Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery nos leva em uma viagem espacial digna de Sun Ra e Alice Coltrane

A estética espacial e futurista permeia tudo o que envolve o trio londrino, The Comet is Coming da capa, ao visual e principalmente a música. (Foto: Reprodução)

 Frederico Tapia

Shabaka Hutchings vem se estabelecendo como um dos músicos mais intrigantes e criativos da cena de jazz britânica e seu novo álbum se consagra como mais um pedaço da construção dessa reputação. Cena esta que vive seu maior renascimento em termos de novas ideias desde as inovações nos anos 60, tempos de Joe Harriott e Evan Parker.

Saxofonista, clarinetista e líder de banda (mais notavelmente dos grupos Sons of Kemet, Shabaka and The Ancestors e The Comet Is Coming), nasceu em Londres, mas viveu em Barbados durante sua infância e parte de sua adolescência. Foi lá que teve suas primeiras experiências musicais com ritmos caribenhos como o Calypso e Soca, o que ajuda a entender de onde vem a intensidade trazida por Hutchings por onde vai.

Em 2014 tocou e trabalhou com a Sun Ra Arkestra. Ra, que durante sua vida sempre buscou o futurismo e o místico em sua música, ao mesmo tempo em que sempre manteve suas fundações na tradição do jazz.

Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery carrega tudo o que Shabaka já havia trabalhado até este momento. Com Comet is Coming, a pegada afro-furutista, remetendo a música de Sun Ra e Alice Coltrane, e o electro-jazz de Flying Lotus marcam presença durante todo o álbum. Passando e chegando ao som extremamente energético do Afro-Jazz já apresentado no último LP de sua outra banda, Sons of Kemet, em músicas como Summon The Fire.

O projeto também evoca algumas passagens de jazz espiritual, desenvolvido principalmente por John Coltrane nos anos 60, nas músicas mais lentas, a partir da segunda metade do álbum. Terminando com um pé no Free Jazz em The Universe Wakes Up, a última faixa do álbum.

Danalogue(esq.), Shabaka(Centro), Betamax(dir.). O trio constrói toda sua estética em torno da ideia de ficção científica. (Foto: Reprodução)

Hutchings nunca escondeu sua admiração pelo hip-hop, afirmando inclusive que pratica seu saxofone ouvindo músicas de Nas, E-40 (quem ele descreve como o Eric Dolphy do rap), Notorious B.I.G., entre outros. Além de já ter declarado que quando está tocando ou compondo muitas vezes tenta fazer o papel do MC, da perspectiva rítmica e da energia.

A única performance vocal do álbum vem em uma espécie de spoken word da rapper britânica Kate Tempest em Blood of The Past, com uma poderosa fala sobre a humanidade e como continuamos vivendo com os mesmos erros do passado. Tempest também versa sobre todas as atrocidades que foram e ainda são cometidas, todo o sangue que já foi derramado e ainda sobre a ausência de qualquer sentimento de culpa.

O trabalho tanto de Betamax (ou seu pseudônimo TCiC, Betamax Killer) na parte mais eletrônica do som e de Danalogue (ou Danalogue The Conqueror) na percussão é muito bem feito e providenciam o apoio necessário para Hutchings (ou King Shabaka) poder se sobressair.

O resultado final é a síntese do que Hutchings vinha procurando, trabalhando e experimentando desde o primeiro trabalho com Mulatu Astatkem (pai do Ethio-Jazz, que se trata de uma mistura de Jazz com ritmos e estilos musicais Etíopes principalmente), e possivelmente seu projeto mais coeso até o momento. Ao mesmo tempo que são visíveis suas influências, o álbum é repleto da personalidade, do sentimento e da originalidade do Britânico-Barbadense.

O álbum acaba por criar ainda mais expectativas para o saxofonista de 33 anos. Apesar de já ter sido indicado ao Mercury Prize (prêmio anual dado ao melhor álbum feito por artistas britânicos e irlandeses) por duas vezes. Uma com o próprio The Comet is Coming e o álbum Channel The Spirits em 2016, o primeiro da banda. A outra indicação vem de 2018 com Sons of Kemet e o álbum Your Queen is a Reptile, uma linda homenagem a figuras históricas femininas negras.

Destaques: Summon the Fire, Blood of the Past, Super Zodiac, The Universe Wakes Up

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