Seria The Handmaid’s Tale uma distopia feminista?

Elizabeth Moss, produtora e protagonista da série. (Foto: Divulgação/HULU)

Rafaela Martuscelli

Com mais de 20 indicações ao Emmy, O Conto Da Aia (The Handmaid’s Tale) faz sucesso desde a sua estreia. A série é uma adaptação da obra literária da escritora canadense Margaret Antwoord, que foi publicada em 1985, e tem como produtora e protagonista a atriz Elisabeth Moss.

A história se trata de uma distopia. Tal conceito na ficção procura mostrar como a sociedade pode caminhar para um modo de autodestruição – e é dessa forma que ela se desenvolve. O livro foi lançado ao mesmo tempo em que acontecia a segunda onda feminista no mundo, aonde eram exigidos em suas manifestações a igualdade de gêneros e a garantia do direito das mulheres. Os atos tinham como objetivo atingir diretamente a sociedade conservadora que existia na época.

O fato do livro ter sido publicado nessa época dá a entender que sua autora, Margaret, o utilizou como meio de fazer a sociedade se questionar. Seu objetivo em criar uma distopia em cima disso acaba se tornando um meio de reflexão sobre o que aconteceria caso as mulheres abrissem mão da luta feminista e os homens, por fim, assumissem o poder e anulassem qualquer direito feminino.

A religião e o machismo se encontram na série

A série se passa nos Estados Unidos que conhecemos. Enquanto a população vive sua vida longe de preocupações, há um grupo de homens religiosos que seguem fielmente a Bíblia, e se intitulam como os “Filhos de Jacó”. Esse grupo seleto planeja aplicar um tipo de governo no país, e assim conseguem ao começar implantar a República de Gilead por meio de guerras. A partir daí, mulheres perdem seus direitos e têm seus futuros pré-determinados pelo governo.

Uma vez que o governo que subiu ao poder na série é teocrático, é grande a presença de trechos da Bíblia para justificar atitudes de algumas personagens. Ao decorrer dos episódios, é comum nos depararmos com momentos extremamente misóginos, que exigem estômago forte, já que vemos cenas de violência explícita contra as mulheres – algumas contendo até abusos sexuais.

Além disso, existem perseguições contra mulheres inférteis e homossexuais, que são consideradas pecadoras. Uma dessas mulheres, interpretada por Samira Wiley – conhecida por participar de Orange Is The New Black no papel de Poussey Washington – se assemelha com este último papel citado, já que ambas são mulheres lésbicas.

Por mais que Margaret Antwoord já tenha afirmado em entrevistas que seu objetivo na obra não foi atacar nenhuma religião, todo esse cenário – tanto o do livro quanto o da série – foi criado para denunciar o quão perigoso é um regime totalitário, seja ele de cunho religioso ou não. No entanto, é possível sentir os impactos que um governo teocrático poderia causar em determinados contextos sociais.

O treinamento das aias para a cerimônia. (Foto: Divulgação/HULU)

Choca, mas promove reflexões

Como produção audiovisual, a produção da série não deixou a desejar. Os tons em bege nos cenários, que vão de contraste às roupas que são de um colorido vibrante para caracterizar as personagens, criam um ambiente perfeito para o drama.

A trilha sonora, combinando com as fortes atuações femininas, traz nomes como Lesley Gore, com seu sucesso “You Don’t Own Me” e Nina Simone com “Feeling Good”, que são encaixadas de modo perfeitamente contextualizada com a trama. Nomes atuais, como a banda Cigarettes After Sex, também aparecem.

Quanto ao conteúdo, o livro foi muito relevante em sua época, assim como retomar a história em formato de série também se encaixou perfeitamente no contexto histórico-social em que nos encontramos agora.

Ao girar em torno de temas como religião, política e feminismo, é impossível que não se criem polêmicas ao redor da série. Apesar de distópica, crimes como mutilação de órgãos genitais, estupros maritais, e propriedade patriarcal acontecem na ficção e nas nossas vidas.

Por um lado, o alto teor de violência contra mulheres é um fator que prejudica a série, já que pode causar um grande incômodo em quem assiste, seja por empatia ou por se identificar com o momento por ter passado por algo parecido. Um grande número de mulheres já parou de assistir à série por conta disso.

Pelo outro, talvez o exagero nessas imagens leve o espectador a captar as similaridades com o mundo real, e que milhares de mulheres sofrem as mesmas coisas todos os dias há anos e não recebem o mínimo de ajuda necessária. Talvez os instigue a tomar alguma atitude sobre isso e refletir sobre a nossa realidade.

Em uma entrevista, Elisabeth Moss declarou que a série não foi feita para ter um contexto feminista, mas sim retratar uma história de amor. Offred, a protagonista, sobrevive para tentar reencontrar o seu marido e sua filha.

Mas nem sempre esse amor resolverá todas as questões do mundo. Se levarmos em consideração o contexto geral da série e da obra literária, não se pode ignorar que o feminismo é uma das – ou até mesmo a principal – questão abordada na série.

O choque na veracidade das cenas pode agir como um modo de abrir os olhos daqueles que estão vendo a série. De certo modo, chega a ser importante pois, diferente da realidade em Gilead, o que há de mais valioso dentro das mulheres em nossa sociedade não são os seus úteros.

(Gif: Reprodução)

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