B Positive prova que terapeutas também precisam de terapia

B Positive concorre a Melhor Direção em Série de Comédia no Emmy 2021 (Foto: CBS)

Ana Júlia Trevisan

Personagens absolutamente opostos, com realidades diferentes que têm seus cotidianos se entrelaçando por conta da premissa da série. Essa breve descrição poderia ser de Two and a Half Men, The Big Bang Theory ou qualquer outra produção com dedo do Chuck Lorre envolvido. Mais especificamente, B Positive é o trabalho da vez do dono de metade das sitcoms dos Estados Unidos. Indicada a duas categorias do Emmy, infelizmente, nenhuma delas é para Annaleigh Ashford como Melhor Atriz, mas felizmente, o asqueroso Thomas Middleditch foi ignorado.

B Positive se inicia nos apresentando Drew (Thomas Middleditch): um terapeuta recém divorciado, pai de adolescente, que descobre ter insuficiência renal e por conta disso precisará de um transplante. Como se tudo não fosse problema suficiente para o protagonista, ele não conta com um doador viável que possa o ajudar, e não pretende envolver a ex-esposa no problema.

A segunda temporada de B Positive tem estreia prevista para outubro de 2021 (Foto: CBS)

A salvação de Drew está no último lugar onde ele poderia imaginar encontrar a luz no fim do túnel. É sozinho em um casamento, que ele encontra Gina (Annaleigh Ashford), uma colega de Ensino Médio que era uma verdadeira bagunça na época de escola, e agora, sem muitas mudanças, usa de seu alter ego Becca para exagerar no álcool e nos comprimidos. Desde suas primeiras cenas, Gina mostra que será o pilar cômico, que sustenta a comédia da sitcom com mais suavidade, para além da acidez de piadas mórbidas.

É no desejo de ser a mudança na vida de alguém que Gina – já sem o efeito das drogas – mantém sua palavra de ser a doadora do novo rim de Drew. O maior empecilho? Dar adeus a Becca e se manter sóbria durante três meses. Essa necessidade combinada com as dívidas que Gina tem com um agiota, engatilham a trama que a série irá percorrer: Drew e sua doadora de personalidade oposta dividindo o mesmo teto.

Priscila da TV Colosso, é você? (Foto: CBS)

Problemas renais, divorcio e agiotagem. É essa trinca de toda boa família que rege os 18 episódios da temporada. A primeira vista, o número pode parecer absurdo nessa época de streaming, mas os modos Chuck Lorre de produção fazem B Positive funcionar em capítulos que parecem mais um apêndice da própria história, entretanto não perdem comicidade, trazendo um respiro no enredo que necessita de delicadeza para retratar cenas que andam de mãos dadas com a iminência da morte.

Graças a essas tramas paralelas, B Positive ganha fôlego para prender a audiência.  Por conta da condição de saúde, Drew é submetido à diálise, introduzindo mais quatro personagens na história. É o grupo de tratamento que sustenta a sitcom enquanto o transplante não pode ser feito. Trazer o enfermeiro e mais três pacientes para a companhia é um maior acerto da série. A aproximação com as personagens acontece naturalmente, sem forçar a presença em todas as cenas.

Cafeteria? Lanchonete? Mesa de bar? Não, a moda agora é a sala de diálise (Foto: CBS)
Cafeteria? Lanchonete? Mesa de bar? Não, a moda agora é a sala de diálise (Foto: CBS)

Um ex-jogador de futebol americano, uma mulher de negócios marcada pelo sarcasmo, um dentista solidário e um enfermeiro gay. Personagens caricatos, cumprindo o estereótipos da comédia e sem complexidade se encaixam no formato dos 20 minutos de episódio. É na sala de diálise – e por momentos, fora dela – que o roteiro ganha brechas para explorar a excentricidade do protagonista, fazendo contraponto com o universo extrovertido de seus companheiros.

Além deles, tem a volúvel presença da ex-esposa de Drew, sua filha e os idosos que Gina carrega numa van para fazer exames. O plot de Julia (Sara Rue) rende aos poucos, deixando as câmeras mais voltadas à filha do casal que está no período de transição para a adolescência. Já os idosos são praticamente conselheiros de Gina, tendo uma presença ativa que quebra a monotonicidade de cenários. O ponto forte é que todos têm seu espaço dentro da série, delimitando o ambiente de cada e deixando as piadas mais funcionais com as personagens encaixadas na medida certa de seus espaços. 

As pontas soltas são justificadas por algo que B Positive nos faz esquecer: a pandemia. Com cortes no elenco – principalmente o mais velho – e suspensão das gravações, B Positive seguiu o roteiro de Marco Pennette, driblando as próprias limitações. Numa temporada onde os lançamentos foram adiados e a leva de séries não foi a mais produtiva, a sitcom fugiu das reuniões via Zoom e das máscaras, permitindo que a comédia seguisse seu caminho sem martelar as calamidades diárias do mundo real.

Com três séries indicadas ao Emmy 2021, Chuck Lorre já pode pedir música no Fantástico (Foto: CBS)

B Positive chegou ao Emmy 2021 por seu próprio mérito, mas sem fazer muito barulho. A obra recebeu a nomeação no nome de James Burrows em Melhor Direção em Série de Comédia por seu Piloto, que apesar de ser genérico e não estabelecer o rumo exato que a produção iria seguir, não se perde dentro do contexto proposto, direcionando os atores a darem o máximo de personalidade para seus papéis. O episódio High Risk Factor garantiu a indicação em Melhor Mixagem de Som em Série de Comédia ou Drama (Meia-Hora) e Animação, mas seu forte mesmo foi em moldar a figura centrista de Drew, que mesmo bem delimitado, não teve fôlego para chegar nas categorias de atuação.

Essa não é a única série de Chuck Lorre a ser listada no Oscar da TV em 2021. As respectivas últimas temporadas de O Método Kominsky e Mom somam mais sete indicações para produções do vencedor do Hall of Fame (2012). O nome de Chuck vem marcando presença na Academia desde o segundo ano de Two and a Half Men em 2004, mas apesar de ser um dos diretores estadunidenses mais bem sucedidos, a estatueta do Emmy ainda não integra sua prateleira, e provavelmente não vem aí esse ano.

Spoilers à parte, não há como se manter lúcido durante a imprevisível espera de três meses que custa sua vida. O terapeuta segue o caminho oposto da calmaria que transmite a seus pacientes, sendo pessimista e superprotetor com Gina. A doadora, ao contrário de Drew que não entrega mais do que o esperado, tem a melhor evolução da série. Ao longo dos episódios acompanhamos Gina amadurecer, parando de pertencer ao meio da bebedeira que trouxe a benevolência. Em momento algum ela perde sua aura carismática e encantadora, pelo contrário, a sobriedade sem apagar seu histórico faz bom tom para a construção de um diferencial dentro de B Positive.

Sem um final dramático e renovada para sua segunda temporada, B Positive é uma agradável surpresa pela sua premissa que não parecia ter futuro. Seus episódios não dão motivos para continuar com a maratona, mas claramente também não dão nenhum motivo para abandonar a série. Sua única mediocridade é o protagonista, Thomas Middleditch, acusado de má conduta sexual por pelo menos uma dezena de mulheres. A série que finalizou sua primeira temporada com um perfeito gancho para matar o personagem, ditará seu caráter com as escolhas tomadas para seu futuro.

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