Estante do Persona – Junho de 2022

Arte retangular de cor verde claro. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris verde. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “O Parque das Irmãs Magníficas”. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘junho de 2022'.
Em junho, o Clube do Livro do Persona se reuniu para debater O Parque das Irmãs Magníficas, obra de Camila Sosa Villada que venceu a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (Foto: Reprodução/Arte: Ana Clara Abbate/Texto de abertura: Vitória Silva)

“Contar uma história significa levar as mentes no voo da imaginação e trazê-las de volta ao mundo da reflexão.”

– Paulina Chiziane

Em meio à euforia das celebrações do Orgulho, o simbólico mês de junho também deu abertura para importantes reflexões acerca da comunidade LGBTQIA+. O Clube do Livro do Persona sediou uma edição especial aberta aos nossos colaboradores para observar a produção literária da população trans latino-americana. Saindo da Literatura nacional, partimos em uma viagem para conhecer O Parque das Irmãs Magníficas, de Camila Sosa Villada.

Já conhecida nos palcos, telinhas e telões ao redor do país, o primeiro passo da autora em sua caminhada na Literatura ocorreu em 2015, com La Novia de Sandro. Na coletânea de poemas, Camila se propõe a investigar “os mistérios do amor travesti”, temática que se tornaria um dos braços condutores de toda a sua obra. Em 2019, foi a vez de revelar a então leitura do nosso Clube do Livro, um relato semi-biográfico, em que a autora narra seus anos de prostituição no Parque Sarmiento, em Córdoba. Traduzido para mais de 10 idiomas, o livro foi vencedor de prêmios internacionais, como o Finestres de Narrativa (Espanha, 2020) e o Grand Prix de l’Héroïne Madame Figaro (França, 2021). 

Construindo uma fortaleza ao lado de um grupo de amigas, fator representativo de uma comunidade que aprendeu a ancorar-se em si mesma, Camila Sosa Villada apresenta um relato cruel do que é ser travesti, em um país que ainda não se equipara à carnificina diária que é essa realidade no Brasil. E se apoia em doses necessárias de realismo fantástico, que, ao invés de amenizar, aprofundam ainda mais as feridas ali expostas. Se for possível resumir bem, a sinopse da narrativa assim o faz: “O romance O Parque da Irmãs Magníficas é isso tudo: um rito de iniciação, um conto de fadas ou uma história de terror, o retrato de uma identidade de grupo, um manifesto explosivo, uma visita guiada à imaginação da autora”

Ainda entre os feitos literários do nosso especial do Mês do Orgulho LGBTQIA+, o Persona Entrevista abriu as portas para Tobias Carvalho, autor de Visão Noturna e As Coisas, obra que se aprofunda sobre as relações homoafetivas e vencedora do Prêmio Sesc de Literatura, em 2018. Também foi tempo de condecorar um dos protagonistas da expansão da Literatura no projeto, no dia 7 de junho, o autor Mia Couto recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Essa constitui a mais elevada honraria concedida pela Unesp, que tem o objetivo de prestigiar o trabalho de personalidades nacionais e internacionais, que se destacaram por suas contribuições para a arte, a cultura, a sociedade e a promoção dos direitos humanos. 

O clima festivo para o meio literário tende a se prolongar no mês de Julho, que teve seu início marcado pelo retorno da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Mas, para fechar o importante ciclo que passou, fique com as indicações de autores LGBTQIA+ dos integrantes da Editoria em mais um Estante do Persona

Livro do Mês

Recém-chegado no Brasil pela sua publicação em julho 2021, O Parque das Irmãs Magníficas tem a tradução de Joca Reiners Terron (Foto: Tusquets Editores)

Camila Sosa Villada – O Parque das Irmãs Magníficas (208 páginas, Tusquets Editores)

O abismo que existe entre a beleza e a violência é um lugar onde a Arte adora se jogar, mas há expressões que buscam ser ainda mais radical do que isso – e esse é o caso de Camila Sosa Villada, que encontra ali naquela interseção o local perfeito para estabelecer O Parque das Irmãs Magníficas. No caso da escritora argentina, esse lugar pode ser metaforicamente entendido como o Parque Sarmiento, que ao mesmo tempo em que acolhe a sua família travesti de Córdoba (fã de novelas e Gal Gosta e colorida pelo melhor rosa de mundo enquanto vive sete anos em um), é também o local que materializa toda gravidade do que significa estar no extremo da margem da sociedade.

Lá, ela floresce a brutalidade honesta de sua história num realismo fantástico que consegue ser muito mais verdadeiro do que o ideal de verossimilhança perseguido por muitas ficções. Las Malas, no original lançado em 2019, toma forma a partir dos registros que Camila manteve em um blog a partir do momento em que chegou na cidade para cursar a faculdade e conheceu as travestis do parque, o livro passeia por reflexões de identidade, pertencimento, amor e família sem se esquivar dos muitos momentos em que a dor, desamparo e solidão vindos do preconceito e da pobreza cruzam o caminho de suas personagens. Assim, ela define seu lar travesti: “Nessa casa, até a morte pode ser bela.


Dicas do Mês

Imagem da capa do livro Cartas para Luísa. Na foto, um fundo roxo abriga os desenhos de Rafaela e Luísa. A primeira tem pele branca, cabelos pretos na altura dos ombros e usa uma blusa preta, a ilustração está posicionada horizontalmente na porção superior. Já Luísa tem a pele negra e cabelos raspados, ela está posicionada horizontalmente na porção inferior. No centro aparece o título com a palavra Luísa em destaque, enquanto o nome da autora sobrepõe a imagem de Rafaela.
“Por favor, me perdoe por ter te amado tão errado. Era tudo o que eu tinha para oferecer” (Foto: Se Liga Editorial)

Maria Freitas – Cartas para Luísa (186 páginas, Se Liga Editorial)

Cartas para Luísa é uma obra epistolar que nos convida a conhecer Rafaela por meio das palavras grafadas em suas cartas. A personagem dedica suas mensagens à mulher que amava quando era adolescente e – entre lembranças e assinaturas – sentimentos que nunca disseram adeus transbordam em páginas datadas. A cada carta, uma peça da narrativa protagonizada por elas dez anos antes vem à tona acompanhada das frustrações, dores e arrependimentos da remetente. 

O livro tem autoria de Maria Freitas e ganhou o prêmio Mix Literário do ano de 2020, além de fazer parte da série Amor Entre Garotas junto dos títulos A Grande Chance de Ana Luna e Amélia Sem Filtro. O texto aborda de maneira sincera a vivência da bissexualidade, o entendimento das injustiças criadas pelo racismo, as relações familiares e a pauta da saúde mental. Cartas para Luísa despeja emoções com todo o melodrama que as controvérsias do amor merecem, mostrando como os clichês podem ser tão emo quanto uma música da Fresno. – Jamily Rigonatto


Capa do livro Will e Will, mostra dois rostos fazendo biquinho. Um deles está no canto superior direito e o outro no inferior esquerdo. A capa é azul e tem vários desenhos de corações, na mesma cor. Em branco, lemos Will e Will: Um Nome, Um Destino, e em preto lemos o nome dos autores, John Green e David Levithan.
Primeiro livro com personagens gays a figurar na lista do New York Times, Will & Will marcou uma geração que cresceu lendo os romances envolvendo adolescentes com câncer, cidades de papel e teoremas com nome de mulher (Foto: Galera)

John Green e David Levithan – Will e Will (352 páginas, Galera)

Em uma noite fria, numa improvável esquina de Chicago, Will Grayson encontra… Will Grayson. Os dois adolescentes dividem o mesmo nome e a dor do coração partido. Um Will é amigo de um garoto gay de sua escola. O outro precisa abrir o jogo com a própria mãe a respeito de sua orientação sexual. Até que Tiny, o melhor amigo gay do primeiro Will, acaba se tornando o possível amor do outro Will. Esquecendo momentaneamente os romances heterossexuais que povoam sua Literatura, John Green se junta a David Levithan para escrever a quatro mãos a trama de dois homônimos em ebulição. 

E, por mais que Will e Will, que no Brasil ganhou o subtítulo Um Nome, um destino, junto da tradução de Raquel Zampil, passeie por temas comuns do mundo adolescente e esbarre em alguns clichês evitáveis, a inserção de um Grayson queer dá o tom de frescor que uma obra escrita pelo criador de Hazel Grace e Augustus Waters precisa. Fato é que, depois da parceria, Green e Levithan seguiram por seus caminhos individuais, mas o encontro atmosférico de 2010 marcou o período. – Vitor Evangelista


Capa do livro Oxe, baby. A capa é rosa. No canto superior esquerdo, vemos rabiscos circulares em preto, o desenho de uma taça de vinho e a palavra “garotas” escrita três vezes, com um risco por cima. No canto superior direito, vemos um grafismo que aparenta ser uma página rasgada. Ao centro, vemos uma foto no estilo Polaroid, com uma moldura branca e a foto de Elayne Baeta ao centro. Ela é uma mulher aparentando cerca de 25 anos, com cabelos curtos pretos e está deitada em uma cama, encarando a câmera. Ao redor da moldura, vemos fósforos apagados, com as cinzas espalhadas sob a foto. Abaixo da foto, ao centro, vemos a assinatura de Elayne Baeta. No canto inferior esquerdo, vemos outro grafismo que aparenta ser de uma página rasgado. Na parte inferior central, vemos o logo da Galera. No canto inferior direito, vemos um desenho de uma fogueira
“Nunca foi sobre copos de água/Sempre foi sobre déjà-vu” (Foto: Galera)

Elayne Baeta – Oxe, baby (213 páginas, Galera)

Em seu segundo lançamento sob o selo Galera, da Editora Record, a autora baiana Elayne Baeta leva suas histórias sobre vivências de mulheres lésbicas ainda além do que em sua obra de estreia, O amor não é óbvio. Oxe, baby é o primeiro livro de poemas da escritora e, neste, a pessoa que expõe suas experiências é ela mesma: a coletânea de textos, imagens, escritos, fotografias, colagens e rabiscos formam o diário de Elayne. E há melhor jeito de entender as vivências de alguém do que (literalmente) lendo o documento mais pessoal e íntimo dela?

A obra, descrita como “um caderno roubado de poesias de uma garota que ama garotas”, retrata a perspectiva da própria autora através de poemas e outras expressões artísticas. Oxe, baby aborda temas como aceitação da sexualidade e homofobia, orgulho, amores correspondidos e não correspondidos, paixões, sexo e solidão, construindo um quadro completo do que é ser uma mulher lésbica – pelo menos para Elayne Baeta. As vivências expostas ao longo das 213 páginas, porém, são inconfundíveis e ressoam profundamente nas leitoras que se identificam.

Ao contrário de O amor não é óbvio, no qual a escritora se debruça sobre os mesmos assuntos sutilmente durante uma narrativa ficcionalizada, Oxe, baby os traz com a dureza, a honestidade e também a beleza de quem os presenciou e sabe do que fala. Na obra, a personagem principal não é inventada ou adaptada, não tem um arco de desenvolvimento planejado e nem ações premeditadas por um autor segurando uma caneta. Aqui, a protagonista é a própria Elayne Baeta, mulher lésbica contando sua história. Através de analogias e metáforas, que tornam situações específicas em vivências quase universais de outras garotas sáficas, as leitoras viram, também, as protagonistas junto da autora. – Vitória Lopes Gomez


capa do livro Um apartamento em Urano: Crônicas da travessia. A capa possui um círculo, cor verde água claro, que ocupa o centro, enquanto as bordas são de um verde grama mais escuro. No canto superior direito consta o título em letras pretas, o subtítulo em letras brancas. O nome do autor, Paul B. Preciado, está escrito em letras pretas. No canto inferior esquerdo, consta o logo do selo Zahar
‘‘A voz que treme em mim é a voz da fronteira’’ (Foto: Zahar/Companhia das Letras)

Paul B. Preciado – Um apartamento em Urano: Crônicas da travessia (320 páginas, Zahar)

O nome de Paul B. Preciado não é novo para quem já mergulhou nas profundas águas da teoria queer, tão contaminadas pelo pensamento pós-estruturalista e bebida pelas políticas pós-pornô. Sua filosofia, em que as experimentações misturam-se tanto ao seu próprio corpo quanto o do texto, são um convite às maneiras que identidades dissidentes podem ser manejadas no sistema cisgênero e heterossexual. No entanto, a novidade das crônicas de Um apartamento em Urano, é a pulsão do autor em criar novas utopias para serem sonhadas por pessoas LGBTQIA+. 

Em seus textos, Gilles Deleuze, Jean Genet, Virginia Woolf e Ursula K. Le Guin se encontram no que é um marco inaugural de uma nova maneira de se pensar a gênero e sexualidade. Ao se situar em um estado migrante, uma representação da transição social e hormonal de sua transsexualidade, Preciado envolve o leitor em sua viagem de gênero que tem como destino final Urano, um espaço proposto a ser ocupado por aqueles que rompem com a norma e que, consequentemente, negam os territórios da cisheteronormatividade.

Com temáticas que vão desde Julian Assange e as políticas estatais de informação até reflexões acerca da importância de dildos no sexo queer, o autor desmobiliza as estruturas da política e da cultura com sua disruptividade. Nas crônicas, Preciado submete Marx a uma oficina eco-socialista, olha criticamente para Lars Von Trier, sempre com suas lentes feministas, mas, antes de tudo, se volta com amor para aqueles sistematicamente negados desse sentimento. – Enzo Caramori


“A história é esta; começa pelo fim” (Foto: Companhia das Letras)

Ali Smith – Hotel mundo (232 páginas, Companhia das Letras)

Em uma cidade não especificada, uma camareira cai de um elevador de carga. Ela morre na primeira página. Esta é a história, “começa pelo fim”. Mas a bem da verdade, o fim, aqui, é puramente o começo. Desde o título de Hotel mundo (2009), a escocesa Ali Smith propõe um diálogo com o universo dos mortos: o Hotel Mundo, administrado pela rede internacional Hotel Global, é uma maravilhosa metáfora para a transitoriedade da vida, a qual se segmenta através de linhas tênues que nos unem à experiência dos mortos.

Essa visão periférica do todo só pode ser atestada por aqueles que observam de longe, de fora, quase como uma visão completa da História. Porém, Smith tem consciência de que é sempre difícil enxergar de dentro dos acontecimentos; por essa razão, interliga a trama de cinco mulheres – incluindo Sara, a camareira morta que continua vagando pelo mundo como o espectro de Hamlet – à historicidade e à passagem da vida através do tempo (como um hotel que passamos uns dias e depois partimos). Primeiro livro da autora a ser finalista do Booker Prize (em 2001), o livro chegou ao Brasil oito anos depois, sob tradução de Caetano W. Galindo.

Contudo, da mesma forma que a escritora constrói uma obra literariamente inventiva e filosoficamente instigante, Hotel mundo se consolida como uma meditação sobre os fios invisíveis que nos unem enquanto seres vivos, em uma trama meticulosamente interligada entre nós e nossos antepassados. A presença e a ausência daqueles que amamos moldam os momentos que constroem nosso mundo? Mais do que indagar, Ali Smith mostra que todos que passaram pela Terra – conhecidos, desconhecidos, vivos, mortos – estão intrinsecamente ligados a nossa própria História, pois habitavam o mesmo lugar que habitamos hoje, e em breve estaremos deixando: o Hotel Mundo. – Bruno Andrade


Capa do livro Noite na Taverna do autor Álvares de Azevedo. O fundo da capa é predominantemente preto. Ao centro, a ilustração em cores quentes de uma figura feminina. Na parte superior, o nome do autor Álvares de Azevedo e o nome do livro Noite na Taverna estão escritos em letras brancas. Na parte inferior, o logo da coleção Pocket da editora L&PM está ilustrado em branco.
O romantismo de Álvares de Azevedo se tornou tão dilacerante quanto o de sua maior inspiração, Lord Byron (Foto: L&PM Editores)

Álvares de Azevedo – Noite na Taverna (96 páginas, L&PM Editores)

Gótico e pessimista, Álvares de Azevedo é a entidade por trás do pseudônimo Job Stern que assina uma das obras mais instigantes da Literatura Brasileira, a póstuma antologia de contos Noite na Taverna. O representante maior do movimento ultrarromântico entrega a narração para Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann, cinco sujeitos que se reúnem em uma taverna para relatar as suas fúnebres desilusões amorosas. Publicado em 1855, o livro aborda tópicos sensíveis, entre eles, o canibalismo e a necrofilia, como uma forma de desafiar a sociedade da época.

Através de uma prosa carregada de sentimentalismo e angústia, Azevedo, um ser noturno, quase um vampiro, consegue fazer de Noite na Taverna uma das grandes conquistas artísticas da geração apelidada de mal-do-século. Tuberculoso quando não havia cura, ele deixou a vida como deixou o tédio com apenas 20 anos, mas não partiu antes de deixar uma carta para o seu confidente: “Adeus, meu Luiz. A beleza do espiritualismo é o amor das almas”. O fascínio pela relação motivou o historiador Jandiro Adriano Koch a escrever O crush de Álvares de Azevedo, texto que procura desvendar a homossexualidade do autor. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável. Fotografia retangular vertical. O escritor gaúcho Caio Fernando Abreu ocupa toda a capa. Ele aparece em tons de marrom, amarelo e laranja e somente o lado direito de seu rosto está iluminado. Caio é um homem de cabelos curtos, um pouco calvo, usa óculos redondos, olha para baixo, com semblante sério, e segura um cigarro com a mão direita. No canto inferior direito da capa, lemos Jeanne Callegari e Caio Fernando Abreu em letras brancas. Abaixo, lemos inventário de um escritor irremediável em letras pretas. No canto inferior esquerdo da capa, podemos identificar o logo da editora Seoman, formado por um círculo branco, com uma espécie de dragão no meio e, ao lado direito, o nome Seoman escrito em letras brancas.
Indo das memórias afetivas às telas do Persona, a biografia de Caio F. pode atrair alguns leitores até a obra do escritor gaúcho (Foto: Seoman)

Jeanne Callegari – Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável (192 páginas, Seoman)

Porque estou prestes a divulgar um relato pessoalíssimo, escrevo em primeira pessoa. Não como uma forma preguiçosa de facilitar a narrativa, mas como um recurso de aproximação entre aquilo que me resta do que já vivi e a tarefa confusa, mas curiosa de recomendar um livro que me marcou há alguns anos. Busco ser breve: Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável foi uma obra essencial para minha paixão turbulenta pela Literatura brasileira. Por meio dessas quase 200 páginas, ultrapassei o fascínio inicial dos Morangos Mofados recém-degustados e fui atrás de outras possibilidades heterogêneas de Caio, além das Anas Cristinas Césares e Hildas Hilsts que me acompanham até hoje.      

Biográfico, o texto de Jeanne Callegari rapidamente me conquistou. Aos poucos, fiquei instigado. Enfeitiçado. Ávido por um repertório que ainda não possuía: essa busca incessante pelas vias mais amplas. No calor do momento, a intensidade de leitura foi tamanha que aquela experiência mais parecia uma espécie de ambição utópica – a tentativa ingênua de manter contato com alguém que já se foi. No fim, Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável foi a confirmação de que Caio F. não seria companheiro momentâneo nesta travessia imprevisível que apelidamos de vida.

Atualmente, pouco me lembro do que de fato li na biografia escrita por Callegari. O tempo não apagou todos os nomes, relatos e dados, mas o que definitivamente me resta é a sensação nostálgica daquela primeira imersão sedutora. Um sentimento que não deve voltar em futuras revisitações, mas que se perpetua aqui, em um texto breve e, talvez, até elíptico demais. Trata-se de uma dica baseada principalmente na emoção. Da paixão por um escritor brasileiro fundamental à cultura deste país à importância de se conhecer a vida de artistas LGBTQIAP+: assim se construiu – ou, quem sabe, foi construída – esta indicação. – Eduardo Rota Hilário


Capa do livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, de bell hooks. A imagem é composta por uma foto em preto e branco que ocupa a metade inferior da capa, mostrando um grupo de manifestantes em protesto. A metade superior é uma faixa preta. Do lado esquerdo, o nome da autora está escrito em vermelho. Do lado direito, o nome do livro está escrito em branco.
Lançado no Brasil em 2013, o ensaio de bell hooks sobre educação tem uma repercussão de influência tão grande quanto a sua autora (Foto: Martins Fontes)

bell hooks – Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade (288 páginas, Martins Fontes)

Dentre os muitos debates que constroem um Mês do Orgulho LBGTQIA+, um em especial é muito bem contemplado pela sabedoria de bell hooks em Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. A partir de suas experiências como professora em um contexto entendido como o centro do mundo globalizado e contemporâneo, a pensadora questiona as concepções tradicionais de educação, retirando cirurgicamente os reducionismos que cercam uma das esferas mais importantes e poderosas da nossa sociedade. 

No ensaio, a educação é entendida como o vetor das transformações que tanto buscamos em um mundo regido por um sistema que aprisiona singularidades – daí a relação do tema com a liberdade e a coisa mais preciosa do mundo para bell hooks, a revolução. Assim, Ensinando a transgredir vai muito além do nicho específico da pedagogia crítica, se revelando como o beabá de uma prática social humanista e se colocando num lugar de referência fundamental para tudo o que refletimos e reivindicamos durante esse mês: o direito fundamental à liberdade de existência. – Raquel Dutra


Capa do livro O Retrato de Dorian Gray exibe o nome da obra ao centro, com letras pretas finas. Entre “DE” e “DORIAN GRAY” vemos duas figuras: um homem branco que veste um sobretudo com os botões abotoados, usa uma cartola preta na cabeça e carrega um bastão na mão esquerda; na sua sombra, vemos uma criatura preta agachada, com dois círculos brancos nos olhos. No topo, lê-se “Oscar Wilde” com as mesmas letras finas do título e embaixo do nome da obra lê-se “Via Leitura”, em letras menores.
Com tradução de Alexandre Barbosa de Souza, a edição da Via Leitura também conta com posfácio de James Joyce (Foto: Via Leitura)

Oscar Wilde – O Retrato de Dorian Gray (223 páginas, Via Leitura) 

Causador de polêmica na sociedade inglesa ao ser lançado no final do século XIX, o único romance escrito por Oscar Wilde é uma verdadeira obra-prima que fascina pela beleza de sua prosa e por sua narrativa hipnótica, onde explora as consequências de uma vida hedonista desenfreada. A escrita de Wilde não é só bela como também é sensual, com um rico teor homoerótico que permeia toda a obra, destacando-se especialmente nas passagens onde Dorian interage com o pintor Basil Hallward. 

Ao discutir sobre arte e a obsessão estética pela juventude eterna de seu protagonista, o livro ainda permanece extremamente atual, servindo como reflexo de um contexto midiático permeado por celebridades que parecem não envelhecer nunca graças às milhares de cirurgias que o dinheiro possibilita. Até que ponto a beleza deixa de encantar as multidões e passa a ser macabra, trágica? Leia O Retrato de Dorian Gray e descubra. – Caio Machado

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