A segunda temporada de Aruanas pergunta: quem se beneficia com a devastação?

A foto mostra um grande cartaz amarelo pendurado na cobertura de um estádio de futebol, mais precisamente, na Arena Allianz Parque. A foto foi tirada de uma perspectiva da arquibancada (de um ângulo inferior em direção ao cartaz). Neste cartaz está estampada a frase em letras garrafais: “Energia limpa, um trilhão de motivos para lutar #PetroCrime”.
Como toda boa obra de ficção, Aruanas alerta para uma discussão real e emergencial acerca da exploração insustentável dos recursos naturais (Foto: Globoplay)

Gabriel Gomes Santana

Como você reagiria se soubesse que a água usada para abastecer sua casa foi contaminada? É a partir desse revoltante cenário, que a segunda temporada de Aruanas traz mais uma denúncia, de um jeito que só a série mais ativista do Globoplay sabe fazer. Nos novos episódios, a ONG unirá forças para impedir a implementação de uma Medida Provisória responsável por isentar os impostos das maiores empresas de petróleo instaladas no Brasil.

Sob a direção de Estela Renner e Marcos Nisti (também roteiristas da série), a continuação da trama nos apresenta uma perspectiva mais profunda e detalhada sobre crimes ambientais. Ainda que na primeira temporada a sensibilidade dessa narrativa se evidencie com maior nitidez através do desmatamento e mineração ilegal, nesse segundo ano, o espectador é posto, com sutileza, nos meandros de crimes mascarados pelo poder público e financiados por interesses privados.

A nova queixa trazida pela Aruana dialoga com o tema da poluição. Para explicar melhor como esse agravante é estruturado, mais uma vez, as ativistas Natalie, Luiza, Verônica e Clara se reúnem em prol de um embate travado entre diversos arrebatamentos. Na linha tênue entre legalidade e moralidade, desta vez, obstáculos como: milícias, lobbies empresariais, alienações, articulações políticas e esquemas de corrupção pautam a batalha da preservação ambiental.

Foto aérea da cidade fictícia de Arapós exibe o horizonte contrastante entre a indústria química em primeiro plano (central) e um extenso rio ao fundo (segundo plano). Além desse retrato da cidade, a palavra “Arapós” se sobrepõem perante a imagem da paisagem como se fosse uma legenda da imagem. 
A cidade de Cubatão – considerada pela ONU nos anos 1980 como a cidade mais poluída do mundo – foi usada como cenário da fictícia Arapós (Foto: Globoplay)

Mas a pergunta que não quer calar: a segunda temporada é tão envolvente quanto a primeira? De imediato, é possível assegurar: sim. As investigações mudaram, assim como a ambientação da trama, porém, os climas de suspense, drama e aventura permanecem fiéis aos fãs que procuram tais sensações na série. Mesmo assim, não crie expectativas sobre os destinos reservados a cada personagem. É o único conselho aos desavisados de plantão. Essa é definitivamente uma regra que deve ser cumprida por quem acompanha o seriado.

Afinal, quem se quer enganar? Como seria possível deixar de depositar expectativas quando se tem, num mesmo elenco, joias da dramaturgia brasileira contracenando em cenas de tensão e porradaria? Sem dúvidas, a atuação das personagens é um elemento chave neste enredo. A participação especial de Lima Duarte e a inserção de Lázaro Ramos, Daniel de Oliveira, Elisa Volpatto e Joaquim de Almeida, dá um toque especial nas novas intrigas desse caótico cenário.

Esqueça o maniqueísmo clichê presente no discurso “nós” contra “eles”. Em Aruanas, o que se vê é um complexo panorama no qual todos são responsáveis pela devastação, ainda que alguns sejam peças fundamentais para que isso aconteça. Semelhante às obras de José Padilha, cineasta pioneiro das narrativas policiais brasileiras, os episódios retratam as profundezas de esquemas políticos milionários que lucram através da irresponsável gestão de recursos públicos. Mais do que apontar as cartas marcadas desse tabuleiro, os roteiristas apelam para a inevitável e necessária ferramenta de mobilização social: a indignação.

A foto exibe dois homens de terno sentados em uma mesa de restaurante. Os homens se encaram frente a frente. Ao lado esquerdo da imagem há um homem branco e aparentemente idoso. À direita está Lázaro Ramos, um homem negro, de quarenta anos de idade, careca. Lázaro expressa preocupação em seu rosto. O enquadramento da foto foca nos dois personagens conversando em primeiro plano, mas percebemos que há outras pessoas sentadas no restaurante desfocadas em segundo plano.
Lázaro Ramos vive o papel de Enzo Costa, prefeito de Arapós que tem boas intenções mas que também se vê refém do xadrez político sistematicamente corrupto (Foto: Globoplay)

Como se não bastasse isso, qualquer semelhança com a realidade certamente não é mera coincidência. Talvez, seja essa a razão da produção ter feito tanto sucesso por seu teor crítico. O grau de aproximação verídico que permeia esta ficção chega ser alarmante e assustador, porém pouco surpreendente. Não é como se os acontecimentos fossem previsíveis, no entanto quando se trata sobre o Brasil, não é difícil encontrar lacunas mal resolvidas que se repetem. E o descarte de resíduos tóxicos na natureza esboça isso.

No fim das contas, esta segunda temporada lança uma pergunta essencial: quem se beneficia com a devastação? Quem faz parte dos bastidores desse processo lucrativo e criminoso talvez não tenha um só perfil, mas vê vantagens nos processos de desinformação e alienação da opinião pública. Por isso, a importância das ONGs como órgãos que, mesmo cumprindo papéis que deveriam ser designados ao Estado, são reparadores e fiscalizadores do ecossistema. Porém, para que tais instituições consigam ter efetividade, a série estampa também a necessidade de uma mídia alternativa, que se preocupe com as questões socioambientais.

A foto ilustra dois homens sentados em uma mesa redonda, um ao lado do outro, em frente a tela de um notebook. O homem à esquerda é um jovem branco, na casa de seus 25 anos, magro. Ele aparenta estar apreensivo com a presença do homem que está ao seu lado (esquerdo), já que o mesmo tem uma arma ao seu lado. O homem à direita é um senhor, na casa de seus 43 anos de idade, de bigode e camisa listrada. Na série ele interpreta um delegado miliciano da cidade. Na foto ele aparece com dois objetos que chama a atenção: um copo de whisky e um revólver. Este senhor está com o braço direito apoiado nos ombros do rapaz à esquerda.
Um trunfo sabiamente utilizado nessa temporada é a ligação entre empresários e milicianos envolvidos no esquema de desinformação pública e descarte ilegal de lixo industrial (Foto: Globoplay)

Em determinado momento da narrativa, todos os envolvidos escancaram seu descontentamento com o que se passa em Arapós. Os mercenários temem ser desmascarados, os alienados percebem que algo está errado e os justiceiros, intrometidos onde não são chamados, são ameaçados. E é nesse tom de ameaças que os capítulos de Aruanas se desenvolvem para um desfecho nada agradável. Apesar disso, ele não chega a ser ruim, mas deixa a desejar em muitas explicações que, provavelmente, estarão presentes em uma terceira temporada.

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