Love Death + Robots: a hipnose do bárbaro

Episódios como Os Três Robôs, O Lixão e Proteção Contra Alienígenas se apoiam num humor pessimista (Foto: Reprodução)

Vitor Evangelista

Hollywood é carente de ideias originais. Na era dos remakes e revivals, produtos recém-nascidos (quando bem feitos) enchem os olhos. Sob o astuto comando de Tim Miller (Deadpool), a Netflix disponibiliza 18 curtas animados, cada um mais inovador que o anterior e que acendem a chama da esperança de renovações lá na América do Norte. Chega Love Death + Robots.

Tim Miller se junta a David Fincher e, de mãos dadas, criam uma mitologia exuberante que discute questões sociais atrelada a um visual criativo e refrescante. Love Death + Robots pode ser assistida numa tacada só; mas, para melhor degustação, as maratonas podem ficar no descanso.

Era do Gelo é a única investida live-action da série (Foto: Reprodução)

Como boa antologia que é, LD+R começa numa pedrada que só. A estética de A Vantagem de Sonnie remete diretamente aos gráficos hiper-realistas do Playstation 4, adendo ao roteiro que se delicia no texto filosófico e nas cenas de luta. Círculo de Fogo (2013) se encontra com Gigantes de Aço (2011), num episódio que discute o papel da mulher num meio extremamente tóxico e destrutivo.

A inventividade de Tim Miller propicia uma liberdade criativa para as equipes de animação que trabalharam no seriado. Diversos países estão envolvidos no projeto, aliás. Essa pegada, muitas vezes inédita ao público ocidental, dá nova roupagem ao papel que a animação desempenha no mercado atual. Reconhecendo influências das clássicas He-Man (1983) e Thundercats (1985), e das recentes Steven Universe (2013) e Hora de Aventura (2010), LD+R consegue unir elementos e traduzir uma identidade ímpar ao catálogo da Netflix.

O seriado ainda revisita conceitos de Um Lugar Silencioso (2018) e Gravidade (2013) (Foto: Reprodução)

Terror, ficção científica, humor e ação. No plano central, amor, morte e muitos robôs. A Testemunha é enxaguada por uma trama que mistura elementos de viagem no tempo com um subtexto de relacionamento abusivo; além de resgatar nuances animados que muito me lembraram o oscarizado Homem Aranha no Aranhaverso (2018).

Os demais pedaços do bolo ainda se inspiram em mais obras atuais. Para Além da Fenda de Áquila, que beberica da mesma fonte do filme Passageiros (2016) num enlace de terror psicológico, abdução e uma poesia enérgica que culmina em medos humanos. Boa Caçada poderia muito bem ser um braço a parte do Studio Ghibli e sua Princesa Mononoke (1999). Numa roupagem primitiva da dinâmica das relações de poder, o episódio é um grande poema sobre a culpa (medo?) do homem branco.

Ainda nos temas sociais, o excelente Metamorfos é tiro certeiro na discussão militar versus sexualidade. Na dualidade dos licantropos, a animação pavimenta uma história de amor e redenção que acumula lágrimas no canto do rosto. E entrega de bandeja a melhor luta corporal da temporada.

No campo da arte e significados da existência, LD+R se consagra com Zima Blue. Íntimo, metafórico e com uma verdade pesarosa na figura do artista que teme nunca se entender. Histórias Alternativas é uma passada hilária por momentos históricos da Humanidade. 13, Número da Sorte se coroa por Samira Wiley mas parece carecer um tchan a mais no fim.

Aprende, Black Mirror (Foto: Reprodução)

Importante reiterar que Love Death + Robots se filia a conteúdos extremamente adultos e sexuais para esboçar sua nova visão para o mundo animado. A releitura de Drácula, Sugador de Almas, se esbalda num banho de sangue e presas. Ajudinha é um exercício de manter os olhos abertos diante da brutalidade da sobrevivência.

Outro ponto negativo e primordial é o excesso da sexualização do corpo da mulher. Cenas longas e expositivas, muitas vezes não justificáveis. Talvez pela voz de comando ser masculina, talvez por ausência de tato. É certo que a nudez masculina é também visitada por Miller e Fincher, mas sempre numa ótica cômica.

Love Death + Robots também não tece uma coesão entre seus diversos universos. Principal alvo de críticas, é também seu ponto mais forte. A possibilidade de reinvenção, respiro e apresentação de visões distintas não só chama os holofotes, como também escancara a porta dos investimentos. Há pelo menos uma dúzia de histórias ali que poderiam gerar ótimos derivados próprios.

LD+R não apresenta um episódio ruim, mesmo os menos relevantes inovam em algum aspecto, seja visual ou técnico (Foto: Reprodução)

LD+R se mune dos melhores elementos da ficção científica, se fortifica das inúmeras possibilidades narrativas do elemento animado e entrega um produto final hipnotizante. E, mesmo que o projeto não siga em frente, esses dezoito panoramas e percepções de mundo já se arquitetam como dignos de serem vistos, servirem de inspiração e, quem sabe, conceber novas obras inéditas.

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