Como uma de suas metáforas musicais favoritas, o Grammy encerrou a caliginosa caminhada que o levou até a sua 64ª edição ao fim luminoso da noite do dia 3 de abril de 2022. Sob os holofotes da MGM Grand Garden Arena, no glamour de Las Vegas, cantores, compositores, produtores e instrumentistas se reuniram, junto da Academia de Gravação, para reconhecer “o melhor da Música” realizada entre o dia 1 de setembro de 2020 e 30 de setembro de 2021 e submetida à consideração da premiação. No palco, brilharam os nomes de Jon Batiste, Olivia Rodrigo, Doja Cat, SZA, Bruno Mars e Anderson .Paak, que com suas celebrações fervorosas e feições vitoriosas, encerraram um período que aconteceu exatamente de acordo com uma das leis mais fundamentais da natureza que produz tais fenômenos – antes da luz, vem a escuridão.
Não são muitos que conhecem St. Vincent pelo nome – talvez lembrem-se da performance de tirar o fôlego que a artista fez junto com Dua Lipa no Grammy de 2019 a partir de um mashup deMasseduction e One Kiss. Mas no geral, a cantora não faz parte de um meio popular, e durante sua turnê promovendo o disco MASSEDUCTION, ela decidiu começar a gravar um documentário mais pessoal, mostrando também a Annie Clark. Pelo menos, é dessa forma que ela conta como começou a ideia que não deu certo do filme The Nowhere Inn.
Se despedindo do frio intenso do mês passado, Agosto passou correndo, nos lembrando que faltam somente quatro meses para o fim de um ano que mais pareceu mentira do que verdade. Atingindo o número de 122 milhões de vacinados com a primeira dose, o futuro parece clarear. Mas mesmo sob perspectivas mais otimistas, a realidade é de que a pandemia ainda perdura e devemos (!) nos cuidar. Com a esperança de que tudo passe logo, o Persona continua isolado dentro de casa e traz a oitava edição do Nota Musical.
Abrindo o mês com chave de ouro, Lorde finalmente lança na íntegra o aguardadíssimo Solar Power, após quatro anos de muita espera e cobrança dos fãs. E carregada da difícil tarefa de superar o insuperável Melodrama, a neozelandesa se despe do fardo de salvadora deixando claro que essa nunca foi sua intenção. Assim, entre idas melancólicas à manicure e discussões sobre mudanças climáticas, Ella Yelich-O’Connor – para os mais chegados – celebra as banalidades da vida sob o Sol, convidando, quem quiser, a se derramar junto.
Outro retrato mais pessimista da vida pós-covid-19 é Pressure Machine, dos veteranos The Killers, que conta com a colaboração invejosa de Phoebe Bridgers na faixa Runaways Horses. Com título de um dos melhores discos de 2020, a queridinha do indie rock contemporâneo também revisitou o aclamado Punisher com três remixes inéditos de Kyoto. E semelhante à colega de banda (boygenius), Lucy Dacus entrega ao público uma nova versão de Going Going Gone, que originalmente integra o sensível autorretrato da cantora-compositora em Home Video.
Além das revisitações de registros já conhecidos, Agosto trouxe junto de si estreias empolgantes. O vocalista do sucesso juvenil 5 Seconds of Summer, Luke Hemmings, lança o primeiro trabalho solo da carreira com When Facing the Things We Turn Away From, encarando de frente o passado através de um processo empático de autoconhecimento. Igualmente, Orla Gartland surpreende com Woman on the Internet. Em seu álbum inaugural, a irlandesa refuta todos os estigmas criados em cima do passado como youtuber, abraçando aqui quem ela realmente é.
Já se despedindo, Iggy Azalea dá adeus ao mundo da música com The End of an Era, último ato da carreira, cheio de batidas encorpadas do funk carioca. Infelizmente, contrário à rapper australiana, algumas figuras parecem nunca dizer o tão necessário ciao! Em meio aos singles forçosos do mês, destacam-se o insosso Summer of Love de Shawn Mendes & Tainy e HIT IT do calejado Black Eyed Peas, com feats inusitados de influencers latinos. J. Balvin, por outro lado, continua influente no reggaeton internacional, divulgando Que Locura, prévia do álbum a ser lançado em Setembro.
Outra figura querida pelo público é Tinashe, que presenteou os fãs com o esperadíssimo 333. No seu melhor trabalho até o momento, a artista toma conta da criação narrativa do álbum recheado de sentimentalismo comum do R&B. Enquanto isso, The Weeknd continua bebendo da fonte oitentista da nova era, com direito a muito sintetizador no mais recente Take My Breath. E, o imitador oficial de After Hours, Ed Sheeran dá novamente as caras com Visiting Hours – coincidência? Dessa vez, sem a fantasia arlequina, o britânico aposta no usual violão acústico, assim como FINNEAS em A Concert Six Months From Now.
Na efervescência de exaltações nostálgicas, o trio de synthpop CHVRCHES mergulha de cabeça nas influências que inspiraram o terceiro álbum, criando uma narrativa quase cinematográfica. Trazendo “A” participação de Robert Smith, Screen Violence já nasce digno de um filme de terror slasher dos anos 80, carregado de sangue, sintetizador e uma final girl de respeito. Evocando a mesma década, Angel Olsen exalta o período com covers de hits oitentistas em Aisles, uma prévia vibrante do que vem a seguir. Já para quem busca sonoridades mais experimentais, o imersivo SINNER GET READY de Lingua Ignota e as faixas sombriamente atmosféricas de Cruisingda banda black midi são garantias certas de uma experiência original, com um quê de sinistro.
Ainda em Agosto, a hashtag #fleabagiscoming causou comoção nos trendings do Twitter, mas infelizmente não pelos motivos que gostaríamos. Com o mesmo nome da incrível Fleabag– série criada pela gênia Phoebe Waller-Bridge –, YUNGBLUD lançou nesse mês um novo single, ostentando fortes referências grunge. Machine Gun Kelly traz as mesmas veias noventistas em papercuts, produzido em conjunto com Travis Baker e Nick Long. Ao se afastar da sonoridade de seus registros passados, MGK não agradou todos os ouvidos e respondeu às críticas com um “STFU”. Crescentemente aparecendo em produções pop-rock alternativas do ano, o baterista do nostálgico Blink-182, Travis Baker, é incluído mais uma vez no último EP misery lake de Blackbear.
Guns N’ Roses também alvoroçou sua fanbase com ABSUЯD, primeira música da banda após treze anos sem novos materiais. E de fãs sêniores à fãs Gen Z devotos, Red Velvet entrega ao público Queendom, mais um sucesso comercial adicionado à lista do grupo de k-pop. Agora comemorando parcerias de longa data, a amizade fofíssima entre Tony Bennett e Lady Gaga dá as graças com a versão enérgica da dupla de I Get A Kick Out Of You, bem como o retorno de Skrillex com Justin Bieber e Don Toliver em Don’t Go.
Falando em duplas de respeito, Lizzo retorna após dois longos anos em Rumors ao lado da rapper Cardi B como deusas do Olimpo banhadas a ouro. Ambas encaram juntas as críticas ligadas ao corpo, avisando: todos os boatos são verdadeiros! E em meio à voltas triunfantes, Kacey Musgraves ressurge das cinzas com justified, anunciando o próximo álbum intitulado star-crossed, que desde sua revelação, já se tornou um dos mais esperados do ano. A musa country-pop se debruça sobre as dores do fim de um relacionamento, entregando um single perfeito para se chorar sozinhos no carro enquanto sofremos por desilusões amorosas.
Saindo direto de um conto épico medieval, If I Can’t Have Love, I Want Power exibe, logo de cara, Halsey em todo seu poder como matriarca sentada sobre um trono de ferro – ou melhor, o seu trono de ouro. Marcando o pop internacional com muito conceito, o álbum inclui em sua produção a improvável colaboração da cantora com os membros de Nine Inch Nails, Trent Reznor e Atticus Ross, se tornando uma declaração soberba sobre maternidade, auto-sabotagem e emancipação feminina.
Em clima saudosista, o querido Zeca Pagodinho marcou presença com Meu Partido É Alto!, evocando alegrias distantes. Vento nos cabelos, fim de tarde e cerveja gelada são lembranças afloradas pelo pagodeiro ao longo das faixas do álbum, assim como na performance descontraída de Eita Menina em versão pagode por Lagum. No sertanejo, Gabeu ressignifica o gênero tradicional através de uma reinterpretação queer com o bem-humorado AGROPOC.
Seguindo no Brasil, Marina Sena faz jus ao título do álbum de estreia, De Primeira, ultrapassando a marca de 3 milhões de streams no Spotify. Com produção e direção de arte impecáveis, a mineira entrega um pop recheado de brasilidades, seguindo como uma das promessas da música brasileira, ao lado de nomes como Jup do Bairro, um dos mais relevantes da cena musical nacional atual, e Manu Gavassi em seu desabafo internacional – diferente de Vitão e seu TAKAFAYA. Ao mesmo tempo, o cearense Matuê alcança com “Quer Voar” parada global na Billboard, se consolidando como um dos principais nomes do trap nacional.
Dando continuidade, de Madu à Supercombo, se destaca Ney Matogrosso, que como um dos maiores intérpretes da música brasileira, continua fazendo o que bem entender em Nu Com a Minha Música. Na comemoração dos 80 anos de sua deliciosa existência, quem é presenteado são os fãs. E entre reboladas e presentinhos, a funkeira Valesca Popozuda retorna despirocada como sempre.
Assim, somado às fragilidades e ameaças aos direitos das mulheres no Afeganistão e no mundo, o episódio serve como um lembrete urgente de que a luta contra a misoginia deve ser diária e tomada como um compromisso sério. No oitavo mês do Nota Musical, o Persona reúne a Editoria e os Colaboradores em apoio a todas as vítimas de violência contra a mulher, antes de analisar os acertos e deslizes musicais de Agosto.
Conhecida por sua habilidade bowiana de se metamorfosear, St. Vincent retorna em seu sexto álbum solo como nunca, anunciando: o Papai chegou. Da “assexual Pollyanna” a “líder de culto de um futuro próximo” a “dominatrix em instituição psiquiátrica”, Annie Clark assume em Daddy’s Home uma nova persona a quem chama de Papai. De peruca loira, plumas extravagantes e plataformas altas – claramente inspirados em Candy Darling, musa de Andy Warhol e ícone trans –, Clark se entrega inteiramente à temática e sonoridade setentista, mesclando ficção à autobiografia.
O ano se aproxima da metade e já podemos dizer que ele tem seus nomes. Ninguém vai conseguir lembrar de 2021 sem cantarolar a melodia de drivers license e imaginar o lilás da capa do primeiro disco de Olivia Rodrigo. O primeiro hit do ano colocou a adolescente sob os holofotes de todo o mundo, assinalando o seu nome em diversos recordes nas plataformas de streaming e criando uma expectativa gigantesca em cima de seu álbum de estreia.
Experiências adolescentes universais, muito estilo, atitude, talento, hype e aquela pontinha de nostalgia combinada com o jeitinho único da geração Z foram os artifícios de Rodrigo para construir em SOUR a melhor estreia que poderia ter feito. O recado é simples: com sua carteira de motorista em mãos e desabafos juvenis devidamente finalizados, todos os caminhos estão livres para o futuro da estrela Olivia.
Ao lado da princesa do Detran no hall de condecorados de 2021, possivelmente estará Lil Nas X. O primeiro álbum do nosso pequeno já tem nome, data de nascimento e muita identidade, conforme aponta o novo single. Se antes ele causou o terror de fundamentalistas religiosos ao descer até o Inferno numa barra de pole dance e sensualizar com o diabo, agora ele chega até o Céu através de uma canção íntima e sincera sobre suas vivências enquanto jovem gay negro.
E se o assunto é gente promissora, os trabalhos de chloe moriondo, ELIO, Alfie Templeman, girlhouse, Ashe e dodie também encontram um bom lugar em 2021 e nesta edição do Nota Musical. No núcleo teen, também está a chegada estrondosa do verão amanteigado do BTS, sinais da nova era de Conan Gray, novidade dos Jonas Brothers e de Niall Horan.
As amadas gravidinhas do Little Mix juntaram fôlego para acompanhar David Guetta em HeartbreakAnthem e fazer história no prêmio mais importante da música britânica. Na cerimônia do BRIT Awards 2021, o trio foi a primeira girlband a vencer a estatueta de Melhor Grupo, e não deixou o momento passar em branco no palco da premiação: “Vimos homens dominando, misoginia, sexismo e pouca diversidade. Estamos orgulhosas por termos permanecido juntas, nos cercado de mulheres fortes e agora usando mais do que nunca as nossas vozes”.
Lá, Olivia Rodrigo também dominou o momento em sua primeira performance em uma premiação e Dua Lipa seguiu acalmada. Elton John aproveitou para mais uma vez demonstrar seu apoio à nova geração da Música, agora ao lado de Olly Alexander com a política It’s a Sin, na véspera do mês reservado para a celebração do Orgulho LGBTQIA+.
Os contemporâneos favoritos da Terra da Rainha, no entanto, não cumpriram as promessas de 2019. Coldplay chegou no BRIT Awards 2021 com um terrível novo single, que definha as tantas possibilidades para o futuro da banda construídas com o último disco no pop enjoativo que o quinteto britânico insiste em praticar.
Erro esse que não foi cometido por Twenty One Pilots. A migração de sua mistura única e obscura de rock alternativo/hip-hop para os tons doces de um pop/rockvintage foi de início duvidosa, mas muito bem assimilada quando finalmente chegou aos nossos ouvidos. Fato é que os ouvintes mais apegados podem estranhar a sonoridade de Scaled and Icy, mas a nova era de Josh Dun e Tyler Joseph é rica em significados como sempre.
E o rock por si mesmo segue em boas mãos. Maio nos presenteou com o encontro épico de Sharon Van Etten e Angel Olsen e o retorno tão esperado de St. Vincent, que chegou em 2021 através de narrativas autobiográficas profundas e com a estética da década de 70. Mas o destaque do gênero vai mesmo é para o novo trabalho da banda dinamarquesa Iceage e o EP de PRETTY., paradas obrigatórias dentre a vastidão de obras pontuadas aí abaixo.
No folk, fomos embalados pelo novo CD do grupo Lord Huron e pelo quinto e belíssimo disco de Jon Allen. O blues também foi perfeitamente celebrado junto aos 20 anos de The Black Keys no décimo álbum do duo, e os amantes de country devem dar uma chance para a delicada influência do gênero na música de Aly & AJ. Já no R&B, Maio trouxe as preciosidades dos trabalhos de Sinead Harnett, Erika de Casier e Jorja Smith.
O saldo do mês no rap também foi o melhor possível. O retorno de Nicki Minaj com o lançamento de sua mixtape reformulada nas plataformas digitais é um aquecimento para o futuro da rapper, enquanto J. Cole segue um sucesso nas paradas mesmo quando respira entre suas safras. Aqui no Brasil, BK’ estreia o selo de sua produtora e Tasha e Tracie flertam com o funk em seu primeiro single do ano.
Na poética que só a rima permite, o rap do novo álbum de McKinley Dixon flutua em seus pensamentos sobre a vida numa das obras mais lindas de Maio e talvez de 2021, destinado à sua mãe, e a todos que se parecem com ela. As reflexões do jovem estadunidense acontecem de uma forma parecida com o trabalho de Jup do Bairro, que segue em Sinfonia do Corpo como uma das vozes mais relevantes na música nacional.
Chegando em sons brasileiros, é impossível não gostar de pelo menos uma coisa que nosso pop vem produzindo. Depois de soltar a voz com Emicida na maravilhosa e icônica AmarElo, Majur inaugura sua carreira com louvor com Ojunifé. A promessa de Urias também é grande e a expectativa só cresce com o que ela libera para degustação de seu disco, que ganhou nome este mês.
O novo trabalho da Tuyo, por sua vez, desenha para quem tinha dúvidas o porquê a beleza do som da banda chamou a atenção do The New York Times. Essa serenidade que permeia nossos artistas desaguou em Karol Conká, que retorna decidida a superar a sua curta porém intensa passagem pelo Big Brother Brasil.
Pabllo Vittar, de fato, não para. O lançamento da vez é uma volta às suas raízes, num forró com o drama de uma novela mexicana, que serve muito, como sempre, em marketing e complementos visuais. Próximo e longe da drag, está Gabeu, que como uma exímia cria do sertanejo e um legítimo orgulhoso de si mesmo, agrega mais um single em sua carreira, fortalecendo sua posição de precursor do queernejo no Brasil.
Maio também nos permitiu apreciar Tim Maia em espanhol e Nando Reis em família, além de reforçar uma mensagem muito importante através de Martinho da Vila. O assassinato de George Floyd completa um ano, e a Arte não deixa de exercer sua função social e defender que Vidas Negras Importam.
Um mês de ganhos preciosos também foi um mês de perdas irreparáveis. Nelson Sargento, mestre do samba e parceiro de Cartola, MC Kevin, uma das vozes mais bonitas do funk, e Cassiano, rei do soul brasileiro e letrista de Tim Maia, foram alguns dos nomes que deixaram a vida nos últimos trinta dias. O Persona reúne a Editoria e os colaboradores no Nota Musical de Maio, em memória à importância de cada um deles para a música brasileira.