As muitas camadas quebradiças e transparentes de Glass Onion

Um fim de semana paradisíaco e misterioso em uma Cebola de Vidro (Foto: Netflix)

Laura Hirata-Vale

Depois do sucesso de Entre Facas e Segredos (2019), Rian Johnson fez seu retorno às telonas com mais um whodunnit, o longa Glass Onion: Um Mistério Knives Out. A franquia foi adquirida pela Netflix após o triunfo do primeiro filme, o que fez com que a segunda produção fosse esperada ansiosamente pelos fãs. O elenco foi repaginado, mas continua tendo nomes de peso como Kate Hudson, Kathryn Hahn e Janelle Monáe integrando a produção. Em meio às novidades, Daniel Craig retorna ao papel do investigador particular Benoit Blanc.

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Estante do Persona – Novembro de 2022

Arte retangular de amarelo limão. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris na cor amarelo limão. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “As intermitências da morte” ao lado de 9 lombadas brancas. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘novembro de 2022'.
Do autor lusitano José Saramago, As Intermitências da Morte foi a provocação em cores fúnebres do Clube do Livro de Novembro (Foto: Companhia das Letras/Arte: Aryadne Xavier/Texto de abertura: Jamily Rigonatto e Vitória Gomez)

“A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.”

José Saramago

Com as festividades de final de ano quase batendo em nossas portas, o Clube do Livro do Persona não poderia deixar de se encontrar nos aspectos da existência. Apreciando As Intermitências da Morte de José Saramago, nossos leitores se colocaram a refletir sobre as linhas que rondam o fim da vida. A escolha do texto foi ainda mais especial porque o literato completaria 100 anos no dia 16 de novembro de 2022. 

No livro, somos guiados para um cenário em que a morte deixa de chegar, seja para os homens mais velhos ou para as vítimas de acidentes que agonizam em camas de hospital. O autor desenrola reflexões sobre como morrer interfere nas noções humanas de livre arbítrio e continuidade. Aqui, a morte ganha ares personificados e, em certo ponto, da narrativa pode ser tocada como alguém de carne e osso – ou melhor, apenas de osso.  

Entre as significações, Saramago abre um mundo de possibilidades sem fechar nenhum ciclo, mas expõe o quanto as pessoas podem bambear quando a vida se torna um inconveniente. A proposta audaciosa da obra brinca com o papel da religião na sociedade e usa uma linguagem direta para abrir brechas e possibilidades no íntimo de quem o lê. A morte enquanto protagonista é tão real quanto qualquer ser humano: sente, reage e ama. No fim, resta o começo e como um circuito tudo se repete, já vivemos isso antes.  

Se nossos leitores testemunharam os fins, novembro oferece seus cumprimentos aos começos com a entrega troféus aos destaques da Literatura brasileira: o Prêmio São Paulo de Literatura e o Jabuti. Na primeira semana do mês, o Prêmio São Paulo, criado em 2008 e concedido pelo Governo do estado, revelou seus vencedores. Com dez finalistas nas duas categorias, o troféu de Melhor Romance do Ano de 2021 foi para Antonio Xerxenesky, pela obra Uma tristeza infinita, da Companhia das Letras. Rita Carelli levou Melhor Romance de Estreia do Ano de 2021 por Terrapreta, da Editora 34. Em ambas categorias, as escritoras foram a maioria: na primeira, dos 10 concorrentes, somente três são homens; na segunda, quatro.

Já no Jabuti, as 20 categorias, divididas em quatro Eixos que abarcam a totalidade do processo de produção editorial, tiveram seus finalistas anunciados na segunda semana de Novembro. Aqui – e aparentemente em 2021 no geral -, o destaque foi para o protagonismo feminino: na categoria Romance Literário, no Eixo Literatura, as cinco concorrentes eram escritoras. Natalia Borges Polesso, com A extinção das abelhas, Andréa Del Fuego, com A pediatra, Micheliny Verunschk, com O som do rugido da onça, Aline Bei, com Pequena coreografia do adeus, e Tatiana Salem Levy, com Vista chinesa, disputaram a estatueta – as cinco também foram concorrentes em Melhor Romance do Ano de 2021 no Prêmio São Paulo.

Com a disputa estabelecida, no dia 24 foi a vez da jornalista e apresentadora Adriana Couto chamar os vencedores ao palco do Theatro Municipal de São Paulo para receber o troféu em formato de jabuti. O grande destaque da noite foi para Luiza Romão, com Também guardamos pedras aqui, consagrado como o Livro do Ano de 2021. A obra também conquistou a categoria de Poesia. Em Romance Literário, uma das modalidades de maior destaque na premiação, o nome chamado foi o de Micheliny Verunschk, pelo seu O som do rugido da onça.

A cerimônia ainda contou com uma homenagem à Sueli Carneiro. Com o troféu de Personalidade Literária do Prêmio Jabuti 2022, a escritora, filósofa e ativista, uma das maiores representantes do feminismo negro no Brasil, é a primeira fora do eixo Literatura a receber a honraria.

As celebrações resolveram se estender e, em clima festivo, a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty – trouxe diversas personalidades do nicho para conversas acaloradas e conexões ímpares. Em sua 20ª edição, o festival seguiu a linha do Jabuti e contou com presença feminina em peso. A argentina Camila Sosa Villada esteve presente no evento e participou de uma Mesa sobre questões de gênero. A autora de O parque das irmãs magníficas trouxe interpretações importantes sobre o cenário do ativismo e os estigmas vinculados às travestis.

Um dos destaques entre os convidados foi a francesa Annie Ernaux, autora de O Acontecimento e vencedora do Nobel de Literatura em 2022. A escritora, que chama atenção com a ascensão do gênero da autossociobiografia, trouxe reflexões importantes em um bate papo ocorrido depois da exibição do filme Os Anos do Super 8

E se o jeito transgressor de Annie teve voz no festival, os aspectos subversivos nunca se fazem faltantes no Persona. Agora, veja mais das linhas fora da curva indicadas pela nossa Editoria no Estante do Persona e aproveite o fim do ano para se deliciar nos tons vibrantes daqueles que as pintam.

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Estante do Persona – Agosto de 2022

Em Agosto, o Clube do Livro do Persona se debruçou sobre Amuleto, do chileno Roberto Bolaño (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

“A Literatura deve ser realmente o lugar onde podem surgir novas idéias que repensem o mundo.”

– Salman Rushdie

Depois das muitas reflexões que Annie Ernaux e seu O Acontecimento causaram, o Clube do Livro reuniu-se mais uma vez em meio a um cenário caótico. Na esteira do período eleitoral e das violentas situações que têm ocorrido no país, foi o momento de inclinar-se sobre a obra política de Roberto Bolaño e o incontornável Amuleto (1999).

Retirado de um episódio de Os detetives selvagens (1998) – mas também de um caso real –, o romance curto conta a história de Auxilio, imigrante uruguaia que vive no México rodeada por artistas e poetas. Com os principais traços da Literatura de Bolaño, o livro levanta questionamentos sobre as opressões na América Latina e a memória histórica e política, tudo narrado através da acidez de sua escrita combativa.

Sob o contexto de liberdades cerceadas, também foi o mês de um fato trágico. Enquanto se preparava para palestrar em Nova York, no dia 12 de Agosto, o escritor Salman Rushdie foi atacado por um homem armado com faca. Embora o suspeito esteja preso e Rushdie apresente melhoras no estado clínico – mesmo que a chance de perder um olho ainda seja alta –, o atentado levantou questões antigas que pareciam superadas – na verdade, só nos lembrou que nada está ganho nunca.

Em 1988, após publicar o romance Os Versos Satânicos, sua obra mais influente, Salman Rushdie se viu imerso em conflitos políticos e religiosos. Por ficcionalizar a vida do profeta Maomé, o livro incomodou fundamentalistas religiosos. Em 1989, o aiatolá Ruhollah Khomeini proferiu um fatwa, pedindo sua execução, e deu inicio a série de mudanças, viagens e esconderijos que Rushdie precisou realizar.

Exilado na Inglaterra, com escolta em tempo integral, o autor indiano continuou suas publicações, marcadas pelo estilo que se aproxima do Realismo Mágico, com liberdade para fantasiar com culturas e marcos históricos, a exemplo de Os Filhos da Meia-Noite (1981), sua obra vencedora do Booker Prize. O próprio Versos Satânicos traz acontecimentos reais: o ataque que ocorreu contra um avião da Air India em 1985, os tumultos de Brixton em 1981 e 1985 e a Revolução Iraniana de 1979.

Assim, desejando rápidas melhoras para Rushdie e já de olho na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) – evento que ocorre em Novembro e trará Camila Sosa Villada e Annie Ernaux, as leituras do Clube do Livro em Junho e Julho –, deixamos as já tradicionais indicações do Estante do Persona.

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Um assassinato e a revitalização de um legado

capa do filme em revista

Apesar de pecar em alguns pontos, adaptação de “Assassinato no Expresso do Oriente” mostra de forma competente o universo da autora ao público contemporâneo

Guilherme Hansen

Agatha Christie é uma das autoras mais aclamadas da literatura policial. De Miss Marple a Hercule Poirot, seus quebra cabeças atraem leitores do mundo todo, mesmo passados 41 anos de sua morte. Logo, é esperado que quando alguma de suas obras é adaptada para o cinema, o resultado seja correspondente ao nível de sua literatura. E, sem dúvida, Assassinato no expresso do Oriente, escrito originalmente em 1934 e lançado em 2017 sob a direção de Kenneth Branagh (Thor, Cinderela), que também interpreta o detetive Belga, traduz bem o que foi escrito pela britânica.

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