Mas, que nada! Sai da minha frente que Samba Esquema Novo comemora 60 anos

Capa do disco Samba Esquema Novo de Jorge Ben Jor. O fundo é acinzentado, do lado esquerdo está Jorge, um homem negro que veste blusa vermelha, calça azul, meia e sapatos pretos. Ele está em pé com a perna cruzada e segura um violão. No canto inferior direito está escrito “Jorge Ben” em vermelho, e logo em baixo está escrito “Samba Esquema Novo” em branco e amarelo
Jorge Ben Jor incorporou influências árabes, africanas e outros estilos como baião, rock e samba em sua Música, resultando em uma sonoridade única e inovadora (Foto: Philips)

Leticia Stradiotto

A Bossa Nova surgiu em 1958 no Rio de Janeiro, nas melodias de João Gilberto, que simplificou a batida do samba, dando origem a um estilo musical único e característico. Logo em 1962, Tom Jobim e Vinicius de Moraes juntam a beleza lírica e a melodia suave do estilo musical para originar o pote de ouro da música brasileira: a canção Garota de Ipanema. De fato, a chegada da década de 1960 trouxe efervescência ao cenário brasileiro, e quase parece que entre a Bossa Nova e o movimento da Tropicália não existia mais nenhum lugar de destaque no País Tropical. Mas ainda há um sobrando e que, graças aos deuses de outras galáxias ou de um planeta de possibilidades impossíveis, foi preenchido por Jorge Ben Jor.

Samba Esquema Novo estreou em 1963 pela Philips e, felizmente, lançou o artista para o mundo. Carioca e nascido em Madureira, ele tinha uma intimidade própria com as batidas do violão e as técnicas utilizadas. Tipo Bossa Nova? Mais ou menos, também tinha um pouco de rock and roll. E samba, claro! Na verdade, é quase isso: tem samba, mas não somente. Não tente definir o álbum, ele é dinâmico, diferente e único, sendo o responsável por abrir um espaço – como a explosão de uma estrela no universo – entre a Bossa Nova e a MPB dos festivais de canção. A Música brasileira nunca mais foi a mesma depois da chegada de Jorge Ben.

Foto em preto e branco. Jorge é um homem negro de cabelo curto preto, ele veste uma camisa social xadrez e um sueter por cima. Está segurando um violão e olhando para o lado esquerdo. Atrás dele tem um fusca.
Jorge Ben Jor inovou a música brasileira com sua icônica batida de violão (Foto: Michael Ochs)

O álbum de estreia do cantor é considerado um marco na indústria nacional e, de acordo com a revista Rolling Stone está em 15º lugar na lista dos melhores discos da Música brasileira. Completando 60 anos de lançamento, Samba Esquema Novo demonstra a alquimia musical e intuição de Jorge Ben, e sua obra se transforma em uma declaração de identidade e expressão cultural. Mas, para além da intuição, Ben Jor é um conjunto de estudos e técnicas que elaboram a vibração. Até então, não existia nada no universo musical que soasse como as canções, os instrumentos e a voz que o carioca interpreta. 

O êxito trouxe as críticas ao modo ‘errado’ como Jorge tocava o violão, quando contraposto ao rigor da Bossa Nova, começou a alardear. Como o próprio definia, sua batida era a da escola de samba após o desfile, deixando de lado os pitacos e seguindo o lema “Fé em Deus e pé na tábua”. Afinal, a primeira e mais icônica faixa Mas, Que Nada! já dizia: esse samba é misto de maracatu. Ben tem outro requebrado, um suingue singular e, claro, uma assinatura musical que garante a identificação imediata. A música é conhecida internacionalmente, tendo uma regravação em 2006 de Sérgio Mendes com o Black Eyed Peas, o que mantém sua relevância para as novas gerações.

Foto em preto e branco. Jorge é um homem negro de cabelo preto curto, ele usa um óculos arredondado e está vestindo uma camisa social clara e calça jeans. Ele está sentado no chão atrás de várias plantas, segurando um violão e olhando para a câmera
O carioca já homenageou Caetano Veloso e Rita Lee em suas canções Mano Caetano e Rita Jeep (Foto: Michael Ochs)

O álbum projeta a alegria e a celebração da cultura brasileira. As músicas destacam a habilidade do carioca em criar uma atmosfera festiva com arranjos espetaculares no samba e convidam os ouvintes a balançar as cadeiras. Chove, Chuva, com melodia inconfundível, ainda é utilizada nos dias atuais na construção de canções por meio de samples, como em Tá na Chuva, do grupo Racionais MC’s. A política e a estética presentes nas faixas de Ben são uma das maiores influências do rap nacional

Delicada, mas potente. A voz do cantor brinca com o sotaque carioca cantando o tão característico “voxê” em suas canções quando se refere à amada, exemplificada pela faixa Quero Esquecer Você, que imprime esse toque caricato em suas histórias de amor. “Oba, lá vem o Samba!”, o álbum é uma construção de faixas que transparecem todo o gingado do cantor através de sua voz rouca e cativante. Por Causa De Você, Menina encerra o álbum da melhor maneira dando forma ao samba rock e é quase impossível não ter o coração embalado pelo ressôo “Menina, menina” em mais uma declaração de amor.

 Foto de Jorge em um show. O fundo tem cores azuis, roxas e rosas. Jorge está ao centro, um homem negro de cabelos curtos, está usando um óculos de sol arredondado e veste uma camisa preta de manga longa. Está segurando uma guitarra elétrica e faz o sinal de “paz e amor” com os dedos. Na sua frente tem um microfone.
Jorge Ben foi o único artista já consagrado a participar do movimento da Tropicália no programa Divino Maravilhoso, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa (Foto: Jorge Ben Jor)

Após 60 anos de seu lançamento, a obra transcende o tempo e se mantém como um marco fundamental na história da Música brasileira. O dinamismo, a abordagem inovadora ao samba e a sonoridade singular mesclam os ritmos contagiantes que são a cara do Brasil, além de fascinar as novas gerações de ouvintes, demonstrando a atemporalidade do talento de Jorge Ben. Samba Esquema Novo incorpora as guitarras elétricas e influências externas da África, dando origem ao estilo samba rock que conhecemos hoje e projetando ao mundo um dos maiores artistas do gênero. 

Sua trajetória sempre foi luminosa e reconhecida, e o carioca ainda realiza shows cheios de alegria e paixão. Ele nada mais é do que um homem que canta o seu mundo para o mundo, seus amigos, suas musas, seus deuses e, sobretudo, para si mesmo. É movimento, gingado, balanço tropical e uma festa que parece nunca terminar. Como brasileiros, é uma honra ter a sua arte por 60 anos em nossa história – no fim das contas, os números são apenas números, uma vez que temos a certeza da eternidade imortal de Jorge Ben Jor.

 

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