O Ano do Pensamento Mágico: a dor de uma mulher tranquila

Capa do livro O Ano do Pensamento Mágico. A capa do livro é laranja, no canto inferior, está o título da obra em azul, no canto superior, está o nome da autora Joan Didion escrito em amarelo. Na parte superior, está escrito o símbolo da editora Harper Collins em azul.
Lançado em abril pela editora Harper Collins, O Ano do Pensamento Mágico foi traduzido por Marina Vargas (Foto: Harper Collins)

Isabella Siqueira

“A vida muda rapidamente
A vida muda em um instante
Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina.
A questão da autopiedade.”

“Tudo bem. Ela é uma mulher tranquila”. Essa foi a frase utilizada para se referir a Joan Didion no dia em que seu marido morreu. O Ano do Pensamento Mágico é uma autobiografia desenvolvida meses após o falecimento de John Gregory Dunne, em 2003. Dedicada ao luto, é um acalanto para os indivíduos com uma vulnerabilidade similar. Lançado inicialmente em 2005, o livro ganhou uma reedição pela Harper Collins em 2021, e, definitivamente, reafirma sua consagração como uma das grandes obras da escritora norte-americana.

A morte repentina de John Gregory Dunne não apenas foi o acontecimento chave para a escrita de O Ano do Pensamento Mágico, mas também o momento que mudou o cotidiano de Joan Didion. Em apenas um instante, o seu marido estava morto na mesa durante o jantar. Momentos antes do infarto, o casal estava justamente visitando sua filha Quintana, em coma na UTI com uma grave pneumonia. 

A experiência devastadora do luto e as reminiscências de memórias de décadas passadas são descritas por Didion com muita sinceridade. A autora não é melancólica ao relatar sua dor, visto que ela mesma sempre julgou a autopiedade e seus traços. O tom triste do livro é devido as desgraças que a vida entregou à autora de uma vez só. As páginas retratam a neurose em entender o que tinha ocasionado a morte de seu marido, as circunstâncias da doença da filha e os momentos significativos do passado.

Fotografia de Joan e de sua família. A imagem está em preto e branco, Joan Didion está de pé na esquerda da foto, ela é uma mulher branca de cabelos e olhos castanhos, a autora está vestindo uma blusa clara e uma saia estampada. Seu marido, John Dunne, está sentado no sofá à direita da imagem, ele é um homem branco e parcialmente careca, o escritor veste uma blusa de botões escura e uma calça clara. Além disso, John também segura sua filha, Quintana Dunne, nos braços, a menina é loira e usa um vestido claro. O cenário é uma sala de estar, existindo esquadrias no fundo, chão de madeira e móveis compondo o ambiente.
Legenda: Retrato de Joan com seu marido, John Gregory Dunne, e sua filha, Quintana Roo Dunne (Foto: Julian Wasser)

Perdida e confusa são duas palavras que podem descrever não só a obra, mas também a vida pausada de Didion, que após 40 anos de casada não sabia como prosseguir. Fatos corriqueiros e pensamentos desconexos fazem parte da descrição de seu processo de luto. A autora passeia entre as memórias das casas onde tinham morado, situações cotidianas da vida conjugal que não voltam mais, citações de livros dela e de John e descrições do sentimento de perda por outros autores, que também tentaram definir o luto com seus próprios termos. 

A perda do parceiro a quem contava seus sonhos foi devastadora e repentina. Apesar do histórico de doença cardíaca, Joan Didion não estava preparada para ver o marido cair na mesa de casa, exatamente enquanto ambos jantavam. Na verdade, o que caracterizou o desastre súbito foi o fato de que aquele era um instante normal – palavra que ela não insere nas primeiras frases de seu livro, pois era impossível esquecê-la.

Com uma escrita particular e viciante, a autora mistura e revive anos e momentos diferentes de sua vida. As lembranças surgem de repente, sendo sempre descritas por sua relação com o presente. Lembrando de reflexões de sua infância e o que estava fazendo 48 horas antes da morte do marido, Joan Didion entrega uma história embaralhada e sem trama. 

Fotografia da escritora Joan Didion. Na imagem, a mulher está posando sentada em um sofá, ela possui seu braço esquerdo acima do sofá e o braço direito sobre as pernas. A autora é uma mulher branca, de cabelos curtos castanhos e olhos escuros. Ela veste uma blusa cacharrel preta e uma calça clara.
Conhecida também pelo livro de ensaios O Álbum Branco, a escritora foi uma das precursoras do New Journalism (Foto: Circa 1977/Everett)

Como colocado por Joan Didion, o luto pode ser definido como uma doença, apesar de não ser chamado popularmente desse jeito. A autora ainda revela alguns de seus sentimentos nos meses seguintes, enquanto esperava pacientemente pelo instante que deveria recomeçar e superar, uma palavra injusta para os que sofrem uma perda significativa como a dela. Se sentir invisível, irracional, desamparada e transparente são alguns dos termos encontrados na obra para refletir seu estado na época em que escreveu O Ano do Pensamento Mágico

Não obstante, ela ainda descreve pequenos lapsos que passou a ter. Ao se desfazer das roupas de John, não consegue parar o pensamento de que ele necessita de sapatos. Ou como é inconsciente e involuntário o reflexo de se lembrar de algo e comentar com alguém que já não está mais lá para ouvir. Nesses momentos, é difícil não se compadecer pela falta urgente e sentimentos dolorosos de uma mudança tão repentina

“Claro que sabia que o John estava morto. (…) Porém, eu não estava de maneira alguma preparada para aceitar as notícias como algo definitivo: havia uma possibilidade, na qual eu acreditava, de que aquilo que acontecera era reversível. (…) Precisava de estar sozinha para que ele regressasse. Este foi o princípio do meu ano do pensamento mágico.”

E, como se já não bastasse a morte do marido, Joan Didion também teve de lidar com a doença súbita de sua única filha, que estava internada durante e também depois do falecimento de seu pai. Com imensa sensibilidade, a autora relembra o casamento de Quintana Roo Dunne meses antes, onde a jovem apresentava-se alegre e com flores de jasmim no cabelo. Sua mãe teve forças para tomar notas ao que os médicos diziam sobre a condição da filha, estudando livros de medicina para entender tudo o que estava acontecendo.

É impossível não pensar nos próximos 20 meses como uma espécie de tortura para Joan, sendo mais díficil aceitar que esse sofrimento não parou por aí. O romance de não-ficção foi lançado dois anos após a morte de John Gregory Dunne, sendo tristemente sucedido pela morte de Quintana. A filha adotiva do casal faleceu aos 39 anos em 2005, e, em homenagem à ela, a autora escreveu Blue Nights. Apesar dos sentimentos similares, Joan Didion demonstra que escrever sobre o luto é um processo muito pessoal e necessário. O Ano do Pensamento Mágico é sua tentativa particular de trazer o marido de volta pela escrita.

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