A terceira temporada de Titãs é tão caótica quanto Gotham City

Original do HBO Max, a terceira temporada de Titãs chegou à Netflix em Dezembro de 2021 (Foto: HBO Max)

Jamily Rigonatto

Em 2018, as primeiras fotos das gravações de Titãs foram divulgadas e a impressão inicial deixou a sensação que a produção viria com data de validade. A série live-action propôs mostrar uma nova face do famoso grupo de super-heróis e os desvincular da imagem juvenil e imatura das animações. Abandonando o formato cômico e desaforado de algumas franquias do DC Universe, como é o caso de Esquadrão Suicida e Aves de Rapina, Titans planejava se ancorar em um tom mais agressivo e noturno. Agora, a obra audiovisual chega ao seu (improvável) terceiro ano com um enredo repleto de pontas soltas e decepções. 

Com Greg Walker como produtor, os treze episódios da terceira temporada, que passaram a ser parte do catálogo do HBO Max nos Estados Unidos, finalmente chegaram ao Brasil pela Netflix, quatro meses depois da estreia oficial. No novo ponto da narrativa, os personagens mudam de cenário e abandonam a progressista e tecnológica cidade de São Francisco, para adentrar a atmosfera insana e desorganizada de Gotham. Em uma investida ousada e arriscada, a direção escolhe referenciar uma das histórias em quadrinhos mais aclamadas pelos fãs da DC Comics: o livro de 1988, Batman: Morte em Família.    

Depois de cair em uma armadilha projetada pela mente cheia de devaneios do infame Coringa, Jason Todd (Curran Walters) passa dos limites e enfrenta o vilão em uma batalha letal. O fim trágico do jovem aflora sentimentos de vingança em Bruce Wayne (Iain Glen), que acaba cedendo a seus impulsos e traindo suas convicções. Afundado em meio a própria contradição, o Homem-Morcego vai embora e deixa para trás uma vilania descontrolada, colocando Gotham em um perigo maior que o de costume, em pouco tempo. Assim, movidos pela dor de perder um amigo e pelo instinto de salvar o dia, os Titãs deixam sua sede em direção à cidade do crime.

Para a surpresa dos heróis, o responsável pela onda de violência é ninguém menos que Capuz Vermelho, a versão destemida de Jason. Após ser afetado pela droga sem medo e ressuscitar com a ajuda de Jonathan Crane/Espantalho (Vincent Kartheiser), o menino prodígio retorna sob o pseudônimo e os dois começam a trabalhar em conjunto. Em um movimento pouco satisfatório, a série introduz um antagonista fraco e o personagem acaba sendo bastante limitado pelas ordens e planos de Crane. Dessa forma, o arco de Todd fica concentrado nas questões psicológicas e morais, colocando-o em uma corda bamba entre o bem e o mal em boa parte dos episódios. 

Entre as particularidades que sustentam o roteiro, é colocado em evidência um ponto anteriormente abordado em outras temporadas: os Titãs não são o Batman. Na tentativa de reafirmar a distância entre as atitudes dos heróis e as de Wayne, a história traz um Dick Grayson/Asa Noturna (Brenton Thwaites) ainda apegado demais ao seu passado como Robin. Assim, o vigilante não precisa sequer de tempo de tela para ser semelhante a um fantasma assombrando a narrativa por mais tempo que deveria. Entretanto, o sucesso que os Titãs alcançam ao impedir o colapso da cidade contrariando o que o Cavaleiro das Trevas faria, causa esperanças de que essa seja uma espécie de emancipação dos personagens e que a presença – física ou não – do herói seja reduzida na próxima temporada.

Capuz Vermelho ganhará sua própria série, um spin-off de Titãs, que será produzida pelo HBO Max (Foto: HBO Max)

Outro aspecto do enredo são as problemáticas dos Titãs, exploradas de uma forma individualizada. Contrariando a ideia dos anos iniciais e a necessidade de fazer tudo em equipe, eles passam boa parte da trama separados e encaram questões mais particulares. Essa forma de conduzir a série abre um grande leque de informações, muitas vezes mal abordadas. Ao acompanhar os múltiplos caminhos da narrativa, qualquer resquício de linearidade é perdido. Além disso, o pouco tempo para investir nos arcos acaba resultando em furos de roteiro e trazendo desenvolvimentos que não chegam a lugar algum. 

A relação entre Estelar (Anna Diop) e Estrela Negra (Damaris Lewis), por exemplo, fica em uma posição em que é trabalhada, mas termina sem um bom desfecho. Apesar das atuações das atrizes serem muito cativantes e construírem figuras carismáticas, as irmãs, que prometiam grandes contraposições e uma forte rivalidade, acabaram reduzidas a picuinhas e imaturidade. Ainda, a necessidade de impedir o andamento dos planos do Espantalho joga para escanteio as dificuldades entre as duas. O namoro de Komand’r e Conner Kent (Joshua Orpin) também poderia não ter sido retratado nesse momento: fora a falta de química que rodeia as cenas protagonizadas pelos dois, o Superboy tem obstáculos com a utilização de seus poderes, grandes demais para darem espaço ao relacionamento.

Entre os significativos acertos da terceira temporada de Titãs, está a introdução de Barbara Gordon. Em seu novo desenvolvimento para a televisão, Barbara, vivida por Savannah Welch, aparece usando a cadeira de rodas e ocupando o lugar do pai, o Comissário Jim Gordon, como comandante do departamento policial de Gotham. A intérprete faz um trabalho excelente e remonta a personagem com toda a inteligência e perspicácia que ela merece. Outra boa escolha da direção foi resgatar das HQs o relacionamento dela com Dick: as interações entre os dois geram cenas ótimas e trazem à tona as desconfianças que a Comissária carrega em relação às motivações dos super-heróis.

Cena da série Titãs. Na imagem aparece Barbara Gordon, uma mulher branca de cabelos castanhos na altura do ombro. Ela usa um vestido bordô curto, uma corrente prateada e uma pulseira preta. A personagem está sentada em uma cadeira de rodas preta e amarelo e ao fundo está um cenário com detalhes de madeira e uma janela.
Savannah Welch, atriz PCD, vive Barbara Gordon, inspirada pela clássica HQ Piada Mortal (Foto: HBO Max)

Como era de se esperar, o potencial de Gar Logan (Ryan Potter), o Mutano, é desperdiçado novamente. O personagem, um dos Titãs mais importantes dentro do universo da DC, na série, ganha um ar de alívio cômico que o faz parecer mais com um enfeite simpático. Em três temporadas, o desenvolvimento dos seus poderes é tão sutil e lento que chega a ser medíocre, nos fazendo duvidar da sua relevância para a narrativa. Dessa forma, em muitos momentos, o herói parece estar ali apenas como um apoio para os outros, alguém que aparece em ocasiões oportunas.

Infelizmente, Rachel (Teagan Croft), ou Ravena, como é mais conhecida, não fica em uma posição tão melhor, com pouquíssimas cenas durante a temporada. A heroína teve um grande enfoque no primeiro ano da produção e provocou diversas expectativas diante das inúmeras possibilidades permitidas por seus poderes. Entretanto, o roteiro de Titãs parece prezar pela conveniência de ter muitas cenas de ação, baseadas em lutas corpo a corpo, e faz com que a extensão da magia de Rachel seja pouco explorada. Ao menos, os sentimentos entre Ravena e Gar não passaram despercebidos e, agora, vemos um desdobramento mais estável da relação dos dois. 

Cena da série Titãs. Na imagem aparecem os personagens Gar e Rachel lado a lado. Gar tem traços leste asiáticos e cabelos verdes, veste um moletom cinza com detalhes em branco e amarelo. Rachel tem pele branca e cabelos roxos, veste uma blusa de recortes e um casaco pretos e tem uma pedra vermelha na testa. Ao fundo aparecem duas janelas com venezianas entreabertas.
O artista brasileiro Gabriel Picolo foi o responsável pelas ilustrações de Ravena e Mutano nas Graphic Novels publicadas pela DC (Foto: HBO Max)

Quanto ao Espantalho, este perdeu muito da personalidade desprezível, dando lugar a um vilão absolutamente previsível. Usando do velho suspense dos amadores que alertam os heróis antes de agir, a série perdeu a oportunidade de colocá-lo como um adversário brutal, que daria origem a frames de ação fascinantes e entregaria a chance que os Titãs precisam para realmente se destacarem. Em alguns momentos, as adaptações feitas para o personagem parecem atribuir elementos característicos de outros antagonistas, como os enigmas do próprio Coringa, para moldá-lo, algo semelhante ao que aconteceu com o Exterminador no ano anterior da produção.

Por outro lado, entre tantos personagens pouco aproveitados, temos Jay Lycurgo interpretando Tim Drake. Esbanjando personalidade, esperteza, eficiência e nenhuma arrogância, o ator conseguiu conceber a melhor figura da terceira temporada. Com uma história carregada de adversidades, Drake traz leveza, sem abandonar a profundidade, e é exatamente o sopro de ar fresco que a série precisava. 

Uma das gratas surpresas da temporada, porém, é a melhora nos efeitos especiais: as cenas, antes extremamente artificiais, agora aparecem com mais naturalidade e são bem mais convincentes. Os cenários também ganham sua parcela de realismo e compõem o ar sombrio e pesado de Gotham com exatidão. Com a falta de luminosidade e a presença de muitas construções acinzentadas e destruídas, a atmosfera da cidade passa as sensações de angústia e apreensão necessárias. Além disso, a fotografia em tons frios, dirigida por Boris Mojsovski, completa o retrato obscuro da trama. 

Cena da série Titãs. Na imagem aparece o personagem Dick Grayson, um homem branco de cabelos curtos e castanhos. Veste seu uniforme de Asa Noturna, um traje preto com detalhes em azul escuro e uma máscara que cobre os olhos. Ao fundo há um cenário escuro com uma lâmpada tubular como única fonte de iluminação.
“O rei se move furtivamente nas sombras, enquanto as lagoas são preparadas para a face da destruição” (Foto: HBO Max)

Mesmo passando por altos e baixos – mais baixos que altos – o terceiro ano de Titãs conseguiu ser o melhor da produção até o momento. A quarta temporada já recebeu sua confirmação e levanta expectativas quanto aos próximos passos que irá tomar. O retorno de Tim Drake como o novo Robin é um dos momentos mais aguardados pelo público, assim como (espera-se) Barbara Gordon assumindo a identidade de Oráculo e a divisão do foco da série entre São Francisco e Gotham, para acompanhar o movimento de todos os heróis. 

Ao fim, Titãs é o tipo de produção que tem bons personagens, bons vilões, bons flashbacks e elementos suficientes para construir uma história incrível. Todavia, seu erro está na energia que desperdiça tentando segurar mais do que pode. Uma narrativa mais objetiva, em que todos os heróis tivessem tempo o bastante para ganharem desenvolvimentos com começo, meio e fim, traria resultados mais eficazes e completos. Ainda assim, vale a pena dar uma chance e assistir a trama. Para quem espera algo que adapta bem os quadrinhos originais, porém, essa com certeza não é a série que cumpre os requisitos.

Titãs ainda parece ter medo de ousar em criar um roteiro verdadeiramente marcante. Enquanto isso, joga fora um enredo heróico por possibilidades medianas. A próxima temporada precisará de muitos ajustes e um trabalho atento para resolver os contratempos amontoados até agora, mas não é exatamente um trabalho impossível. Nos resta esperar que os produtores da série percebam o grande potencial que têm em mãos e, finalmente, encontrem a dose de equilíbrio entre melancolia, dinamismo e heroísmo. 

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