O drama de My Policeman: Nem meu, nem seu, nem dele mesmo

Cena do filme My Policeman, retratada na década de 1950. David Dawson, que interpreta Patrick, é um homem branco com cabelos curtos e castanhos e veste um terno cinza. Sua mão direita está estendida ao que ele explica uma obra de arte para Emma Corrin, que interpreta Marion, e Harry Styles, que interpreta Tom. Ela é uma mulher branca com cabelos loiros na altura dos ombros que veste um casaco vinho e tem seus olhos direcionados para o lado esquerdo, atenta à explicação. Ele é um homem branco com cabelos curtos e castanhos que veste uma jaqueta azul sob um colete cinza e olha fixamente para frente. Os três estão dentro de um museu, de costas para uma parede roxa em que diversos quadros estão pendurados.]
My Policeman teve sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Toronto e chegou ao Prime Video no dia 4 de novembro de 2022 (Foto: Amazon Studios)

Raquel Freire

Há um ditado popular que diz que mais vale um pássaro na mão do que dois voando, o que, em outras palavras, quer dizer que a garantia é melhor do que a expectativa. Até que ponto isso é real? Qual é o preço a ser pago por escolher contar com aquilo que já se tem e abrir mão da possibilidade do que se pode vir a ter? O futuro é incerto, claro, mas qual é o sentido da vida quando nos conformamos com a nossa realidade? Essas são questões que vivem no subconsciente de Tom Burgess (Harry Styles, em sua versão mais nova, e Linus Roache, na mais velha) em My Policeman, nova obra dirigida por Michael Grandage.

O melodrama, baseado no romance homônimo de Bethan Roberts, cuja narrativa se inspirou no triângulo amoroso vivido pelo romancista E.M. Foster, conta a história de uma professora, um curador de museu e o homem que ambos amam. Ambientado na cidade de Brighton em uma época em que a homossexualidade era considerada um crime, o roteiro de Ron Nyswaner não falha ao retratar o turbilhão de sentimentos que esses personagens carregam – esses que são frustrados no amor, censurados por lei e por suas próprias repressões emocionais, que os impossibilitam de pedir em voz alta o que realmente querem em seus relacionamentos.

Cena do filme My Policeman, retratada na década de 1950. Harry Styles, que interpreta Tom, é um homem branco com cabelos curtos e castanhos. Emma Corrin, que interpreta Marion, é uma mulher branca com cabelos loiros na altura dos ombros. Os dois estão dentro de uma piscina, apoiando suas cabeças em suas mãos na beirada, e olham um para o outro enquanto sorriem. No fundo, há várias pessoas tanto dentro quanto fora da piscina e é um dia ensolarado.
Em entrevista à revista Vogue, a autora diz que a conversa sobre a adaptação do livro começou em 2013 (Foto: Amazon Studios)

O enredo de My Policeman tem como base a perspectiva de apenas dois dos três personagens principais, além de ser contado em duas épocas distintas: os finais das décadas de 50 e 90. O primeiro ato do filme é apresentado através do ponto de vista de Marion, uma professora aposentada interpretada por Gina McKeen. Através de suas lembranças, vemos como seu eu mais jovem (interpretado por Emma Corrin) conheceu e se apaixonou por seu marido, Tom (Linus Roache), um ex-policial vivido por Harry Styles na juventude. Essas memórias também dão a entender que a amizade do casal com Patrick, um curador de museu interpretado por Rupert Everett na velhice e David Dawson na juventude, é totalmente inocente.

No entanto, após a Marion de McKeen acolher o Patrick de Everett em sua casa, já com uma idade avançada, ela começa a secretamente ler alguns dos diários escritos por ele nos anos 50. Quando a personagem o faz, o filme muda o ponto de vista para aquele de Dawson e revela o relacionamento mantido em segredo que ele teve com Tom durante muitos anos. A partir daí, as múltiplas perspectivas de My Policeman começam a se misturar, revelando lenta e seguramente como a amizade entre os três acabou sendo destruída.

Cena do filme My Policeman, retratada na década de 1950. Harry Styles, que interpreta Tom, é um homem branco com cabelos curtos e castanhos. Ele veste seu uniforme de policial azul-marinho e olha para frente com uma expressão séria, posando. Ele está dentro de um quarto, cuja parede é azul-escura com listras verde-escura. Há um grande espelho com moldura marrom atrás dele e um abajur da mesma cor a alguns metros à sua direita. Um desenho do rosto de um homem feito a lápis em um pedaço pequeno e quadricular de papel está pendurado na parede, ao lado do espelho.
“Pessoas comuns têm os melhores rostos” (Foto: Amazon Studios)

A inteligente estrutura do roteiro permite que a história se torne gradualmente mais estratificada e complexa ao longo de seus 113 minutos de duração. Essa cronologia nos leva ao passado e ao presente dos personagens, do início ao fim, sem revelar o que tem de mais importante no meio até que estes detalhes apareçam. O longa até mesmo mina uma surpreendente quantidade de tensão e intriga ao revelar as memórias de Marion sobre a relação de seu marido com Patrick, na maneira e no ritmo como é feita. Dessa forma, a narrativa previsível – fadada ao insucesso do casal gay devido aos regimes sociais da época – não passa a ser maçante de se acompanhar.

Isso também ocorre graças à ambientação caprichosa da obra. Desde a trilha sonora temporalmente marcante até as vestimentas de época, a homofobia e o sentimento de alerta que ela nos causa durante toda a trama destina nossa mente aos anos 50, de forma tão intensa que é capaz de gerar angústia e medo, ainda que estejamos são e salvos no conforto de nossas casas. O filme caminha a passos lentos e pequenos, nos apresentando aos personagens e às situações incômodas cuidadosamente, demorando a revelar a relação que uma pessoa tem com a outra.

Cena do filme My Policeman, retratada na década de 1990. Gina McKeen, que interpreta Marion, é uma mulher branca e idosa com cabelos grisalhos na altura dos ombros. Ela veste um grande casaco azul-bebê e está com um dos braços apoiado na cadeira de rodas em que Rupert Everett, que interpreta Patrick, está sentado. Ele é um homem branco e idoso e está usando uma boina cinza e um casaco marrom. Eles estão em uma praia, mas o fundo são as pedras cinzas da mesma. Ambos olham para frente em direção ao mar.
Todo o elenco de My Policeman foi homenageado com o prêmio Tributo por Performance no Festival Internacional de Cinema de Toronto; é a primeira vez que isso acontece (Foto: Amazon Studios)

A transição entre o elenco mais velho e o mais jovem convence e, nesse sentido, é possível afirmar que ambas as versões de Marion, Tom e Patrick foram muito bem alinhadas entre os atores fora das telas. O núcleo maduro de My Policeman entrega performances ao nível similar de intensidade, sem sobressair ou ceder grande parte dos holofotes aos atores mais jovens. Por outro lado, o mesmo não acontece entre Corrin, Dawson e Styles. Tom Burgess é um personagem muito complexo e com muitas camadas para ser interpretado por um ator pouco experiente, ainda mais quando esse atua ao lado de profissionais com mais estrada do que ele. Independentemente disso, não é exagero afirmar que o vencedor do Grammy apresenta melhores condições do que em seu último trabalho, mostrando uma conexão genuína com o seu personagem pela primeira vez desde o início de sua carreira como ator, no longa Dunkirk (2017).

Como citado por Styles durante a coletiva de imprensa do filme no Festival Internacional de Cinema de Toronto, My Policeman é sobre tempo perdido e sobre pensar no que poderia ter sido quando já é tarde demais. Nenhum personagem da história conseguiu ter o que queria e todos eles passaram uma vida tentando lidar com o arrependimento e com a culpa, sentimentos que são frutos de seus corações partidos. Às vezes, um pássaro na mão pode realmente valer mais do que dois voando, mas não podemos esquecer que nenhum pássaro sobrevive por muito tempo em um lugar que não lhe pertence. No fim, essa é uma obra sobre mãos vazias e pássaros que, contra vontade, voam em direções opostas para não deixarem de ser.

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