Wars: O Retorno de Jedi. Outras fotografias e pichações estão presentes. O ponto de vista é de um espelho, Marcelo aponta um revólver para o objeto. Ele veste uma saia curta, preta, de couro. Dá para ver seu pênis sair para fora, ele está sem camisa. Marcelo é um homem na faixa dos 20 anos, de pele clara e cabelos claros. No chão, o amante está deitado no colchão, olhando o espelho. O colchão está coberto com um lençol verde escuro. O amante também está pelado. Ele é um rapaz na faixa dos 20 anos, de pele clara e cabelos claros.
Com versão restaurada, pornochanchada brasileira faz parte da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Olympus Filme)

Davi Marcelgo 

O ano de 1983 foi marcado pela regulamentação do futebol feminino no Brasil, prática proibida desde 1941, na Era Vargas. Aquele ano também foi sublinhado por Onda Nova – Gayvotas Futebol Clube da dupla Ícaro Martins e José Antonio Garcia, filme produzido no polo cinematográfico Boca do Lixo e exibido pela primeira vez na 7ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, há 41 anos. Em 2024, o filme ganhou restauração graças à seleção para o Festival de Locarno (Suíça) e à união do trabalho da Cinemateca Brasileira junto à Martins, à família de Garcia e outros artistas e colaboradores. Além disso, teve duas sessões na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Retrospectiva.

Continue lendo “Onda Nova – Gayvotas Futebol Clube é um hino ao desejo e a juventude”

Circuito Cineclubes Sesc – Onde está Ana?

Cena do filme Ana. Sem Título. Na imagem, há seis fotografias de uma mulher negra. As fotos trabalham de forma documental, registrando as mudanças físicas da personagem em uma organização linear - três fotografias em cima e mais três fotografias em baixo. As mudanças físicas são principalmente no cabelo: na primeira imagem, ele permanece preso em um coque alto, e acompanhamos sua transformação até o penteado em estilo afro
Em Ana. Sem título, exibido na Mostra “Cinema é Direito” no Sesc Bauru, entramos em uma jornada sobre governos totalitários, o feminismo nos anos 70 e 80 e sobre a Arte como forma de denúncia (Foto: Imovision/Taiga Filmes)

Clara Sganzerla

Viajamos, todos os dias, do passado ao futuro. Seja por meio de memórias, lembranças, fatos históricos ou até mesmo dentro de nossos planejamentos; desaparecemos em uma inércia pendular difícil de desvencilhar – nunca vivemos propriamente no presente. No entanto, a atriz brasileira Stella Rabello consegue parar por alguns momentos em algumas dessas duas realidades para ir em uma jornada que ultrapassa as fronteiras de nosso país, esbarrando em uma história sangrenta que, infelizmente, também nos pertence. Em Ana. Sem Título (2020), longa que integrou a Mostra Cinema é Direito do Persona no Sesc Bauru, a cineasta Lúcia Murat nos transporta para o passado latino-americano marcado pela ditadura militar, atrás, apenas, de uma resposta: onde está Ana? 

Continue lendo “Circuito Cineclubes Sesc – Onde está Ana?”

Wagner Moura faz de Marighella uma experiência coletiva

Cena do filme Marighella, mostra Seu Jorge, um homem negro e adulto, com o filho no colo, uma criança que usa camisa branca e se abraça ao pescoço do pai. A cena é de dia e ao fundo vemos árvores e carros.
A coletiva de imprensa de Marighella ocorreu no Cine Marquise, na Avenida Paulista, à duas quadras de distância do local onde o Guerrilheiro foi assassinado em 1969 (Foto: O2 Filmes)

Vitor Evangelista

52 anos se passaram desde que Carlos Marighella foi alvejado por tiros em uma emboscada, dentro de um carro na Alameda Casa Branca, em São Paulo. O momento, marcado para sempre nos livros de História como mais um dos massacres políticos e sociais da Ditadura Militar, agora é transposto às telas da ficção, na dolorosa constatação de que o Brasil de 1969 dialoga com eloquência e pesar com o país de 2021. Marighella, cinebiografia do Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, aposta no Cinema de ação e revolta para, em meio ao banho de sangue e lágrimas, exprimir esperança.

Continue lendo “Wagner Moura faz de Marighella uma experiência coletiva”

A arte berra em Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro

Imagem retangular e colorida retirada do documentário ‘Ziraldo - Uma Obra que Pede Socorro’. Nela, vemos em foco Ziraldo, um homem de idade avançada, pele parda, cabelos e sobrancelhas brancos, que veste uma camisa branca com um colete bordado bege e preto. Ele olha para cima, pensativo, enquanto coloca o dedo indicador da mão direita sobre a boca, em sinal de reflexão.
Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro, exibido pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é a única produção da seção Apresentação Especial disponibilizada online (Foto: Elo Company)

Enrico Souto

“Arte não é um privilégio do artista, é um direito do ser humano”. É com essa e outras contestações que abre-se Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro, parte do acervo da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O ponto de partida é Ziraldo, “o Michelangelo da boemia carioca”, um dos artistas mais geniais da história contemporânea do Brasil. Aprendemos um pouco mais sobre seu talento e ofício, agora por entre lentes pouco exploradas. Todavia, o documentário vai muito além da pessoa Ziraldo. Além de um panorama singular sobre sua obra, o que se apresenta aqui é um comentário amplo sobre a urgência da atual situação das artes no Brasil e como a cultura do país é constantemente negligenciada em diferentes esferas sociais. O resultado é uma poderosa denúncia e um clamor por socorro.

Continue lendo “A arte berra em Ziraldo – Uma Obra que Pede Socorro”

Meu Tio José lembra que nunca é tarde para dizer “Ditadura Nunca Mais”

Cena da animação Meu tio José. Na ilustração em preto e branco, vemos o personagem José entrando em uma farmácia, com prateleiras e caixas brancas em seu entorno. Ele é um homem branco, possui cabelos e bigode de cor preta, veste uma camiseta de cor cinza e uma calça e sapatos de cor preta.
Exibido na seção Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Meu Tio José retrata a Ditadura Militar brasileira sob o olhar de uma criança (Foto: Fênix Filmes)

Bruno Andrade

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, escreve Chico Buarque na canção Roda Viva. Das diversas interpretações possíveis, a mais cruel e — infelizmente — presente diz respeito à vivência na Ditadura Militar brasileira, em especial durante o endurecimento do regime com o AI-5, período também conhecido como os Anos de Chumbo. Dentre as histórias manchadas pela repressão política, encontramos José Sebastião Rios de Moura, personagem fundamental em Meu Tio José, animação dirigida, roteirizada e ilustrada por Ducca Rios, e que integra a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Continue lendo “Meu Tio José lembra que nunca é tarde para dizer “Ditadura Nunca Mais””

A radicalidade acolhedora de Juçara Marçal em Delta Estácio Blues

Capa do CD Delta Estácio Blues. A cantora Juçara Marçal está no centro da fotografia, sobre um fundo azul. As mãos dela estão dispostas sobre a face de forma que só conseguimos ver um dos olhos, cabelo, parte da boca e orelha.
O segundo disco solo de Juçara Marçal aponta novos caminhos musicais (Foto: Aline Belfort)

Gabriel Leite Ferreira

No princípio era o beat. O primeiro aperitivo que o público teve da nova fase de Juçara Marçal foi em uma live, no dia 7 de abril de 2021. Como parte de um ciclo de transmissões que o Metá Metá fez naquele mês, Juçara veio à frente só, munida de samplers, percussão, piano e voz. Mais uma ruptura em uma carreira repleta de rupturas. Iyalode mbé mbé, a última faixa de Delta Estácio Blues, lançado em 30 de setembro, já marcava presença.

Continue lendo “A radicalidade acolhedora de Juçara Marçal em Delta Estácio Blues”

Colônia: a tocante releitura de Holocausto Brasileiro

Cena da série Colônia. Na imagem aparecem os personagens Gilberto e Eliza centralizados entre outras duas figuras que estão desfocadas nos cantos. Todos usam a camisola cinza do hospício e tem aparência cansada, a imagem está em preto e branco.
Colônia foi lançada no dia 25 de junho e está disponível na plataforma Globoplay (Foto: Globoplay)

Jamily Rigonatto

Livremente inspirada no livro-reportagem Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex, Colônia é a nova aposta do Canal Brasil. A série produzida e dirigida por André Ristum é um retrato sensível sobre o hospício em Barbacena, Minas Gerais, que vitimou mais de 60 mil pessoas no último século. Dividida em 10 episódios, a produção explora personagens ficcionais que reconstroem o horror vivido pelos internos do maior manicômio do país.

Continue lendo “Colônia: a tocante releitura de Holocausto Brasileiro”

35 anos de Cabeça Dinossauro: os Titãs estavam putos da vida

Capa de Cabeça Dinossauro. O título do álbum e a palavra TITÃS estão escritos em vermelho, no topo da imagem. A capa é uma ilustração chamada "Expressão de um homem urrando", em que vemos o rascunho de um homem careca, com a cabeça sobressaltada, orelhas pequenas e olhos quase fechados. Ele está de perfil, com a boca aberta como que em um grito e a língua para fora. Está de perfil.
A capa de Cabeça Dinossauro não ilustrava os membros da banda; no lugar, foi utilizado um acetato de Leonardo da Vinci chamado “Expressão de um homem urrando” (Foto: Warner Music Brasil)

Caroline Campos

O ano era 1986 e os Titãs estavam irados. O Brasil começava a limpar os pulmões da fuligem dos militares e respirar o ar fresco da democracia quando, em 25 de junho, Cabeça Dinossauro saiu do escuro dos esgotos para fazer barulho na cena musical brasileira e enterrar os fósseis caretas remanescentes dos anos de chumbo. Com 13 faixas, o terceiro álbum da banda que contava com Arnaldo Antunes, Nando Reis, Paulo Miklos, Branco Mello, Tony Bellotto, Sérgio Britto, Charles Gavin e Marcelo Fromer foi uma experiência verdadeiramente punk rock que gritou na cara do sistema capitalista e das instituições hipócritas daquela terra sem lei dos anos 80.

Continue lendo “35 anos de Cabeça Dinossauro: os Titãs estavam putos da vida”