10 anos depois, AM do Arctic Monkeys ainda é iconicamente sedutor

Capa do disco AM do Arctic Monkeys. A capa é minimalista com o fundo preto e o desenho de uma onda sonora branca com duas amplitudes
Arctic Monkeys consegue moldar, por meio do som, a estética visual que imaginamos quando pensamos na juventude britânica (Foto: Domino Records)

Leticia Stradiotto

AM. É uma abreviação? Madrugada? Radiofrequência? Não existe uma resposta correta. Seria mais fácil juntar tudo em uma explicação só: AM é a abreviação que encapsula a essência do Arctic Monkeys como uma madrugada interminável, na qual a radiofrequência das guitarras distorcidas e os versos envolventes de Alex Turner conspiram e nos seduzem para a atmosfera dos becos britânicos. Separe seu gel de cabelo, vista uma jaqueta de couro, invista em óculos escuros (principalmente se for à noite) e, por favor, não esqueça do cigarro na mão, pois há uma década era lançado ao mundo o disco que influenciaria uma geração de jovens e catapultaria a banda para o estrelato.

Originários dos subúrbios da cidade de Sheffield, na Inglaterra, a banda foi formada em 2002 e rapidamente se destacou na cena musical alternativa. Em Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, o recorde de álbum de estreia mais vendido na história do Reino Unido foi quebrado pelo grupo. Até então, os britânicos haviam liderado o gênero indie com grandes influências de The Clash, The Smiths e The Strokes. No entanto, em 2013, sua proposta foi modificada e eles finalmente decidiram abraçar o hard rock. 

Foto em preto e branco da banda Arctic Monkeys. Na imagem estão quatro homens. Da esquerda para a direita, está Alex Turner, um homem branco de cabelo com topete que veste óculos escuros, uma blusa social branca e um casaco social preto. Ao seu lado está Nick O’Malley, um homem branco de cabelos compridos até o queixo que veste um casaco cinza. Ao seu lado está Jamie Cook, um homem branco de fios levemente longos e penteados para trás, ele veste um terno preto. Ao seu lado está Matthew Helders, um homem branco de cabelo curto e topete que veste um casaco social cinza
Após o lançamento de dois discos, o Arctic Monkeys foi considerado a maior banda britânica desde o Oasis (Foto: Sebastian Kim)

Apesar de ganhar notoriedade global em oito anos de carreira, o Arctic Monkeys ainda era considerado uma banda de menor expressão antes de AM. A grandiosidade do álbum conquistou lugares que eles ainda não haviam alcançado. Em números, estreou no topo das paradas musicais e liderou vendas com mais de 150 mil cópias na primeira semana de lançamento. Em 2023, o grupo foi certificado três vezes platina pela Recording Industry Association of America (RIAA) com mais de 3 milhões de cópias. A recepção não se limitou apenas aos formatos digitais e físicos, mas também se estendeu ao vinil, se tornando um dos mais comercializados da década, provando mais uma vez o status do grupo como um dos mais influentes da atualidade.

Tão icônico hoje quanto no dia de seu lançamento, o álbum é o ponto de virada da carreira da banda. A mudança ousada de estilo e o sucesso comercial solidificaram o lugar de AM em uma obra-prima que moldou o som contemporâneo e o conectou profundamente com uma geração que estava se tornando cada vez mais envolvida com questões de identidade, desejos e descobertas emocionais. 

Foto em preto e branco. Na imagem está Alex Turner, um homem branco de cabelos curtos e topete, ele está cantando com o rosto virado para o lado esquerdo, veste uma camiseta com gola em V e está tocando guitarra
O vocalista Alex Turner foi – e ainda é – um sex symbol do rock moderno (Foto: Jack Plunkett)

Conectado intrinsecamente ao fenômeno do Tumblr – uma plataforma de blogs que, em seu auge nos primeiros anos do século 21, era marcada por uma estética que abraçava a melancolia da adolescência -, o disco prosperou por meio das letras de Alex Turner que encontraram ali um lar, com linhas sobrepostas de memórias sobre fotografias vintage de garotas fumando ou citações em máquinas de escrever. As pessoas se apropriaram do álbum, tanto fisicamente quanto emocionalmente, usando-o como uma projeção de suas próprias experiências, sejam elas os corações partidos, as noites selvagens ou as saudades de amores desconcertantes  –  além de muito mais daquilo que, com certeza, todo mundo já passou na excêntrica juventude.

Com influências musicais amparadas em Black Sabbath e The Velvet Underground, AM é o trabalho que a banda sempre desejou criar e que os fãs sempre desejaram ouvir. Uma fusão dos riffs de Humbug com o pop do Suck It and See deu origem ao som sensual característico. É a mistura de todas essas influências presentes em suas discotecas anteriores que resulta em uma sonoridade verdadeiramente única. Arctic Monkeys captura perfeitamente o espírito da cena musical britânica da época com letras que fazem referência a bares, festas noturnas, cotidiano e até mesmo a estética visual do ambiente.

 Foto em preto e branco. Na imagem está o palco de um show do Arctic Monkeys, com a plateia do lado direito da foto. Os integrantes estão um pouco ofuscados pela luz que está ao fundo em um letreiro neon escrito “Monkeys”. Ao centro do palco, mais visível, está Alex Turner, um homem branco de cabelos compridos que veste um casaco social, calças flare e bota. Ele está tocando guitarra na ponta dos pés. Ao seu lado direito, está outro guitarrista, um homem branco que veste blusa social branca, casaco e calça. Ao fundo está a bateria e os demais músicos.
O disco contou com a participação do vocalista do Queens Of Stone Age, Josh Homme, no backing vocal de algumas canções (Foto: Aaron Parsons)

Contendo 12 faixas e 4 singles, destacam-se entre as músicas mais populares do álbum, Do I Wanna Know?, Why’d You Only Call Me When You’re High? e RU Mine?. Certamente, com tantas interrogações, o disco reflete, mais uma vez, as dúvidas e incertezas de uma geração alimentada por amor e desejo, conectando a autonomia e personalidade distintiva da banda com seus ouvintes. One For The Road, por exemplo, transmite o desejo e a paixão por meio dos riffs e sussurros do vocalista Alex Turner. 

Arabella tem uma cabeça dos anos 1970, mas é uma amante moderna. É o primeiro rock psicodélico no álbum, também responsável por caracterizar a presença de Black Sabbath que, assim como a garota da canção, surge na década setentista e influencia o heavy metal em guitarras distorcidas. A icônica e romântica I Wanna Be Yours foi inspirada no poema do poeta punk John Cooper Clarke, dando uma profundidade lírica à construção da faixa.

Entre a conexão de experiências pessoais e relacionamentos românticos, surge o par Alexa Chung e Alex Turner. Você deve ter ouvido falar do casal britânico ou pelo menos já se deparou com a tão famosa carta de amor perdida. Eles eram considerados um dos casais mais badalados do Reino Unido e atraíam constantemente a atenção da mídia. O relacionamento começou em meados de 2007 e durou até 2011, dois anos antes do lançamento de AM. Dizem as más línguas que as faixas Fireside e Knee Socks foram escritas para a modelo que, frequentemente, usava meias até os joelhos. Assim como as demais canções, que contribuem para a atmosfera provocante, não é bobagem falar que o grande sucesso do disco veio de um coração partido. 

Carta de amor de Alex Turner para Alexa Chung que está escrito em letras manuscritas “Minha boca não se calou sobre você desde que você a beijou. A ideia de que você a possa beijar mais uma vez está grudada no meu cérebro, o qual não parou de pensar em você desde, bem, antes de qualquer beijo. E agora, o prospecto daqueles beijos parece me pegar como quando você escorrega na escada e um dos degraus te atinge bem no meio das costas. A noção deles continuando é tradicionalmente assustadora e para sempre me excitam a um grau desconhecido”
“Minha boca não calou a boca sobre você desde que você a beijou” (Foto: Alex Turner)

Ao longo de uma década, a obra do Arctic Monkeys provou ser duradoura. Em uma atmosfera incrivelmente sedutora com a voz corrosiva de Turner, somos transferidos para encontros noturnos, flertes intensos e quartos de hotel onde as escolhas erradas são frequentemente feitas. Mesmo com a evolução da banda em novos discos, como Tranquility Base Hotel & Casino e The Car, eles nunca escaparão do legado de AM

Mais do que um álbum, o trabalho é um retrato sonoro de uma época, uma trilha sonora para a juventude eternamente cativada pela mistura única de sensualidade, paixão e autenticidade. A obra ressoa o clima irresistivelmente sexy que, mesmo com 10 anos, ainda nos envolve com sua aura de mistério e atração. Arctic Monkeys trouxe à tona um espaço de identificação para adolescentes cheios de experiências intensas, e que agora são adultos expressivos, ou pelo menos, nostálgicos acerca de suas paixões rebeldes na juventude. Por que, afinal, iríamos querer sair dessa?

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