O horror de Os Novos Mutantes

Poster do filme com estética dos anos 1980 no qual aparecem os cinco personagens principais. Ao fundo vemos um desenho estilizado de um urso com olhos vermelhos flamejantes. A frente o nome do filme também em vermelho.
Os Novos Mutantes (The New Mutants) teve sua data de estreia original marcada para abril de 2018 (Foto: Reprodução)

Ana Laura Ferreira

Que a pressa é inimiga da perfeição, todos nós sabemos, mas isso não quer dizer que tempo e qualidade necessariamente caminham juntos, sendo Os Novos Mutantes a prova viva disso. Com quase três anos de atraso para chegar às telas, o longa dirigido por Josh Boone se concretiza como uma amarga volta aos cinemas. Um trailer misterioso e a interminável espera, atrelados ao sedento desejo dos espectadores pela tela grande, foram a receita perfeita para a decepção e para o sentimento de desperdício de bons atores, boas histórias e bons personagens. 

Ficando no meio do fogo cruzado entre a Fox e a Disney, o filme se viu esquecido entre tanta turbulência. Apresentando uma proposta até então inovadora, ele ruma em direção ao terror e ao misticismo, entretanto sua montagem com cortes abruptos desmancham qualquer tentativa de se construir uma tensão no decorrer das cenas. E apesar de ter poucos personagens, um único cenário central e uma linha narrativa simples e direta, isso não facilita seu desenvolvimento que se embola em um grande primeiro ato finalizado às pressas no término de suas míseras uma hora e meia. 

Mas não pense em momento algum que o fato de ter somente seis personagens – e alguns poucos coadjuvantes como o pai da Dani Moonstar – é o culpado pelo desastre que vemos em tela. Quantidade não é tudo. Excelentes filmes já foram feitos na exata mesma estrutura, como o clássico Clube dos Cinco (1985). Cinco alunos, um diretor e um escola, a mesma receita transposta para um universo de horror, porém as melhores partes foram perdidas no meio do caminho. A maior delas: a relação entre os personagens.

Imagem de Alice Braga caracterizada como a Doutora Cecília Reyes com os cabelos castanhos presos em um coque baixo, blusa social azul clara coberta por um cardigã azul marinho e um jaleco branco. Ela pende a cabeça para o lado esquerdo e olha para a personagem Dani Moonstar, a qual está de costas, com apenas sua cabeça aparecendo.
Em 2017, Alice Braga e Henry Zaga vieram à CCXP para divulgar Os Novos Mutantes (Foto: Reprodução)

Fica extremamente claro que a construção do filme não é seu ponto forte, entretanto não podemos colocar a culpa de sua montagem em Boone. Isso porque, depois de tantos anos, tantas refilmagens e até uma produtora diferente, jamais conseguiremos saber se o que vimos é ou não o filme entregue pelo diretor. Porém, isso não isenta Os Novos Mutantes de pecar quando o assunto é entrosamento. A tentativa forçada de gerar empatia entre os personagens, unida a um cenário de conformismo quase utópico, destoa das personalidades fortes e afrontosas dos heróis. Essa ambiguidade faz apenas com que nos esqueçamos do propósito da narrativa, focando nossa concentração no porquê deles ainda não terem se rebelado.

Se por um lado o roteiro e os diálogos fracos não ajudam a construir essa relação, de outro podemos ver a investida quase dolorosa daqueles bons atores ao tentarem entregar uma trabalho no mínimo aceitável. A brasileira Alice Braga ganha destaque por ser a única figura de autoridade do local, chamando todo o peso do antagonismo para si. Sua atuação contida e na maior parte do tempo calma – pelo menos em frente aos internados – alimenta um toque sádico à Dra. Cecília Reyes.

Entre os jovens, a dificuldade é um pouco mais acentuada. Precisando dividir o peso de uma caricata construção de personagem que não poupa a ninguém, nem mesmo a brilhante Anya Taylor-Joy, de Fragmentado (2016) e O Gambito da Rainha (2020). Sem conseguirem se esquivar desse grande defeito, resta aos atores se apoiarem na diversidade de seus personagens e em suas nuances. Essa, que é uma das maiores qualidades do filme, explora um elenco heterogêneo sem forçar estereótipos, dando a eles a oportunidade de aprofundar as múltiplas facetas de cada um em uma suposta continuação.

Imagem dos cinco mutantes parados em frente ao hospital. Da esquerda para a direita: Lupina, Mancha Solar, Miragem, Míssil e Magia.
O filme Os Novos Mutantes se inspira nas HQs homônimas da Marvel, que tiveram um título exclusivo entre os anos de 1983 e 1991, com criação de Chris Claremont e Bob McLeod (Foto: Reprodução)

A direção de arte do filme é um acerto. O cenário do hospício, com paredes escuras e grossas portas de metal, ajuda a nutrir uma sensação de claustrofobia e imutabilidade, como se aquela fosse sua última parada. Entretanto, a ambientação poderia ter sido ainda melhor se melhor conciliada à fotografia. Os planos muito claros e abertos quebram o sentimento de clausura, nos puxando quase que de forma rude para longe de todas as possibilidades de tensão que poderiam ser criadas. 

É triste pensar que um longa que tinha tudo para ser um grande sucesso foi corroído pelo tempo. E mesmo que não saibamos quem é o culpado pelo desastre de Os Novos Mutantes, é certo que ele logo será esquecido entre os vários filmes dos X-Men. Ainda assim, a esperança para que não seja prevalece. Um remake seria pedir demais, mas por qual razão não sonhar com uma sequência melhor desenvolvida, que explore e tire proveito de todas as qualidades destes mutantes e de seus intérpretes? 

Deixe uma resposta