Don’t Worry Darling: nós não nos preocupamos o suficiente

A imagem mostra Florence Pugh, mulher branca, de cabelos loiros e olhos claros, em um close. Seu rosto está enquadrado bem ao centro da imagem e suas duas mãos aparecem na frente. Ela tem os cabelos bagunçados e suados.
Não Se Preocupe, Querida chegou aos cinemas brasileiros no dia 22 de setembro (Foto: Warner Bros.)

Ana Laura Ferreira

Para além de roteiro, atuação, direção e produção, parte importante do que faz um filme ser ou não um sucesso quando entra em cartaz é o seu marketing. Mas o que acontece quando aqueles que encabeçam a obra estão tão preocupados com sua imagem na mídia que o longa fica em segundo plano? A resposta para isso pode ser facilmente vista e destrinchada com o desenvolvimento de Não Se Preocupe, Querida, dirigido por Olivia Wilde e protagonizado por Florence Pugh, que tem seus pontos positivos contados nos dedos de uma mão.

O filme traz a história de Alice e Jack, interpretados por Florence e Harry Styles, um casal modelo que vive o melhor de sua relação. Alice é a típica dona de casa dos anos cinquenta: lava, passa e cozinha enquanto o marido sai para trabalhar no Projeto Vitória, do qual ela pouco sabe. Entretanto, as coisas começam a fugir do controle ao que Margareth, personagens de Kiki Layne, desperta questionamentos naquela comunidade exemplar. E é entre segredos escondidos debaixo dos panos que a narrativa se desenrola.

Citando diretamente Taylor Swift: “eu acho que já vi esse filme, e não gostei do final”. Apesar de ter um roteiro com grande potencial, é na mesmice que o longa apoia seu desenvolvimento, confortável com a previsibilidade de seus acontecimentos para promover rostos que não são tão importantes para o enredo. Após a cabine de imprensa do Festival de Veneza de 2022, no qual a obra teve sua primeira exibição, as críticas se mantiveram medianas. Inclusive, podendo ser resumidas na resenha do jornal The Guardian, que descreveu Don’t Worry Darling, título original, como “um filme abandonado em um deserto de falta de originalidade – e o deserto não floresce.”

Florence Pugh, mulher branca, aparece com uma roupa branca e os cabelos loiros presos. Ela está de perfil. Ao lado dela está Harry Styles, homem branco, de cabelos castanhos curtos e olhos claros, usando um terno preto. Ele está com o cotovelo apoiado em uma mesa à frente deles, e mexe em um copo. Ele tem um anel dourado no dedo indicador. Ao fundo há uma janela e um abajur.
No índice Rotten Tomatoes, o filme atingiu apenas 38% de aprovação da crítica especializada (Foto: Warner Bros.)

Entretanto, há uma unanimidade entre a crítica especializada e o público, e ela é Florence Pugh. Uma das atrizes mais promissoras de sua geração, Pugh é capaz de fazer milagres com quase nada, em sua atuação digna de Oscar. Mesmo com diálogos fracos, um desenvolvimento maçante e pouco espaço para que os personagens criem personalidades próprias, Florence faz de Alice um farol em meio ao mar de falta de criatividade, prendendo nossa atenção por todo o longa. É fato dizer que sem ela não existiria filme, já que poucos atores e atrizes teriam talento e desenvoltura suficientes para carregar uma narrativa desse tipo nas costas – e ainda como se não fizessem esforço.

Em um contraste maior do que os fãs do cantor esperavam encontrar, está Harry Styles, intérprete do antagonista do longa – mas que poderia ser facilmente esquecido depois de 20 minutos de duração. A atuação de Styles não é horrível, muito menos maravilhosa: se mantém na média para o contexto do ator iniciante, um expert no ramo da música. O que mais prejudica nossa conexão com Jack é a falta de modulação vocal e facial para dar intensidade às cenas: ele parece manter sempre a mesma reação, tornando-o esquecível em meio ao enredo. Se no fim Jack não fosse tão crucial para o desfecho da história, as críticas sobre ele também não seriam tão pesadas. Porém, é importante destacar que um trabalho de direção mais intenso por parte de Wilde poderia ter prevenido e melhorado boa parte das cenas de Styles, como aconteceu em Dunkirk (2017), sob os comandos de Christopher Nolan.

Não Se Preocupe, Querida ainda conta com diversos nomes de peso em seu elenco, como Gemma Chan e Chris Pine, os quais são pouco utilizados ou aprofundados. Esse chega a ser um argumento redundante quando todos os problemas do filme se resumem em uma falta de aprofundamento. O roteiro não é explorado o suficiente, os personagens não são bem construídos, o plot twist é previsível e pouco inovador porque não se desenvolve, e assim caímos em um ciclo tedioso por mais de duas horas.

Gemma Chan, mulher de origem asiática cabelos médios castanhos e olhos escuros, aparece ao centro da imagem com um vestido florido. Ela sorri e ao fundo há algumas montanhas, uma escultura cubista azul, algumas espreguiçadeiras amarelas e uma árvore.
O roteiro de Don’t Worry Darling foi assinado por Katie Silberman, de Plano Imperfeito e Booksmart, também dirigido por Wilde (Foto: Warner Bros.)

Contudo, o que torna Don’t Worry Darling ruim não é sua superficialidade, já que muitos filmes – como comédias românticas clichês – conseguem se manter divertidos e nos entreter mesmo com essas características, mas sim a frustração causada por ele. Construído em uma cadência que nunca chega ao seu ápice, nos vemos durante todo o longa a espera de um grande acontecimento, que fica apenas para os últimos 15 minutos e, ainda assim, não supre as necessidades que a própria obra cria no telespectador. Também é frustrante ver papéis como o de Margareth – que vale constar, é a única personagem negra com importância narrativa – ser morta logo no primeiro ato e esquecida pelo resto da trama, quando tinha tanto a oferecer.

Kiki Layne, a atriz por trás da figura, chegou a se pronunciar em seu Instagram sobre como boa parte de suas cenas foram cortadas para a exibição final. Layne tinha mais a nos mostrar, assim como a Shelly de Gemma Chan, que passa o longa inteiro escondida por uma falta de destaque narrativo, quando na verdade tinha em suas mãos o poder de dar a Não Se Preocupe, Querida o refresco de originalidade que tanto precisávamos. A frustração apenas se completa quando vemos personagens sem importância alguma para o enredo, como Bunny (interpretada pela própria diretora, Olivia Wilde), ganharem tantos momentos tediosos, roubando o lugar dos verdadeiros protagonistas.

A enrolação de mais de uma hora e meia, com a justificativa de um suposto desenvolvimento que roda e roda sem sair do lugar, acaba causando ao filme mais um problema. Pontas soltas não são necessariamente algo ruim, e produções como Midsommar (2019) são a prova disso. É realmente divertido sair do cinema teorizando e revisitando uma obra várias vezes em nossa memória para encontrar uma solução. Entretanto, produções bem construídas entregam as perguntas e também os caminhos para chegarmos às conclusões nós mesmos. Já Don’t Worry Darling apenas abre vários questionamentos e encerra sem nenhuma resposta, adicionando mais um desapontamento à lista.

Florence Pugh, mulher branca, de cabelos loiros presos em um coque, aparece de costas para a imagen e de frente para um espelho. Ela usa uma roupa de balé preta. No reflexo do espelho há Kiki Layne, mulher negra, de cabelos compridos castanhos e olhos castanhos, usando um vestido rosa claro. Kiki imita o movimento de Florence com a mão direita erguida. No reflexo há também outras bailarinas ao fundo.
O portal Cine+ definiu Não Se Preocupe, Querida “como se Olivia Wilde assistisse Corra e sentisse que poderia fazer a versão da mulher branca” (Foto: Warner Bros.)

Para além do que podemos ver em tela, um dos grandes responsáveis pelo desfecho do filme foram as fofocas de bastidores, que ganharam mais destaque que a própria narrativa. Depois de mudanças na interpretação do personagem Jack – em um primeiro momento, cotado para ser vivido por Shia LaBeouf – e um vai e vem de informações cruzadas, Não Se Preocupe, Querida furou a bolha do nicho de thrillers ao gerar imensa curiosidade sobre como seria o desenvolvimento em cena dos ânimos exaltados fora dela. As expectativas não foram atingidas, fazendo dos burburinhos apenas mais um ponto negativo.

E é exatamente aproveitando-se deles que o filme é vendido. A exemplo prático, desde o início da promoção do longa, Wilde fez questão de reafirmar que estaria trazendo, segundo ela, a mística feminina de maneira revolucionária. Porém, o que vemos é a mística das “Karen’s“, já que a obra não vai além da visão de mundo da mulher branca de classe média alta, sem se preocupar com questões sociais enquanto vive em sua bolha de privilégios. As problemáticas crescem a partir daí, construindo uma narrativa que finge ligar para pontos como o feminismo, quando, na verdade, apenas justifica atos machistas.

(SPOILER!) Porém, dentre os diversos problemas, o mais preocupante deles é como Wilde vendeu a obra sob uma perspectiva de mostrar o ‘prazer feminino’ como ninguém jamais havia feito, para no fim descobrirmos que tudo se tratava de cenas de estupro. Enquanto Alice se encontra em um coma induzido e fantasia com o que acha ser a realidade, o longa confunde prazer sexual com conexão afetiva, e insere duas cenas desnecessárias e sem nenhuma função narrativa, apenas para usá-las posteriormente como um mal intencionado click bait. Florence, que se pronunciou poucas vezes sobre a obra, teve a preocupação de deixar claro que o filme é muito mais que suas passagens de sexo. Assim, reduzi-lo a elas chega a ser uma ofensa a todos que trabalharam na produção.

Florence Pugh, mulher branca, de cabelos loiros e compridos, aparece debruçada sobre um carro sem capota. Ela usa uma camisa branca. Dentro do carro, Harry Styles, homem branco e de cabelos castanhos escuros, aparece de costas com um terno azul. Ele está usando óculos de sol e tocando a boca de Florence. Ao fundo há uma paisagem com palmeiras.
Após as fofocas de bastidores, os jornalistas que participaram da press conference no Festival de Veneza foram orientados a não perguntarem sobre a situação com Shia LaBeouf e Florence Pugh; a atriz não esteve presente (Foto: Warner Bros.)

Para além da atuação de Pugh, não seria justo deixar de destacar o primoroso trabalho do design de produção de Katie Byron em Não Se Preocupe, Querida, bem como a fotografia de Matthew Libatique. Visualmente, o filme é lindo, e suas cores naturais intensas, como o sol do deserto, em contraste com a paleta mais clara adotada para elementos como roupas e casas, criam uma harmonia confortável de ser assistida. A trilha sonora de John Powell também é essencial para nos manter minimamente conectados com a obra e tensos nos momentos em que o roteiro não consegue fazê-lo sozinho.

Don’t Worry Darling é decepcionante. Sua previsibilidade e falta de originalidade poderiam passar despercebidas e fazer dele mais um longa em meio à multidão se não fosse por sua arrogância desmedida. Ele se vende como algo revolucionário e entrega mais do mesmo, enquanto pensa se igualar a grandes produções recentes do gênero, como o Corra! de Jordan Peele. É realmente triste acompanhar o desperdício do que poderia ser excelente, mas se rendeu aos caprichos de seus cinco minutos de fama ao invés de almejar um lugar na posteridade.

Deixe uma resposta