Em um deserto de expectativas, Duna: Parte 2 é um milagre de adaptação

Aviso: Lisan al Gaib profetiza que haverá spoilers no texto a seguir

Cena do filme Duna: Parte 2: Paul Atreides, interpretado por Timothée Chamalet, caminha sobre as areais do deserto de Arrakis em direção à câmera. Paul é um jovem branco de cabelo curto liso. Na cena, ele utiliza um trajestilador, uma roupa cinzenta e justa com cabos e placas lisas que cobrem o corpo inteiro. Paul utiliza um capuz preto e uma capa cinzenta translúcida. O personagem está no centro da imagem com um sol batendo acima dele e montanhas atras de si. O céu é de um amarelo quase bege e não há nuvens. Os olhos de Paul nesta imagens são azuis.
O universo de Duna revolucionou a Literatura de ficção científica e, agora, revoluciona o Cinema do gênero (Foto: Warner Bros. Pictures)

Íris Ítalo Marquezini e Nathan Sampaio

Um dos exemplos mais utilizados em escolas para representar o conceito de uma história épica é A Odisseia, de Homero. A trama de voltar para casa, ficar distante da família e reclamar dos sacrifícios que são de heróis por direito fundou muito do que se entende pelo ocidente hoje. Acontece que não só de histórias monumentais viviam os gregos. As tragédias, compostas por pessoas paralisadas pelas teias do destino e de erros fatais irreparáveis, colocavam a audiência na linha tênue entre entretenimento e choque pelo que era representado nos palcos dos teatros. 

Ésquilo, em A Casa de Atreus, demonstra um exemplo de como determinadas crenças, ganância e crueldade podem condenar gerações de uma família a sofrer um ciclo de violência interminável. Duna: Parte 2 continua a mostrar a tragédia que acomete essa mesma linhagem dezenas de milhares de anos depois. A graça do filme é o diretor Denis Villeneuve somar o épico e o trágico igualmente, de uma forma que, como alguns diriam anos atrás, seria impossível. Para uma história com tanto peso na religião, Duna: Parte 2 faz a audiência acreditar que é possível ir ao cinema para presenciar um milagre.

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Persona Especial – Representatividade LGTBQIA+

Em 2024, o Persona alcançou a marca dois mil textos e seguidores (Texto de Abertura: Jamily Rigonatto / Artes: Henrique Marinhos)

Entender a si mesmo como uma pessoa LGBTQIA+ é, muitas vezes, uma tarefa difícil. Isso pode ser ainda mais intenso na adolescência, quando a pressão externa para ser igual a todo mundo – ou até melhor – te empurra a ser exatamente como esperam que você seja. Nesse contexto, coisas simples podem ganhar um significado imenso. Mas afinal, como a representatividade na mídia importa?

Em um momento de descoberta, dar de cara com um livro, filme, clipe ou até comercial que te faça sentir inteiro pode mudar muito sua jornada de auto aceitação. Encontrar casais sáficos, gays, pessoas trans e demais letras da comunidade existindo e sendo de verdade – mesmo que na ficção – nas linhas de algum produto é o tipo de coisa que te mostra que está tudo bem ser assim, não é um desvio de caráter e, muito menos, uma exclusividade azarada. 

Fechando mais um Mês do Orgulho, alguns membros da nossa Editoria compartilham como o contato com produções queer na adolescência fez diferença e, de certa forma, acompanha suas vidas até hoje. Levantando a bandeira de um jornalismo cultural que preza pelo respeito e acolhimento da diversidade, o Persona agradece por mais essa cobertura. Amar e existir são atos de resistência lindos. 

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Há 5 anos, Vingadores: Guerra Infinita se tornava clássico em um estalar de dedos

Vingadores: Guerra infinita celebrou os 10 anos de Marvel Studios e iniciou a conclusão da saga (Foto: Marvel Studios)

Davi Marcelgo 

Aqui é a nave Estadista de refugiados asgardianos. Estamos sob ataque. Repito: estamos sob ataque. Os motores morreram, o suporte de vida está falhando. Solicitando ajuda de qualquer nave próxima. Estamos a 22 pontos de salto de Asgard. Os tripulantes são famílias asgardianas. Há poucos soldados aqui. Esta não é uma nave de guerra. Repito: esta não é uma nave de guerra”. Afastada da trilha épica ou das costumeiras músicas oitentistas hiper-animadas, a abertura de Vingadores: Guerra Infinita (2018) pede por socorro. Mal sabíamos que, depois de 2h30 de exibição, nós é que iríamos implorar por socorro.

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Há 20 anos, Spike Lee e Edward Norton contavam A Última Noite de um homem em Nova York

Monty quase foi interpretado por Tobey Maguire, que, apesar de ter recusado o papel para estrelar Homem-Aranha, acabou sendo um dos produtores do longa (Foto: Touchstone Pictures/The Walt Disney Company)

Nathan Nunes

Nos vinte anos que separam os dias atuais da estreia de A Última Noite (25th Hour) nos cinemas brasileiros, em 23 de Maio de 2003, talvez nenhuma cena tenha marcado tanto quanto o monólogo que Edward Norton (Glass Onion) recita em frente ao espelho de um banheiro, no qual reflete sobre como odeia tudo e todos em sua cidade. Esse momento não estava presente no roteiro inicial de David Benioff, mas sim em seu livro homônimo, objeto da adaptação. O diretor Spike Lee (Infiltrado na Klan) encorajou o futuro showrunner de Game of Thrones a colocá-lo de volta nos planos, além de tê-lo filmado a contragosto da Disney, que o queria fora do corte final. 

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A segunda temporada de A Vida Sexual das Universitárias canta em notas lascivamente cômicas

Cena da série A Vida Sexual das Universitárias. Na imagem estão Whitney, Leighton, Bela e Kimberly, da esquerda para a direita. Whitney é uma mulher negra de tranças castanhas, ela veste uma camiseta branca e uma jaqueta rosa. Leighton é uma mulher branca de cabelos longos e lisos. Bela é uma mulher indiana de cabelos longos, pretos e lisos, ela veste uma camiseta vermelha com um casaco bege. Kimberly é uma mulher branca de cabelos curtos, lisos e castanhos claros, ela veste uma camiseta listrada com uma jaqueta laranja. Todas fazem cara de surpresa.
Sob as subjetividades de suas protagonistas, A Vida Sexual das Universitárias repousa em um retorno maduro e coerente (Foto: HBO Max)

Jamily Rigonatto 

Quatro meninas de personalidades completamente diferentes em um quarto de universidade e a possibilidade de explorar o que o desejo permitir? Já vimos algo parecido antes, mas a receita de A Vida Sexual das Universitárias tem um tempero a mais. Com dramas sinceros e o sopro da juventude contemporânea, a série original da HBO Max chegou ao seu segundo ano pronta para conquistar os corações e corpos da Essex College.

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Em Ctrl (Deluxe), SZA prova que é sempre possível melhorar

Capa do álbum CTRL (Deluxe): Uma imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem e de cabelos pretos, encaracolados e longos. Ela está sentada com sua mão esquerda no chão atrás e outra em seu joelho.Está vestindo um body branco por baixo de uma jaqueta branca. Também tênis e meias brancas curtas. Ao fundo vemos um gramado e vários computadores velhos em volta dela.
Ctrl (Deluxe) foi lançado em comemoração ao 5° aniversário de seu debut [Foto: RCA Records]
Henrique Marinhos

No meio de 2022, antes de lançar o então recente SOS, Solána Rowe comemorou os 5 anos de Ctrl, seu potente trabalho de estreia. Em meio às festividades, SZA impressionou novamente ao lançar, em 9 de junho, a versão deluxe do CD, provando que mesmo em obras aclamadas ainda há como melhorar. Relembrando um dos melhores álbuns de 2017, sua nova versão é composta por mais sete faixas até então inéditas, trazendo uma completude ao álbum como se sempre estivessem ali, prolongando a melancólica experiência de R&B que deu tão certo meia década atrás.

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Rex Orange County e a arte de ‘não ligar’ para algumas opiniões

Foto colorida do palco da turnê WHO CARES?. O cantor Rex Orange County aparece no centro da imagem, embaixo de um holofote, com um microfone na mão, no meio de um pequeno pulo. Ele é um homem branco, de cabelos castanhos, e aparece usando uma camiseta azul claro, bermuda preta, meias e tênis brancos. Atrás, pode-se ver a banda, formada por homens. No fundo, há uma estampa preta e branca, imitando as manchas de um cão dálmata, e apresenta os escritos WHO CARES?, em caixa alta
Em WHO CARES?, Rex Orange County reflete sobre a vida de jovem adulto (Foto: Stephanie Nardi/Impressions Magazine)

Laura Hirata-Vale

Vivemos em um mundo rápido. Inconstante. Frenético. Instável, incerto, veloz, desordenado, apaixonado, desencantado. É sobre esse mesmo mundo que Rex Orange County reflete – de forma impessoal, sem se importar com outras opiniões – em WHO CARES?, seu quarto álbum, lançado em março. 

Construído em um período de dez dias, durante uma viagem do cantor à Amsterdam, o projeto de onze músicas nasceu de maneira espontânea em uma rapidez quase inconsciente: não houve tempo para pensar, repensar e refletir muito sobre as sonoridades, musicalidades e letras das canções. Co-produzido com o músico Benny Sings, o disco ainda possui a participação do rapper Tyler, The Creator

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The Bear: Como assim tem um urso na cozinha do Star +?

Cena da série The Bear. No canto inferior esquerdo, temos o ator Jeremy Allen White, um homem branco de cabelos loiros escuros, vestindo camisa branca e avental azul. Ele tem tatuagens difíceis de identificar em seu braço esquerdo. No centro, temos o ator Lionel Boyce, um homem preto vestindo gorro vermelho, camisa preta e avental branco. No canto inferior direito, temos o ator Ebon Moss-Bachrach, um homem branco de cabelos curtos pretos, barba por fazer, vestindo uma camisa azul com um logotipo branco estampado no peito direito e uma blusa branca amarrada em sua cintura. Ao fundo, temos o cenário de uma despensa de alimentos de metal acinzentado, a qual Lionel está segurando a porta e Jeremy está na frente de uma estante com alimentos em caixas. A cena acontece durante o dia.
Assim como qualquer edição do MasterChef, The Bear mostra que a cozinha também pode ser um inferno (Foto: Star+)

Nathan Nunes

Um dos reality shows mais famosos do canal Food Network é o S.O.S. Restaurante, apresentado pelo chef de cozinha Robert Irvine. Nele, o anfitrião tenta salvar restaurantes em situação crítica, seja financeira, sanitária ou emocional. O grande charme do programa é a possibilidade de imersão no cotidiano da gastronomia, nem sempre tão atrativo e tampouco saudável para os profissionais quanto os pratos de comida são para nós. Felizmente, tudo dá certo ao final de cada episódio e Irvine consegue cumprir sua missão de mudar a rotina dentro desses estabelecimentos, coisa que os trabalhadores da casa de sanduíches The Beef provavelmente sonham desde os minutos iniciais de O Urso

Tendo Christopher Storer (Bo Burnham: Make Happy) como showrunner, a série, original da Hulu nos Estados Unidos e do Star+ no Brasil, é figurinha carimbada nas premiações do começo desse ano, com projeções até mesmo para o Emmy. Além da indicação na categoria de Melhor Série de Comédia ou Musical, o projeto se destacou principalmente através de seu único membro vitorioso: Jeremy Allen White (Shameless e Homecoming), vencedor do Globo de Ouro e do Critic’s Choice como Melhor Ator em Série de Comédia pelo desempenho como o protagonista Carmy.

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Não! Não Olhe! e o terror do desconhecido (que achamos que conhecemos)

Cena de Não! Não Olhe! Nela, vemos o personagem interpretado por Steven Yeun. Ele é um homem asiático de cabelos pretos. Ele veste um terno vermelho com detalhes bordados, uma camisa branca e uma gravata minimalista preta. Em sua bochecha,no lado esquerdo há um microfone. Ele olha para cima. Ao fundo, um chão de terra, típico de deserto americano. No lado esquerdo da imagem, é possível ver a extremidade de um tanque de acrílico.
Jordan Peele começou sua carreira com esquetes de Comédia e, sempre que possível, traz esses elementos para suas obras (Foto: Universal Studios)

Guilherme Veiga

Nos mais de 120 anos do Cinema, é natural que, uma hora ou outra, ideias se esgotem, seja pela saturação ou pelas fórmulas estabelecidas. É a partir daí que os gêneros nascem, com o intuito de guardar em caixas histórias que têm algo em comum. Filmes de ação, geralmente, são construídos sob a sombra dos brucutus com armas nas mãos, contra tudo e contra todos; romances, em sua maioria, são melodramáticos; biografias, quase sempre, endeusam os biografados; aventuras abusam da jornada do herói, e por aí vai. Em uma Arte tão vasta, o difícil é sair da homogeneidade.

Talvez o gênero que encontre mais dificuldade para escapar do ‘mais do mesmo’ seja o de sci-fi com extraterrestres. Muito porque, antes mesmo dele chegar de vez no Cinema, o tema já estava amplamente estabelecido na cultura popular, principalmente a norte-americana. Quando chegou às telas, o subgênero já vinha como um ponto fora da curva, a exemplo de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Marte Ataca! (1996), Alien: O Oitavo Passageiro (1979), E.T. O Extraterrestre (1982), Sinais (2002) ou, até mesmo, o recente Distrito 9 (2009). Essa seara que, graças a originalidade, criou seu próprio conceito, merecia ser retrabalhada por uma das mentes mais originais da atualidade, e é isso que Jordan Peele busca com Nope, ou, aqui no Brasil, Não! Não Olhe!.

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Em Ruído Branco, o mundo real é uma simulação

Em parceria com a A24, Ruído Branco estreou no Festival de Veneza e chegou à Netflix no penúltimo dia de 2022 (Foto: Netflix)

Bruno Andrade

“Consumista” já foi a palavra de ordem de uma geração que, em um passo ousado, julgava os relativos perigos de uma sociedade descontrolada – talvez como consequência direta da mudança social dos anos 1960, cuja virada cultural permanente se estabeleceu e desembocou no mal-estar das décadas seguintes. Mas o fato é que o julgamento parecia resfriar-se em um sólido cenário teórico, e ironicamente se perpetuava, muitas vezes, por aqueles que o apontavam. O consumo estava em toda parte. Em Ruído Branco, adaptação dirigida por Noah Baumbach do clássico homônimo de Don DeLillo publicado em 1985, outras facetas do consumo – para além da alienação – ganham espaço: o entretenimento vulgar, o delírio e a paranoia.

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