Há 5 anos, Vingadores: Guerra Infinita se tornava clássico em um estalar de dedos

Vingadores: Guerra infinita celebrou os 10 anos de Marvel Studios e iniciou a conclusão da saga (Foto: Marvel Studios)

Davi Marcelgo 

Aqui é a nave Estadista de refugiados asgardianos. Estamos sob ataque. Repito: estamos sob ataque. Os motores morreram, o suporte de vida está falhando. Solicitando ajuda de qualquer nave próxima. Estamos a 22 pontos de salto de Asgard. Os tripulantes são famílias asgardianas. Há poucos soldados aqui. Esta não é uma nave de guerra. Repito: esta não é uma nave de guerra”. Afastada da trilha épica ou das costumeiras músicas oitentistas hiper-animadas, a abertura de Vingadores: Guerra Infinita (2018) pede por socorro. Mal sabíamos que, depois de 2h30 de exibição, nós é que iríamos implorar por socorro.

Lançada ao longo de 11 anos pela Marvel Studios, a “Saga do Infinito” é um conjunto de 23 filmes conectados (desconsiderando Viúva Negra [2021]). Nela, acompanhamos a formação dos Vingadores e seus encontros com as joias do infinito, que culminam em Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato (2019), ambos dirigidos pelos Irmãos Russo, em que os heróis enfrentam sua maior ameaça: Thanos, o titã louco. 

Devido a toda sua estruturação através da década, havia muitas promessas em torno do longa, das expectativas dos fãs ao marketing. O evento do ano não poderia ser só mais um filme de herói, ele deveria ser um divisor de águas; e, de fato, conseguiu elevar o subgênero, sustentando-se como uma obra singular e que ressoa além de aplausos e gritos na sala de cinema. Muito se deve às batalhas criativas e icônicas em Titã, o planeta de Thanos, e à grande catarse de Thor (Chris Hemsworth) nas terras de Wakanda. No entanto, o que garante o mergulho ao épico sideral é o protagonista, ou melhor, vilão.

O filme completou 5 anos em 26 de abril de 2023 (Foto: Marvel Studios)

O que faz Guerra Infinita continuar tão especial, depois de meia década, é a forma como o filme brinca com a “tragédia-catarse-tragédia”, partindo da sua abertura para firmar o que está em jogo no mundo dos super-heróis e o motivo pelo qual, desta vez, o confronto é diferente. Quando um vilão é apresentado ao público, é importante que ele cause algum sentimento: raiva, ódio, nojo e, às vezes, até simpatia – o que não pode acontecer é o espectador ficar apático. Ainda mais quando o antagonista é o maior do universo, com sua mitologia construída ao longo de 10 anos. Thanos (Josh Brolin) deveria causar pânico, porém fez mais do que isso: tremeu todas as poltronas apenas na introdução.

Após o pedido de resgate, é revelado que parte da população de Asgard morreu, Thor está nas mãos do rival (literalmente) e os seguidores de Thanos cultivam-o como um deus (é interessante como a direção prefere filmar os corpos esparramados pelo chão enquanto Fauce de Ébano (Tom Vaughan-Lawlor) discursa; é uma forma do filme tomar sua posição no tabuleiro e apresentar a voracidade dos inimigos). Depois disso, o titã enfrenta Hulk (Mark Ruffalo) e, exatamente nesse trecho, se revela como o tal – Vingadores: Guerra Infinita prefere mostrar ao invés de falar, assim, o público teme Thanos por seus atos e não pelo que falam deles.

Thor não demonstrava ter o poder digno de um deus, e só foi assumir a persona em Thor: Ragnarok (2017), quando, ao perder seu martelo, mostrou que seu poder era bem maior do que todos imaginávamos, além de toda construção do embate final, que corrobora com a máxima ao som de Immigrant Song. Junto a ele, Hulk se destaca entre os companheiros de equipe. Ao contrário do príncipe asgardiano, o Gigante Esmeralda possui feitos grandes em sua trajetória no MCU: a entrada triunfal em Vingadores (2012), que precisou criar um leviatã para ser um desafio ao tamanho do herói; o surto e embate em Vingadores: Era de Ultron (2015); e até seu primeiro filme, de 2008. Definindo e unindo os pilares de poder do universo, quem poderia se opor a eles?

Os filhos de Thanos formam a Ordem Negra; da esquerda para a direita, estão Próxima Meia-Noite, Obsidiano do Sacrifício, Fauce de Ébano e Corvus Glaive (Foto: Marvel Studios)

Em menos de cinco minutos de filme, Thanos derruba Hulk facilmente. Embora tenha a joia do poder em mãos, ele não a usa para lutar contra o Verdão. Thor, já debilitado, é preso por um feitiço de Ébano e não consegue se mover. Heimdall (Idris Elba) é morto apunhalado por uma lâmina. De cara, dois vingadores mais fortes não possuem chance alguma contra os invasores, e um guerreiro asgardiano poderoso morre sem mais nem menos. 

É importante lembrar que existem raras exceções em que a Marvel mata seus personagens – como Yondu (Michael Rooker), em Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017) -, então ninguém esperava essa ousadia. Loki (Tom Hiddleston), amado pelo público desde sua primeira aparição em Thor (2011), foi um dos grandes acertos do estúdio em sua primeira fase, colocando o ator britânico como vilão da primeira reunião da equipe e encantando o público com seu carisma. No terceiro filme do Deus do trovão, Loki teve um arco de redenção, salvou Asgard, fez as pazes com o irmão e o reconheceu como o rei. Neste ponto da história, era mais do que esperado o encontro do feiticeiro com os Vingadores, lutando lado a lado. 

O que ninguém previa é que nem a esperançosa história de Loki sobreviveria ao rastro de sangue de Thanos: o herdeiro de Jotunheim é enforcado de forma cruel – não só para os padrões da Marvel -, com direito ao som de seu pescoço quebrando. “Desta vez sem ressurreições”, adverte o grande vilão da saga. Trata-se do filme avisando que, embora Loki tenha “morrido outras duas vezes”, desta vez é definitivo. Deixando um saldo de mortes importantes dentro do MCU, com números altos, a abertura de Guerra Infinita crava o destino de uma saga em seus dez minutos iniciais.

A batalha em Titã segue sendo um dos momentos mais catárticos do filme (Foto: Marvel Studios)

Diferente de outros blockbusters, que colocam o fanservice acima do roteiro, o terceiro filme dos mais poderosos da Terra usa (e não usa) do recurso para desenvolver os arcos das personagens. A história de Thor é trágica, pois todos de sua família morreram, seu companheiro de guerra, o martelo Mjölnir  é despedaçado, ele perde um olho, descobre que a meia-irmã é uma déspota e que seu pai é um genocida

No meio de tantas perdas, há uma única coisa que pode ser trazida de volta: uma arma. O asgardiano atravessa o espaço sideral em missão suicida para aquecer o coração de uma estrela morta somente para ter uma arma que possa matar Thanos – o propósito honra o nome da equipe: Thor quer vingança. Mas, para além da revanche ou da venda de bonecos, essa é uma maneira do Deus do Trovão se conectar com o passado e ceifar o destino cruel que tanto o tirou, representado por Thanos, com o pouco que resta de suas lembranças. 

A catarse de Thor em Wakanda é divina porque recupera o fôlego do público e fecha as feridas do herói. Inconscientemente nos afeiçoamos a ele, e ver sua jornada com respaldo positivo é uma ascensão mútua. A excelente montagem de Jeffrey Ford e Matthew Schmidt, alternando os desafios do Trovão e de seus membros de equipe lutando na Terra, alimenta a chama para purificar o que apavora o público desde seu primeiro minuto.

Wakanda é a linha de defesa do planeta Terra (Foto: Marvel Studios)

Ver o Hulk dando a volta por cima, ganhando uma luta contra o Obsidiano do Sacrifício seria no mínimo recompensador, porém o alter ego Bruce Banner continua até o último minuto do filme, e o brutamontes não dá mais as caras, porque existe uma construção. Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) poderia usar a joia do tempo contra Thanos e criar fanservices dignos de uma página dupla de história em quadrinhos, mas a equipe criativa prefere guardar essa peça como parte de um plano maior para o endgame e, ao fazer isso, permite que o mago supremo demonstre os poderes que aprendeu durante os dois anos entre o seu filme solo e Guerra Infinita

São peças e fagulhas de desenvolvimento que enriquecem cada núcleo, que mais tarde irão se encontrar para (tentar) impedir o titã. É uma noção inteligente de saber quais brinquedos usar e como brincar, não uma grande máquina de apelo emotivo com referências da “edição 700 de X personagem”, mas de uma equipe criativa que se importa com a história que está contando (em especial Stephen McFeely e Christopher Markus, os roteiristas do longa). A abertura do ‘arrasa quarteirões’ mexe com os sentimentos do público, apresenta seu antagonista e fomenta desenvolvimentos para o resto da trama com maestria. Se não bastasse isso, ainda tem o cliffhanger : vilão vencendo no fim, virada na fórmula do MCU e grandiosas cenas catárticas. Sem dúvidas, cinco anos depois, é possível continuar afirmando que Vingadores: Guerra Infinita é uma das seis joias do infinito da Marvel.

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