Moxie: quando borboletas quebram casulos

Poster do filme Moxie, com fotografia dos personagens muito próximos gritando ao fundo, em preto e cinza. Da esquerda para a direita: Cláudia está mais acima que todas as personagens e Emma embaixo, seguidas por Kiera, Lucy, Vivian com Kaitlynn e CJ acima, Amaya abaixo delas e Seth ao final e acima. Em primeiro plano há o título Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta centralizado em vermelho.
“Acho que só estou com raiva; Estou com raiva e quero gritar” (Foto: Reprodução)

Júlia Caroline Fonte

Uma lagarta, para se tornar borboleta, passa por uma metamorfose que irá mudar totalmente a sua vida e o mundo ao seu redor. Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta, novo filme da Netflix que chegou no dia 3 de março, conta sobre a transformação de Vivian (Hadley Robinson), uma garota do Ensino Médio que não pôde ficar em silêncio diante das situações misóginas que aconteciam em seu colégio, e passa a enfrentá-las usando o fanzine Moxie, que foi capaz de romper o casulo de diversas meninas a sua volta.

O filme se propõe a quebrar paradigmas da grande maioria dos longas adolescentes, evidenciando que a rivalidade feminina não é necessária para contar uma boa história e chamar a atenção do seu nicho. Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta finalmente traz a perspectiva de que o apoio mútuo entre as mulheres, muito diferentes entre si, pode ser transformador e necessário; e que quando uma garota toma uma atitude, por mais que pequena, pode encorajar e dar voz a todas as outras. O filme não é perfeito quando engloba o feminismo em sua totalidade, mas é um início muito positivo para essa mudança nos rumos do audiovisual.

Na foto temos em foco a personagem Vivian, uma garota adolescente, branca, loira, com uma expressão determinada no rosto; ela está molhada devido e usando uma capa de chuva amarela. Na mão direita ela segura o fanzine Moxie, com capa branca e desenhos coloridos, que incluem o título em vermelho, uma garota loira com luvas de boxe em posição de luta, e uma frase em inglês (The Girls of Moxie are over it).
“Quando eu tinha 16 anos, só queria acabar com o patriarcado e queimar tudo” (Foto: Reprodução)

Não é apenas sua narrativa que chama a atenção – por trás das câmeras as mulheres também tiveram destaque. O filme baseado no livro homônimo de Jennifer Mathieu tem direção de Amy Poehler e roteiro de Tamara Chestna e Dylan Meyer. Além disso, o departamento de arte é totalmente formado por mulheres que fizeram um trabalho perfeito, trazendo maior verossimilhança em cenários e figurinos e evitando criar uma realidade fantasiada da vida de uma adolescente. Ainda conseguiram realizar uma obra visualmente maravilhosa, cheia de detalhes, referências e significados. E por causa disso, é notável a preocupação da equipe em colocar borboletas no quarto de Vivian e no seu figurino na cena final, enfatizando sua transformação ao longo da obra.

Já a trama se destaca por trazer personagens muito importantes tanto para o público quanto para a protagonista, uma garota introvertida, que, no início da história, acha conveniente se calar para as situações erradas que ocorrem com as mulheres na escola – como assédios tratados com descaso, uma lista que classifica mulheres de modo sexista e homens saindo impunes e repressão por vestimentas. Vivian começa, aos poucos, a questionar todas essas situações, e Lucy (Alycia Pascual), a aluna nova, aparece para dar um empurrãozinho e tirá-la desse casulo em que está presa.

Lucy, uma garota negra, chega deslocada e começa a ser constantemente assediada pelo capitão do time de futebol americano, Mitchell Wilson (Patrick Schwarzenegger). Vivian a aconselha a baixar a cabeça para que ele pare de incomodá-la, porém Lucy não aceita e insiste que a questão é muito mais profunda, despertando uma série de questionamentos na protagonista. Além dela, Moxie chama a atenção pela diversidade de personagens (e de elenco), apresentando pautas relacionadas à mulheres com deficiência, trans, negras, asiáticas, atletas e até mesmo aquelas consideradas “padrão”.

Cena do filme, em que as personagens femininas adolescentes estão reunidas no pátio da escola, da esquerda para a direita: Meg, branca, cadeirante que usa próteses na perna, cabelo chanel castanho claro, está sentada de jaqueta jeans e vestido vinho, tem expressão séria no rosto; Amaya, negra, cabelo curto, também está séria, usa jaqueta vermelha com bottons amarelos de campanha, calça bege escura, tênis laranja e na mão esquerda segura recipiente com algo comestível; Kiera está em pé encostada em uma árvore, é uma menina latina, está sorrindo, com cabelo preso, usa uma blusa de mangas longas azul e calça cinza, segura um recipiente com um alimento verde na mão esquerda e um garfo na mão direita; Kaitlynn, garota branca levemente bronzeada, olhos claros, cabelo castanho com mechas loiras nas pontas, está a esquerda de Kiera, encostada na árvore, segura um pacote de algum alimento nas mãos, está com expressão neutra, usa uma saia branca e camisa marrom xadrez de manga curta; Lucy, menina negra, está sentada a frente de Kaitlynn, tem tranças no cabelo longo, usa uma blusa cinza, uma camisa xadrez roxa e branca amarrada na cintura e calça jeans clara, usa brincos e maquiagem, têm expressão séria e segura um recipiente de comida; CJ, mulher trans, usa calça com estampa vichy preta e branca e suéter pink, tem cabelo liso loiro com a raiz preta, tem expressão séria, está sentada e segura um copo transparente de tampa azul; Vivian, garota branca, loira e de cabelo liso solto, usa jaqueta marrom com botton de campanha e calça jeans escura, segura nas mãos um recipiente com comida, no rosto exibe um leve sorriso, está sentada ao lado de CJ; e por fim Cláudia, garota asiática, está em pé, de costas para a foto, e mais afastada do grupo, tem cabelo preto e chanel, usa saia midi bege e casaco em tom bege levemente rosado, usa tênis branco com detalhes rosa e cinza e meias cinzas, na mão esquerda segura uma bolsa pequena e na outra aparenta estar segurando alguma coisa. Em segundo plano há outras garotas figurantes e ao fundo diversos alunos da escola espalhados pelo pátio que tem árvores, bancos de cimento e um prédio de tijolos com uma porta dupla ao fundo.
O filme traz um elenco muito diverso, mas não soube aproveitar suas vozes (Foto: Reprodução)

Ao mesmo tempo que a representatividade existe, ela é pouco explorada quanto às suas pautas dentro do movimento, chegando a ser até mesmo superficial. Em pouco tempo, o filme consegue abordar a pauta feminista de forma sútil e clara, dialogando com o seu público alvo; nesse quesito, ele é muito bem construído – ainda que em alguns momentos traga falas um pouco forçadas. Moxie indica reconhecer que a interseccionalidade deve estar presente, porém, não deixa isso evidente. Quando debatida, ocorre de forma muito discreta, não dando espaço e nem argumentos fortes o suficiente para que o espectador de fato reflita e entenda a questão, principalmente quando levamos em conta que uma grande parte do público possa estar tendo o primeiro contato com o movimento.

Essa problemática fica nítida com a personagem Cláudia (Lauren Tsai), melhor amiga de Vivian, que sofre com as consequências das atitudes da protagonista e tenta expor isso a ela. Sendo uma mulher asiática-americana, filha de imigrantes chineses e que vive em um local conservador, encontra-se em uma realidade diferente de Vivian, uma garota branca, padrão e estadunidense. Claudia revela essas diferenças e como elas afetam ambas de modos distintos. Contudo, o filme que se propõe a dar voz às mulheres, não garantiu muita voz a Cláudia como deveria, e sua pauta é apenas mostrada rapidamente.

Apesar disso, destaco a importância da personagem tanto para a história como para o público. Desde o início da rebeldia de Vivian, Cláudia se mostra incomodada com as atitudes repentinas da protagonista e demonstra não se encaixar naquele grupo. Moxie tenta explorar esse conflito interno dela e também com a melhor amiga, revelando que Cláudia se importa com tudo isso, mas que cada uma tem seu tempo e forma de lutar pela causa, seja pela situação em que se insere no núcleo familiar, seja por questões próprias, destacando que cada uma de nós tem suas particularidades.

 Cena do filme na qual estão em tela, da esquerda para a direita, Lisa (Amy Poehler) e Vivan (Hadley Robinson) na porta da casa das personagens. Lisa é uma mulher adulta, branca, loira, de olhos claros, mais baixa que a filha, usa uma camisa preta e sorri sem mostrar os dentes. Vivian está ao lado quase em perfil. É uma adolescente loira e branca, que usa uma blusa cinza com um moletom preto.
Ao longo da história presenciamos diversos conflitos e uma comunicação falha na relação de Lisa e Vivian, que em diversos momentos gera situações desagradáveis para as personagens e para o público – um exemplo disso é a cena do desastroso jantar de casais (Foto: Reprodução)

Outra personagem que recebeu muita atenção do público foi Lisa (Amy Poehler), a mãe de Vivian, que faz parte de uma relação clássica entre mãe e filha adolescente. O trailer do filme cria a expectativa de que esse arco vai ser não só o motivador para a personagem, como também um dos mais relevantes na trama, de modo que a relação das duas com a juventude da mãe será um forte vínculo e condutor da narrativa. Porém, temos que nos contentar apenas com os conflitos e a falta de empatia de uma adolescente em relação à própria mãe – que tem pouco espaço em tela – muito carinhosa, aberta ao diálogo e que em nenhum momento se mostrou inflexível com a filha. 

Por fim, nossa protagonista, Vivan, é a típica garota quietinha da turma, mas que pode gerar muita identificação com o público. É muito interessante notar sua metamorfose durante o enredo de Moxie e como foi importante tudo o que passou para finalmente conseguir dar o grito que desde a primeira cena está entalado, além de ver as asas que criou por causa disso (simbolizadas na última cena do filme). 

Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta não é o filme perfeito quando o assunto é se aprofundar em questões sociais, mas consegue ser leve e, ao mesmo tempo, trazer uma mensagem forte e eficiente ao seu público, principalmente para as novas gerações, que, diferentemente da minha e das anteriores, cresceram cercada de diversas referências estereotipadas e personagens femininas sem voz. É o tipo de filme que teria sido revolucionário para qualquer garota adolescente. Moxie é como suas personagens: borboletas que saem vibrantes de seus casulos para deixar seu impacto no mundo.

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