É a principal premiação da temporada, a mais popular, mais glamourosa, que mais dá o que falar e a mais emblemática. Com todos os holofotes voltados para meados de Março, é natural pensar que são essas as razões que fazem com que o Oscarseja a passagem de ciclo entre as temporadas de premiação. O pensamento faz total sentido, mas a própria indústria não o leva em consideração e ano após ano prova esse descaso.
Muitos dos que se propõem a maratonar a lista dos indicados ao Oscar se esquecem dos curtas-metragens. O desinteresse pela categoria as impede de experienciar histórias valiosas e marcantes em diferentes temáticas e formatos – animação, live-action ou documentário. Os curtas são capazes de explorar qualquer assunto em um tempo limitado sem parecer superficial, te fazem rir, chorar, se inspirar, apaixonar e, às vezes, tudo isso ao mesmo tempo.
Na ficção, as produções selecionadas pela Academia para a 96ª edição da premiação abordam desde temas coletivos como aborto, abuso infantil e o holocausto, até questões subjetivas e individuais como o luto e memórias da infância. Na categoria documental, as obras retratam, além da vida pacata de duas senhoras e do impacto da música no desenvolvimento de estudantes, denúncias sociais sobre a proibição de livros em escolas, a disparidade econômica-racial e questões diplomáticas. Mesmo que de forma breve, não falham em se aprofundar em temáticas complexas.
Os curtas não ficam para trás dos longas-metragens, nem em qualidade da história, relevância ou impacto emocional. Apesar de serem desvalorizados em relação aos principais prêmios da noite, você só tem a ganhar dando uma chance para essas narrativas. O Cineclube de curtas do Persona vem com essa finalidade: valorizar as produções indicadas e, quem sabe, te incentivar a conhecer um pouco mais sobre essas histórias. – Amabile Zioli e Giovanna Freisinger
Uma travessia de 180 km, Annette Bening e Jodie Foster, a soma equaliza uma das maiores produções inspiradas em histórias da vida real dos últimos anos: NYAD. A trama lançada pela Netflix em 2023 traz um combo de veracidade, suspense e uma atuação de primeira, com um equilíbrio bastante acertado. Dirigido por Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, o longa-metragem mixa tons de persistência e uma ousadia quase negligente.
O filme conta a história da nadadora Diana Nyad (Annette Bening) que, aos 60 anos, vai em busca de refazer um feito que tentou aos 28: atravessar o oceano de Cuba até a Flórida nadando. O sonho que já parecia completamente insano na juventude, quando a protagonista persistiu por 42 horas no trajeto com uma gaiola de tubarão, mas não conseguiu aguentar, agora soa impossível. No entanto, quebrar as regras do lógico é uma das características desta história.
Ficção Americana é a história de Thelonious Ellison – também conhecido como Monk –, um escritor que não lança um livro há anos e que está cansado de como histórias de pessoas negras são tratadas na cultura americana. O filme se divide em dois: a primeira metade é sobre sua família excêntrica e disfuncional, que conta com uma irmã afetuosa (Tracee Ellis Ross), um irmão rebelde (Sterling K.Brown, que rouba a cena) e sua mãe adoecida (Leslie Uggams), que ele visita em Boston. A segunda parte é sobre o livro fictício My Pafology, uma história sobre traficantes armados, tráfico de drogas e pais ausentes, escrito sob a alcunha de Stagg R Leigh e enviado ao seu agente. Monk esperava que a Indústria entendesse a sátira e os estereótipos colocados sobre autores negros, ao forçá-los cada vez mais a escreverem esse tipo de história. Porém, o efeito foi o contrário: o livro se tornou um best-seller e vira o maior sucesso do protagonista.
Há um ano, quando o mundo se preparava para o Oscar 2023, duas apostas já eram tidas como certas: Avatar: O Caminho da Água venceria a categoria de Melhores Efeitos Visuais daquela cerimônia e Duna: Parte 2 venceria a da próxima. Naquela época, a segunda parte da adaptação de Denis Villeneuve ainda estava programada para estrear em Novembro e, consequentemente, prevista para angariar uma série de vitórias técnicas, como fez o seu antecessor na temporada de 2021.
No entanto, em Agosto, essas previsões sofreram um baque, quando a Warner Bros. anunciou o adiamento do longa para Março. A decisão ocorreu devido à greve do Sindicato dos Atores (SAG), cuja uma das regras proibia as aparições dos intérpretes nos circuitos de divulgação dos projetos. Repentinamente, a categoria que tinha seu campeão garantido se viu diante de uma série de possibilidades, tornando-se uma das mais imprevisíveis da temporada.
Uma tela preta com um som grave ao fundo inicia e encerra Zona de Interesse. A introdução subversiva dá o tom provocante da obra de Jonathan Glazer, que, ao invés de filmar os horrores dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, aposta no senso ético dos espectadores para interpretar a dissonância entre o que se vê e o que se escuta. Curiosamente, a melhor aposta para o longa-metragem no Oscar, no qual foi indicado em cinco categorias, não é Melhor Som.
Nesse ponto, a aparição de The Zone of Interest escancara algo ainda mais perturbador. Junto de outras produções nomeadas este ano, como o iminente vencedor Oppenheimer (também sobre a Segunda Guerra) e o merecedor Assassinos da Lua das Flores, a premiação parece ter uma predileção por passar a limpo tragédias movidas pelo dedo humano (coincidentemente, em que o dedo é estadunidense). No entanto, a preferência é seletiva: enquanto homenageia documentários propagandísticos, como aconteceu no ano passado com Navalnye pode se repetir esse ano com o manipulador 20 Dias em Mariupol (sobre a guerra na Ucrânia), o país berço do Oscar não só nega um genocídio em andamento, como o financia.
(Alerta de gatilho: O texto a seguir contém discussões sobre tópicos sensíveis abordados no filme, como homofobia, transfobia e ideações suicidas)
Iris Italo Marquezini
“A todas as garotas monstros” é a sensível dedicatória que abre a graphic novelNimona, vencedora de um Prêmio Eisner em 2016. Essa frase já de cara recepciona e prepara o leitor para o que vai vir: uma história feita para enaltecer pessoas enérgicas que definitivamente não se encaixam. Ao longo dos anos, cada vez mais pessoas foram descobrindo o quadrinho de ND Stevenson e se apaixonando pelo jeito frenético e violento da metamorfa mais pilantra dos últimos anos. A adaptação, lançada pela Netflix, fez a personagem cair no gosto popular de vez e com absoluta razão: é um filme fantástico e mágico em todos os aspectos.
Abdicar sonhos pelo bem maior, ser incorruptível, simbolizar a honra e bondade humana. Muitos filmes de heróis, desde Superman(1978), representam protetores benevolentes que transpiram sacrifícios. Os feitos desses mitos incluem girar a Terra em sentido anti horário e alterar o tempo, parar um trem desgovernado, salvar o Natal. Dentre os chavões do subgênero há a jornada em busca do que te faz um paladino. Ser tentado a usar os poderes para o próprio benefício, encarar dilemas, matar ou não seus inimigos e por aí vai. Homem-Aranha 2(2004) debateu as responsabilidades da vida de vigilante, nuances foram inseridas nos quadrinhos ao longo dos anos, afastando os homens que usam colã de uma noção maniqueísta. Mas o caminho de se tornar um herói pode ser apenas consequência de um objetivo muito mais nobre: o de se relacionar.
Em 2014, uma equipe de criminosos traumatizados foi introduzida na história de Hollywood, os Guardiões da Galáxia. Diferente dos outros super-poderosos, eles não são dotados de proezas ou nobreza. São interesseiros, faziam serviços em troca de pagamento e salvaram a galáxia só porque pereceriam se não impedissem os planos de Ronan, o Acusador (Lee Pace). Depois dos eventos contra os Kree, se aproximaram do formato de uma equipe à la Vingadores. Porém, em Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023), terceiro e último encontro dos heróis dirigido por James Gunn, salvar a família é o mais importante, e no meio da jornada, talvez dê tempo de se tornar um herói.
“Agora eu sei que tenho um coração, porque ele está doendo”é uma das frases mais populares do universo do audiovisual. Emitida pelo Homem de Lata em O Mágico de Oz, a citação marcou o futuro das produções cinematográficas quando o assunto é abordar a relação dos robôs com o ato de sentir. Certamente, a inspiração recaiu na realização de Robot Dreams, filme lançado em 2023 sob a direção do espanholPablo Berger. Nas linhas doces da animação, a quebra de um vínculo se mostra mecânica e lancinante.
O longa-metragem conta a história de um cachorro que vive em um universo sem humanos, povoado apenas por animais que agem como tais. Cansado de estar sozinho, seu movimento é similar aos da geração da tecnologia: procurar em uma máquina a fuga de realidade. É assim que ele adquire um robô, com o qual logo desenvolve, impressionantemente, uma amizade sincera, que em pouco se desmonta em reviravoltas.
Para os fãs de Wes Anderson, A Incrível História de Henry Sugar é um espetáculo completo. Já para aqueles que não o admiram, pode ser um pouco difícil apreciar a obra, na qual as características que marcam o estilo de Anderson são maximizadas. Adaptado do conto do escritor britânico Roald Dahl, o curta-metragem é o primeiro de uma série de quatro produções – A Incrível História de Henry Sugar, O Cisne, O Caçador de Ratos e Veneno – realizadas pelo diretor em parceria com a Netflix.